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Julio Gomes

Cristiano, 501 gols. E aí, quem foi o melhor Ronaldo?

Julio Gomes

01/10/2015 10h00

Cristiano Ronaldo não para. Meteu mais dois gols contra o Malmo, pela Champions League, ontem, e chegou a 501 na carreira. E 323 com a camisa do Real Madrid (em 308 jogos), onde chegou há seis aninhos. Igualou Raúl como maior artilheiro da história do clube, o Raúl Madrid, que jogou lá a vida toda ("só" dez anos mais que Cristiano).

501 gols em 753 jogos. São 2 gols a cada 3 jogos na carreira inteira. Jogando contra os melhores, no mais alto nível, nas melhores ligas. É um escândalo.

Sem querer desmerecer ninguém, mas aqui não tem gol contra combinado, casados contra solteiros, time de exército, etc e tal. Esses 500 gols do Cristiano Ronaldo foram todos (ou quase todos) televisionados para o mundo inteiro.

500 gols hoje em dia são mais ou menos equivalentes a 1000 gols em outros tempos. Não digo isso para comparar ninguém. Apenas para ressaltar o tamanho do feito.

"Ah, mas meteu gol no Malmo e no Las Palmas", dirão alguns.

Sim, Romário também meteu gol no Madureira e no Bonsucesso. E Pelé cansou de meter gol no Jabaquara e no São Bento.

Cristiano fez contra o Malmo, o Las Palmas, o Barcelona, o Bayern de Munique, o Arsenal e por aí vai.

Muitos não notaram, mas o futebol mudou nos últimos 20 e poucos anos. Antes, a qualidade estava espalhada por vários centros. Alemanha, Itália, Brasil, Argentina. Desde a criação – ou consolidação – da Champions League, a qualidade passou a estar concentrada. A Europa passou a levar talentos de todos os cantos do planeta, os clubes se enriqueceram e a Champions passou a ser um torneio com qualidade superior à Copa do Mundo – que sempre foi o supra sumo do esporte.

Os Pelés, Maradonas, Cruyffs e Beckenbauers da vida jogaram, sim, contra os melhores. Mas essencialmente em Copas do Mundo, em momentos raros. A era Cristiano/Messi é a da Copa do Mundo anual, com os melhores de todas as posições e de todos os países juntos.

Não estou colocando Cristiano Ronaldo no panteão dos acima citados. É difícil analisar a história antes que ela acabe. Precisamos de tempo para isso. Jogadores que ficaram marcados são aqueles que mudaram a história do esporte, a forma de jogar, além de terem conquistados corações e troféus. Não sabemos ainda o tamanho da influência que Cristiano terá na trajetória do esporte, nem a dele nem a de Messi.

Mas recentemente caí em um bom debate sobre "qual o melhor Ronaldo".

O portuga? O gaúcho? Ou o fenômeno?

Que grande debate, não? Esse me parece bem justo, pois foram jogadores essencialmente da mesma época.

Ronaldo, Ronaldinho e Cristiano. Quem você queria no teu time?

Ronaldo, Ronaldinho e Cristiano. Quem você queria no teu time?

Primeiro, para começar o debate, por favor, vamos deixar as nacionalidades de lado, OK? Sem pachequismo nem vira-latismo.

Ronaldinho Gaúcho, entre 2004 e 2006, foi o melhor jogador do mundo disparado. Mas não só isso. Com seu futebol, alegria, carisma, resgatou um gigante adormecido, que era o Barcelona. A era Ronaldinho acabou com o título europeu de 2006, 14 anos depois da última conquista e após muitos tempos de vacas magríssimas.

Mas não foi só isso. Sua fantasia influenciou um certo Lionel Messi e abriu as portas para que o Barcelona conseguisse colocar em prática o que vimos mais tarde, entre 2009 e 2012. Talvez o maior time da história.

Depois, anos mais tarde, ele mudou de patamar outro gigante adormecido, o Atlético Mineiro. Não é pouca coisa.

Ronaldinho jogou muita bola, mas seu auge foi pequeno. Dos três Ronaldos, não tenho dúvida que foi quem mais despertou paixão. Aquele sentimento infantil, genuíno pelo futebol. É o mais humilde dos três e certamente quem gerou menos rejeição ao longo dos anos. Como não gostar de Ronaldinho?

Talvez tenha deixado demais as rédeas da carreira na mão do irmão, o que evitou picos mais duradouros.

O Ronaldo portuga é quem teve mais anos em altíssimo nível, não dá nem para comparar com os dois brasileiros. Já são quase 10 anos em um patamar de jogo inacreditável. Extremamente profissional, dedicado aos treinos, preocupado com os aspectos físico e tático. Jogar bola para ele não é só prazer, é profissão.

Talvez possamos contestar sua influência nos times por onde passou. Sim, foi campeão europeu com o Manchester United e com o Real Madrid. Protagonista o tempo todo de dois dos cinco maiores clubes do mundo (não só hoje, mas na história). Certamente fez os companheiros ao redor melhores. Mas o quanto ele mudou o jogo?

Tecnicamente falando, considero o Ronaldo portuga o mais completo dos três. Finaliza com perfeição e com os dois pés, como o fenômeno, bate faltas, como o Gaúcho, mas é muito superior fisicamente (velocidade) e no cabeceio. Além do comprometimento defensivo. Uma espécie de LeBron James do futebol, o atleta supremo, perfeito, que faz tudo extremamente bem, mas não mexe tanto com o imaginário popular.

E o fenômeno? O estilo era muito semelhante ao de Cristiano pelas arrancadas, explosão, mudança de ritmo, dribles em velocidade e finalização.

Ronaldo foi o maior que já vi quebrando impedimentos. Era um jogador muito inteligente, que matava as defesas correndo rotas que o deixavam em posição legal e matavam qualquer chance de alguém alcançá-lo.

Tinha mais drible curto que Cristiano, também.

As lesões atrapalharam a carreira. Ele foi um jogador antes das lesões, quando ganhou o apelido, foi o melhor do mundo e tinha esse estilo que se assemelhava muito ao do português. Isso durou três, quatro anos, ali entre 96 e 2000, mais ou menos. A partir de 2003, 2004, foi outro. Neste estágio, não podemos dizer dizer que Ronaldo se sacrificou em nome da profissão em vários momentos. Parece que resolveu viver e jogar com o nome. Jogou com sobrepeso durante praticamente todo o período no Real Madrid, fez uma Copa de 2006 lamentável.

O que teria sido dele, não fossem os dramas físicos? O céu era o limite.

O impacto de Ronaldo foi mais visto com a camisa da seleção brasileira, a história de superação, o penta no Japão. Em clubes, no entanto, não é nem comparável ao impacto que os outros dois Ronaldos tiveram na Europa. Na Champions League, a Copa do Mundo de nossos tempos, seu impacto foi traço.

Em termos de investimento de longo prazo, creio que colocar o dinheiro no Ronaldo português teria sido o melhor negócio. Mas isso não quer dizer que ele é "melhor" que os outros dois foram. Os brasileiros tiveram alguns momentos melancólicos de fim da carreira e foram acusados de falta de comprometimento por alguns. Ainda não sabemos como será o fim de carreira do português.

Compará-los colocando seleções nacionais no meio é um pouco injusto, dado que os brasileiros sempre jogaram por um país mais forte no esporte e rodeados de mais talento. Chegar à final da Euro e uma semifinal de Copa, para Portugal, é um feito e tanto. Os Ronaldos ganharam uma Copa como protagonistas em 2002, perderam outra em 2006. O fenômeno ainda ganhou 94 sem jogar, perdeu 98.

Os três são mundialmente conhecidos, adorados nos quatro cantos do planeta, vestiram camisas de muito peso, extrapolaram o mundo do futebol.

Ronaldo está na história das Copas como nenhum outro homônimo. Ronaldinho, na de um clube gigante como nenhum outro. Cristiano Ronaldo, na da Champions League como nenhum outro.

No fim, acho que o veredicto sempre será dado de acordo com o gosto futebolístico de cada um.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.