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Julio Gomes

Cinco visões estrangeiras: Futebol e brasileiros são os destaques da Copa

Julio Gomes

03/07/2014 13h16

A Copa do Mundo vai chegando ao fim. Faltam apenas dez dias, oito jogos, e já começa a bater a depressão. Como venho dizendo há tempos, é uma pena que muitos não tenham se dado conta de como este é um evento bacana, especialmente por trazer ao nosso quintal povos dos quatro cantos do mundo. Com suas roupas, seus cânticos, manias. É convivendo que se aprende.

Ao longo destas semanas de Copa do Mundo, passei por Teresópolis, Goiânia, São Paulo, Praia do Forte, Salvador, Porto Alegre, Belo Horizonte e Fortaleza. Ainda faltam Brasília e Rio de Janeiro até o final do torneio. Entrevistei e conversei com muita gente de muitos lugares.

Entre os torcedores, os relatos foram unânimes em destacar a cordialidade do brasileiro, sempre disposto a ajudar, em contraste com a latente dificuldade com idiomas.

Entre jornalistas, que têm menos a preocupação com a festa nas ruas e mais com as condições de trabalho, as opiniões tenderam para o mesmo lado.

Não fiz uma mega pesquisa, não haveria condições para tal. Então decidi pegar os depoimentos de cinco grandes amigos, cinco jornalistas de nacionalidades diferentes, respeitados, com história na profissão, Copas e Eurocopas no curriculum e que ficaram em diferentes partes do Brasil. Falei com gente com quem conheço dos anos vividos na Europa e em quem confio.

Veremos que há elogios e críticas. Diferentes visões das diferentes cidades e apenas duas coisas em comum no discurso de todos: uma Copa de incrível qualidade de futebol e marcada pela hospitalidade dos brasileiros e brasileiras.

Estes são os relatos:

Bassel Tabbal
Libanês, 35 anos, foi correspondente da TV Al Jazeera na Espanha, hoje vive em Doha, Catar.

"Esta foi minha segunda Copa do Mundo, depois de cobrir a da África do Sul. Já havia tido a sorte de vir para a Copa das Confederações no ano passado, o que facilita as coisas, ainda que sejam torneios de dimensões muito diferentes. No ano passado, as manifestações atrapalharam muito a locomoção.

Talvez pelo medo delas neste ano, nos encontramos com perímetros de segurança muito distantes dos estádios, o que gerou longuíssimas caminhadas. Passei por muitas cidades e foi mais fácil trabalhar nas menores, como Manaus e Curitiba, do que em São Paulo, por exemplo. Na maior parte do tempo, estive entre São Paulo e Campinas, para cobrir a seleção de Portugal.

A estrada era boa. Sofri com as telecomunicações, no entanto. É confuso haver códigos para cada estado, custoso para entender e tive problemas para fazer envios do material produzido pela baixa velocidade das redes. Outro problema foram os preços, o país pareceu bastante caro, mesmo comparado com o que se gasta na Europa.

Os brasileiros, em geral, tentam ajudar muito e solucionar todos os problemas que enfrentamos. A segurança pareceu bem controlada, não me senti em perigo em nenhum momento, apesar dos tantos avisos recebidos antes de chegar ao Mundial. Se sente o ambiente da Copa sobretudo quando joga o Brasil, enquanto na África do Sul se vivia o Mundial nas ruas todos os dias."

Duncan Castles
Escocês, 43 anos, vive hoje na África do Sul. Trabalha para o Sunday Times (Inglaterra) e outras publicações online e impressas da Europa, EUA e Oriente Médio.

"De longe, essa é a melhor das quatro Copas que cobri em termos de qualidade de jogo. As partidas têm sido disputadas em altíssimo ritmo e estão mais abertas do que o esperado. A atmosfera nos estádios tem sido fantástica, com os torcedores brasileiros, neutros, inteligentemente apreciando e torcendo pelos times que jogam melhor (por exemplo, na partida em que acompanhei entre Gana e Alemanha, em Fortaleza). Passei todo o tempo entre Salvador e Fortaleza, acompanhando os jogos destas duas sedes.

A organização em geral não foi boa. Foi a pior das Copas em que estive neste sentido. Os projetos de infraestrutura, que deveriam oferecer benefícios de longo prazo para a nação (como aconteceu na África do Sul), não foram completados. Existiu uma dificuldade brutal para chegar aos estádios usando os ônibus de mídia. Cheguei a perder parte de um jogo devido a um atraso de duas horas em um dos traslados, seguido pelo fato de uma pessoa responsável pelos ingressos de mídia argumentar que, por problemas nos computadores, eu não estava na lista de nomes aprovados – eu achei meu nome na lista, manualmente, após somente 40 segundos.

Esta será uma Copa lembrada pelo futebol e pelo grande coração dos brasileiros."

Filippo Ricci
Italiano, 47 anos, vive em Madri como correspondente do jornal Gazzetta dello Sport. Já cobriu seis Copas das Nações Africanas, além de Copa e Eurocopa.

"Estive por três semanas em Curitiba e encontrei uma cidade bem organizada, tranquila e segura, na qual é fácil se locomover. Pessoas muito acolhedoras, mas pouca atmosfera de Copa e um estádio com grande ambiente, mas inacabado. As condições montadas para a imprensa que cobriu a Espanha no CT do Caju, do Atlético Paranaense, eram maravilhosas e nos permitiam trabalhar bem. Tudo funcionou bem.

Em Salvador, as coisas foram diferentes. Uma hora e meia para andar até o estádio, mais ambiente, mas também mais perigo. A dificuldade para se locomover na cidade era muito maior, assim como a sensação de insegurança.

Me pareceu ridículo o enorme perímetro de segurança em volta do estádio. Atrapalha a população local, cria dificuldades para quem trabalha e não serve para nada."

Javier Cáceres
Chileno, 44 anos, vive em Bruxelas e trabalha para o jornal alemão Süddeutsche Zeitung.

"A minha quinta cobertura de Copa me permitiu o encontro com o Brasil, um país que me fascina desde sempre e que, nos últimos anos, despertou na Europa um interesse enorme. Foi um privilégio enorme estar aqui.

Fiquei praticamente o tempo todo em Belo Horizonte, uma cidade acolhedora e com uma gastronomia de alta qualidade. À medida em que a Copa avançou, vi como a alegria tomava conta das ruas e percebi algo como um entusiasmo puro pelo torneio quando saí da cidade e fui à vizinha localidade de Sete Lagoas, onde não havia jogos.

Um mês não é suficiente para o conhecimento profundo de uma sociedade. Mas, sim, creio ter compreendido alguns dos motivos que geraram as manifestações contrárias à Copa e que tanto dominaram as manchetes da imprensa europeia. Os motivos que originaram os protestos me parecem ainda mais justos. Falta espaço para caminhar nas cidades, sobram cimento e arames nos muros das casas.

A Copa nos fez desfrutar muito pelo futebol fantástico e foi fascinante pisar em um templo como o Mineirão. No meu modo de ver, a única coisa que tirou brilho da Copa foi a presença militar nas ruas, que me fez recordar das imagens dos dias mais obscuros da história da América Latina. Os preços de hotéis foram abusivos e os estádios, de forma exagerada, viraram verdadeiros fortes – nem toda a responsabilidade por isso é da organização local, já que a Fifa desempenha um papel importante nesse sentido.

Em qualquer caso, mesmo antes de ir embora, já penso em voltar – e logo."

Sid Lowe
Inglês, vive há muitos anos na Espanha. Jornalista do Guardian (Inglaterra).

"Apesar de toda a conversa sobre caos e pesadelos logísticos, minha experiência no Brasil mostra que todo o medo não tinha fundamento. As conexões foram rápidas, os voos não atrasaram, os aeroportos funcionam melhor e são menos burocráticos do que os aeroportos ingleses. Confiáveis e eficientes. Neste sentido, não há do que reclamar.

Passei a maior parte do tempo em Curitiba e, ainda que tenha sido menos emocionante do que estar em outras cidades, foi um lugar confortável para se trabalhar.

Salvador pareceu uma cidade mais perigosa, mas também mais divertida. Uma cidade viva e com atmosfera incrível, mais parecida com a imagem que eu tinha do Brasil. Uma combinação latino-africana que me agradou. Passei rapidamente por Copacabana e me pareceu um grande ponto de encontro para os fãs. Uma pena que eu mal tenha conseguido ver o Rio de Janeiro, que era o epicentro da Copa.

A atmosfera nos estádios foi espetacular e as pessoas maravilhosas, mágicas."

*****

O autor deste blog esteve nos Mundiais de 2002, 2006 e 2010. As comparações são complicadas. O mundo muda, nós mudamos, nossas tarefas e necessidades mudam. A nossa foi uma Copa boa com alguns probleminhas (sem problemões, como muitos esperavam ou torciam).

Como eu esperava, a Copa do Brasil me lembrou demais da Copa da África, com duas grandes vantagens e duas desvantagens. As vantagens foram o ambiente dentro do estádio, com uma incrível atmosfera futebolística (gracias, vecinos), e as condições climáticas em si, muito mais quente e agradável do que o frio sul-africano.

É verdade que alguns jogos foram disputados em horários ruins (13h) em cidades quentes. Mas, para o que poderia ter acontecido na Copa, a verdade é que o inverno ajudou.

A primeira desvantagem foi o fato de ser este um país em que pouquíssima gente fala algo mais do que o português – neste ponto, a África levou vantagem por ser um país que tem o inglês como idioma oficial. Ajudei diversos turistas e colegas de profissão a conseguirem fazer coisas muito básicas: desde saber a disponibilidade em um hotel até pegar um táxi para um restaurante específico.

O Brasil é cheio de pessoas amigáveis, mas não tem estrutura amigável para o turismo. A segunda desvantagem tem a ver com isso: preços abusivos, especialmente para hospedagem. O que fez com que muita gente de fora não viesse e fará com que muitas não venham no futuro – faltou visão em muitos casos. As reclamações se sucederam neste sentido.

Em relação a Coreia, Japão e Alemanha, houve uma diferença brutal em termos de mobilidade. Chegar aos estádios daqueles países era fácil, rápido e barato. Na Copa, vimos o que já estamos carecas de saber: os sistemas de transporte de nossas capitais são lamentáveis.

Os estádio ficaram lindos, ainda que, alguns, claramente inacabados. Prontos suficientes para a prática do futebol, que é o que essencialmente importava. Mas houve problemas sérios de falta de comida, o que é resultado de falta de testes. Os preços foram altíssimos e pouco condizentes com a baixa qualidade dos produtos. Mas, cá entre nós, estádio de futebol é pra ver jogo, não pra comer.

De uma forma geral, acredito, o país terá o importante (e intangível) legado humano. O legado físico, como sabemos, não foi entregue na totalidade. Mas ainda pode ser, por que não? Basta que se faça o resto das coisas prometidas e inacabadas.

Em termos de futebol, talvez os olhos de muitos se abram para o jogo lamentável que temos visto, ano após ano, sendo jogado por nossos clubes em nossos gramados. Mesmo os piores e menos atraentes jogos da Copa do Mundo foram disputados com qualidade e velocidade infinitamente superiores ao que estamos acostumados. Que sirva de exemplo e inspiração.

Não são só os cidadãos que precisavam deste intercâmbio com gente de fora. Nossa turma aqui do futebol também precisa – e muito – aprender com os "turistas da bola".

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.