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Julio Gomes

Capello foi o único técnico a bater de frente com Ronaldo (e ganhar)

Julio Gomes

30/12/2015 16h19

Na falta de grandes notícias, a última semana do ano foi marcada por um pequeno bate boca à distância entre Fábio Capello e Ronaldo, desafetos dos tempos de Real Madrid, em 2006. Foi uma temporada que ficou meio que escondida na TV brasileira. E justo quando eu morava em Madri, trabalhava diariamente indo ao Real e me lembro bem daquele confronto.

Capello-RonaldoNão quero aqui defender Capello, até porque não gosto dos times que ele monta, do estilo um tanto quanto autoritário de gerenciar atleta. Mas o fato é que foi ele o único treinador a desafiar Ronaldo de verdade na fase em que o Fenômeno literalmente largou da profissão.

Fazendo um pequeno resgate da carreira de Ronaldo. O cara virou Fenômeno e era o melhor jogador de futebol do mundo ali entre 95 e 98. Poucos atacantes mostraram a mesma potência, habilidade, inteligência para quebrar impedimentos e capacidade de finalização ao mesmo tempo. Acho que nunca uma apelido foi tão certeiro quanto o que ele recebeu.

Aí vieram as lesões. Aqueles anos dramáticos e uma carreira que muitos deram como encerrada renasceu simplesmente no maior dos palcos, a Copa do Mundo. Não poderia haver enredo melhor de redenção, com o final perfeito – dois gols em Yokohama na decisão do Mundial-2002.

Ronaldo, recuperado, foi, então, mais um galáctico da lista de Florentino Pérez e chegou ao Real Madrid. Fez uma ótima primeira temporada, em 2002/2003. O Real, que era campeão europeu, carimbou a Intercontinental no fim de 2002. Na Champions, parou diante da carrasca Juventus na semi, mas antes disso passou pelo Manchester United, com direito a três gols de Ronaldo em Old Trafford, no que talvez tenha sido a maior exibição europeia da carreira dele. Na liga doméstica, foi sofrido e com boa dose de sorte, mas o Real Madrid passou a Real Sociedad na reta final e ficou com o título – naquela campanha, Ronaldo fez 23 gols em 31 jogos. Somando todas as competições, 30 em 44.

Na segunda temporada, foram 24 gols em 32 jogos no Espanhol. Mas ali já havia acabado a era Vicente Del Bosque. O Madrid perdeu o título doméstico para o Valencia, de Rafa Benítez. Caiu na Champions para o Monaco. E já não havia mais química alguma no elenco. As notícias davam conta de um grupo de jogadores rachado. De um lado, Ronaldo. Do outro, Raúl. Este nunca teria engolido a chegada de Ronaldo. Já o brasileiro nunca havia engolido os gritos de "Raúl, Raúl" por parte da torcida madridista enquanto recebia, no gramado, a Bola de Ouro 2002.

A partir de 2005, Ronaldo claramente largou da profissão. Não se dedicou como poderia. E foi empurrando com a barriga os últimos anos de carreira. Sofrendo lesões, é verdade, mas há quem diga que elas vieram justamente pela questão física e o descomprometimento com o próprio corpo. A partir da chegada de Luxemburgo e um batalhão de jogadores brasileiros, aí é que o racha ficou ainda mais claro no vestiário. E Ronaldo parecia ter zero preocupação com sua posição no clube, o que achavam a torcida ou a imprensa.

Na temporada 2005/2006, quando o Barcelona foi bicampeão espanhol e campeão europeu, quebrando jejum de 14 anos, a pressão sobre o Real Madrid era enorme. A tal ponto de Florentino Pérez renunciar à presidência. Ronaldo era aplaudido quando fazia gol. Vaiado quando não fazia, até porque, fora gols, não fazia mais nada em campo. Mal se mexia. Foi esse Ronaldo, com evidente sobrepeso, que chegou à Copa de 2006. Virou recordista dos Mundiais, mas fez um Mundial ruim, junto com o resto do time.

Foi neste cenário, e com novo presidente no Real, que Fábio Capello chegou ao clube. E, ao contrário dos técnicos anteriores ou de Carlos Alberto Parreira, foi o único a desafiar Ronaldo. Estabeleceu regras e limites. Exigiu que ele entrasse em forma.

Não entrou? Tchau.

É claro que as condições políticas do clube é que deram tal poder a Capello. Mas não lembro de outro treinador, ao longo de toda a carreira de Ronaldo, que tenha prevalecido após o embate. Em geral, estrelas ganham duelos contra os técnicos. Mas não com Capello. O Fenômeno saiu do clube pela porta dos fundos e no meio da temporada.

E Capello, de fato, levou o Real Madrid a um título espanhol improvável, aquele de 2006/2007. Foi mais perdido pelo Barça do que ganhado pelo Madrid. Mas o troféu está lá no Bernabéu, e Capello entregou o que dele se esperava. Foram 25 gols em 37 jogos do holandês Ruud van Nistelrooy, o novo camisa 9. A aposta em um jogador menos midiático, mas muito eficiente, deu certo.

De fato, Ronaldo tem certa razão quando fala que Capello não fez nada depois daquilo. Porque ele era um técnico a ponto de ficar ultrapassado. Naquele ano, ainda deu certo. A partir de Guardiola no Barça, o futebol mudou. E os fundamentos de Capello ficaram pelo caminho.

Mas o italiano pode se vangloriar de ter feito o que muitos quiseram, alguns tentaram (outros não), mas não conseguiram. Ganhar uma de Ronaldo. E ainda provar que era a decisão certa. Matou a cobra e mostrou o pau.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.