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Julio Gomes

O que gostei (ou não) da entrevista de Neymar. E a escolha do novo técnico

Julio Gomes

10/07/2014 20h51

Sete observações sobre a entrevista de Neymar. Sabem como é, número da moda…

1- Vejo muitos criticando presidente e futuro presidente da CBF por não darem as caras. Concordo. Neymar, sim, é corajoso, na visão de alguns. Pode ser. Neymar está sendo usado pelos dirigentes, na visão de outros. Neste caso, me desculpem, mas ninguém "é usado" passivamente. Não há ponto sem nó neste meio. Tomara que seja coragem mesmo e que não esteja apenas fazendo o jogo que tanto ajuda Marins e Del Neros.

2- Neymar falou "verdades" com as quais todos concordamos e que Scolari e Parreira parecem desconhecer. Ótimo.

3- Neymar foi 100% autêntico. Foi? Eu não consigo acreditar. Neymar é um garoto inteligente, aparentemente do bem. Muitos momentos da entrevista são de verdadeira autenticidade e carisma, como o choro ao lembrar da lesão e o abraço mandado para o filho do repórter Sandro Gama, da Band. Mas todas as respostas inicias e, especialmente a final, eram claramente pensadas e ensaiadas previamente. Ter tudo ensaiado não quer dizer que ele não acredite no que está falando! Apenas tira, para mim, um pouco da vontade de elogiá-lo. E me deixa com a pulga atrás da orelha sobre alguns recados que foram dados ali.

4- Gostei quando o garoto deu uma chacoalhada em seu empresário, extremamente deselegante no que disse sobre o técnico da seleção brasileira, um homem que nunca fez nada para que fosse desrespeitado de tal maneira.

5- Gostei quando Neymar contou que estaria torcendo por Messi e Mascherano na final. Mostra que sentimentos humanos e de companheirismo, ufa, ainda falam mais alto do que a necessidade de comprar o discurso bélico do antiargentinismo.

6- "Dos 23 jogadores que estão aí, qualquer um joga em qualquer time grande do mundo". Será mesmo, Neymar? Não seria mais um caso da tão falada (neste espaço) "arrogância nacional"? Vejamos. Do time titular contra a Alemanha, Júlio César, Luiz Gustavo, Bernard, Hulk e Fred, praticamente meio time, não jogam nos clubes top do mundo. Ele mesmo, o Neymar, não é ainda um absoluto no Barcelona. Será que não precisamos baixar a bolinha?

7- "Não gosto de torcer pela TV. Por isso, procuro não assistir jogos". Sobre a frase de Neymar, que me desagrada por completo, vou discorrer um pouco.

Quando eu morava na Europa, escrevia muito para publicações inglesas e europeias. Sempre me encomendavam uma pergunta para eu fazer aos jogadores que ia entrevistar do tipo "que ligas você assiste mais, quais as diferenças desse e daquele futebol", etc. Eu diria que uns 60 a 70% de jogadores brasileiros com quem eu falava não conseguiam responder. Me diziam que viam pouco futebol pela TV, não gostavam tanto de ficar assistindo. Só viam, basicamente, futebol brasileiro na Globo internacional aos domingos.

Para quem joga em grandes ligas europeias, me parece que assistir Campeonato Brasileiro tem muito mais a ver com a emoção do que com a razão, não é mesmo?

Foi com esse tipo de conversa, e agora ouvindo o Neymar, que fui forjando um pensamento que tenho claríssimo em minha cabeça. Até o jogador brasileiro é como o brasileiro: gosta de jogar, não gosta de futebol. Uma coisa é jogar bola. Outra coisa é o esporte. Uma coisa é só ver jogo do próprio time, outra coisa é parar no fim de semana para ver jogos que não são do teu time. Uma coisa é assistir e chorar com a Copa de quatro em quatro anos. Outra é conhecer quase todo mundo que está lá na Copa.

Essa característica, que estou generalizando como pertencente à maioria, tem consequências ruins. É ela que faz, por exemplo, que o resultado final seja o rei de qualquer análise. Não importa o trabalho de um técnico, time, seleção, jogador, o que importa é se ganhou ou perdeu. Como quem não entende do esporte um pouco mais a fundo poderá analisar algo além do resultado, afinal? Saber jogar bem no society de segunda à noite, por sinal, não faz de alguém um grande entendedor do jogo.

E aí chegamos ao debate de quem deve ser o novo treinador da seleção. Ou se fica Felipão, enfim. O debate mal começou e já enveredou por essa linha resultadista. Tem que ser Marcelo Oliveira, campeão brasileiro! Tem que ser o Tite, ganhou tudo! Tem que ser o Cuca, ganhou a Libertadores! Tem que ser o Muricy! Tem que ser esse, tem que ser aquele.

Gente, vou escrever em caixa alta: POUCO IMPORTA QUEM VAI SER O PRÓXIMO TÉCNICO, SE NÃO MUDARMOS O ESSENCIAL.

A seleção brasileira SEMPRE será boa e competitiva. Tem matéria prima, tem jogadores nas grandes ligas, tem tradição, tem profissionais bons das áreas periféricas do futebol. Pode me botar ali de técnico ou você que está lendo ou qualquer um: sempre convocaremos e escalaremos um time mais ou menos parecido com o que de qualquer técnico. Qualquer treinador brasileiro que estiver no comando, seja com os métodos de trabalho que forem, vai montar uma seleção competitiva e brigar em qualquer campeonato que dispute.

Mas será que é isso então? O que importa é só ganhar? O que importa é escolher o técnico que te leve ao título? A isso nos resumimos? Será que os 7 a 1 não são suficientes para vermos que é mais que isso? Será que o "futebol brasileiro", tão adorado e amado no mundo inteiro, ter se divorciado de sua história, pouco a pouco, nos últimos 30 anos não significa nada?

O buraco é muito mais embaixo. Pouco importa o técnico. O que importa é a estrutura! Uma identidade, uma escola, coerência na base da seleção e dos clubes. É uma diretoria técnica que defina os rumos que o futebol brasileiro tem que seguir. E que aplique de forma coesa, corajosa e constante, não só na seleção brasileira, mas em comum a todos os clubes de futebol do país. A mentalidade tem que ser de longo prazo.

Eu não quero Guardiola ou Mourinho ou quem seja para ser técnico do Brasil e ganhar a Copa do Mundo. Eu quero Guardiola ou Mourinho ou quem seja para mudar a cara do futebol brasileiro. Inteira. Para definir um rumo, ganhando ou perdendo. Pode ser Mano, Tite, Muricy, Fernando Diniz, Marquinhos Santos, Gilson Kleina, Luxemburgo, Scolari, Guto Ferreira. Tanto faz. O que precisa é definição técnica e de estilo de alguém que esteja acima do técnico. E com tempo, anos de trabalho. Muitos anos de trabalho.

Que esses caras consigam fazer os próximos Neymares gostarem de futebol, não só de jogar bola.

Mas o brasileiro não é assim!, dirão alguns. Somos do curto prazo! A imprensa e a torcida cobrarão resultados!!

Claro que vão. E daí? Tudo é uma questão de que seja explicado o projeto e que haja um projeto interessante, que responda às necessidades e evoluções do futebol moderno e que, por que não, reflita de alguma forma o modo como nós gostamos de ver, jogar, encarar e curtir o futebol. Hoje, vivemos uma situação perene de "ganhou, está bom", "perdeu, está ruim". Precisamos ganhar com mais identidade. Ou perder sabendo como será o dia de amanhã. Nosso DNA precisa ser reencontrado em um trabalho de anos, não em um time para ganhar uma Copa.

A partir daí, a imprensa monitora. E o torcedor torce.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.