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Julio Gomes

Leicester cada vez mais perto do maior dos feitos

Julio Gomes

05/03/2016 18h24

Em um passado distante, às vezes, algum time pequeno beliscava um título das grandes ligas europeias. Até mesmo dos torneios continentais. Esse "às vezes" virou um retumbante "nunca" desde a criação do mercado comum europeu e com a lei Bosman, a alforria dos atletas, 20 anos atrás. Os clubes passaram a ser verdadeiras multinacionais. Os grandes ficaram maiores e ampliaram o abismo que os separava dos menores.

Na Espanha, por exemplo, nunca Barcelona e Real Madrid haviam tido tal domínio. Sim, ganhavam mais que os outros, especialmente o Real, mas nunca com tanta sobra.

Na Itália, há 15 anos o título não fica fora das mãos de um dos três maiores do país, Juventus, Inter e Milan. Isso nunca havia acontecido.

Até mesmo em Portugal podemos notar a ampliação do abismo. Porto e Benfica, mais ricos que o Sporting, dividem títulos há 14 anos. Sem dar chances ao terceiro time do país, grande revelador europeu, mas que vê os jovens (exemplo, Cristiano Ronaldo) saírem cada vez mais cedo.

Na Inglaterra, desde a criação da Premier League, em 1992, foram 13 títulos para o Manchester United e 10 para os outros todos somados. O futebol ficou mais organizado, mais rico, o United foi ampliando a vantagem para os outros e dominando o país. Chelsea e Manchester City, que conseguiram recentemente incomodar o domínio doméstico do United, foram comprados por "investidores" internacionais, viraram ricos artificialmente. Não são exceções. Eles, na verdade, comprovam a tese. Tem que ter muito dinheiro, mas muito mesmo, para ganhar campeonato.

Nos anos anteriores ao futebol global, a pulverização de títulos era muito maior.

Nos últimos 20 anos, com o mercado europeu e a lei Bosman, não teve mais time pequeno sendo campeão.

Na Inglaterra, o último foi o Blackburn Rovers, em 1995, justamente o último campeonato antes da lei Bosman. Na Itália, Lazio, em 2000, e Roma, em 2001, surpreenderam. Na Espanha, teve o La Coruña campeão de 2000 (com um investimento tão "mentiroso" que o clube, após os anos de glória, quebrou). Em Portugal, o Boavista de 2001. Na Alemanha, onde clubes não podem ser vendidos, como na Inglaterra, teve um ou outro surpreendendo (Stuttgart-07, Wolfsburg-09).

Mas na Alemanha as forças são mais pulverizadas. Em anos em que o Bayern de Munique erra a mão, qualquer um pode ganhar. Não é o caso da Inglaterra. Em anos em que o Manchester United falha, ou dá Arsenal ou Chelsea ou, agora, Man City. Não é "qualquer um" que pode ganhar.

Pois é.

Toda essa introdução nos leva ao time que está lá em cima no título deste post, e também lá em cima no topo da tabela da Premier League, a liga mais rica do planeta.

O Leicester City Football Club.

Com a vitória sobre o Watford neste sábado e o empate entre Tottenham e Arsenal no dérbi londrino, o Leicester abre 5 pontos para o segundo colocado, o Tottenham, 8 para o Arsenal e 10 para o Manchester City (que tem um jogo a menos). São 20 pontos a mais que o Chelsea, atual campeão! 60 a 40.

O Leicester voltou na temporada passada à Premier League, após 10 anos nas divisões inferiores. Antes disso, havia jogado 7 edições desde a criação da Premier. Nunca havia chegado nem aos 60 pontos que já tem. O máximo que havia feito, uma oitava colocação no ano 2000.

O Leicester é um time pequeno de verdade. O famoso clube elevador, que passou a vida centenária caindo e subindo, caindo e subindo. Verdade que em 2010 ganhou aportes de dinheiro tailandês, mas nada que o fizesse um "novo rico". Antes, os torcedores queriam apenas "ser" Premier League. Agora, querem "A" Premier League.

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Se for campeão este ano, terá sido o maior feito já visto no futebol europeu moderno, desde as mudanças fundamentais de 20 anos atrás.

Um time bem mais ou menos, de contra ataque, sem estrelas, com um técnico que teve, ao longo da carreira, as definições "fracassado", "derrotado" e "simpático" mais acompanhadas do nome dele do que propriamente resultados.

Faltam 9 jogos. Os maiores da história do Leicester:

Newcastle (C, 19), Crystal Palace (F, 15), Southampton (C, 8), Sunderland (F, 17), West Ham (C, 5), Swansea (C, 16), Manchester United (F, 6), Everton (C, 11) e Chelsea (F, 10).

C é casa, F é fora, o número é a posição do time neste atual momento.

São quatro jogos contra times lutando contra o rebaixamento. Dois em casa contra times de meio de tabela, um contra o West Ham, que faz boa campanha. E, nas rodadas finais, jogos fora de casa contra United e Chelsea. Não saberemos a que estarão jogando os dois gigantes, mas é bom lembrar também que o Leicester, como bom time de contra ataque, se sente confortável nesta situação.

O Leicester pode tropeçar duas ou até três vezes – até agora, perdeu três de seus 29 jogos. Se ele ganhar seis dos nove jogos finais, é muito provável que fique com o título.

Eu não acreditava. Mas, nos últimos 7 dias, as coisas conspiraram de tal maneira que o Leicester agora se vê com chances mais do que reais de título.

Agora precisamos todos ficar 100% atentos. Porque podemos estar prestes a ver o maior feito da história das ligas europeias.

 

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.