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Julio Gomes

Justiça com Cristiano e Pelé, injustiça com Romário

Julio Gomes

13/01/2014 18h48

Os brasileiros não podem reclamar da gala da Bola de Ouro, em Zurique. Foi uma festa bastante brasileira, no ano em que receberemos a Copa do Mundo. Apresentadora, músicas, homenagens e o idioma mais falado de todos, acho eu, ao longo da cerimônia.

A Fifa e a France Football fizeram justiça a Pelé. O homem que mudou o esporte. E essa, muito mais do que títulos e feitos, é a marca mais significativa dos homens e mulheres que são ou foram os maiores de uma modalidade. Se o futebol é jogado e encarado de outra forma por tua causa… isso sim que é fazer a diferença. O futebol tem um pré-Pelé, pós-Pelé. Nada mais justo do que o prêmio e a homenagem. Bonitas, também, as lágrimas do Rei.

A injustiça recai sobre Romário. No clipe em que foram mostradas cenas dos cinco títulos brasileiros, Romário foi simplesmente suprimido da Copa de 1994. Parece, pelo clipe, que Bebeto levou a seleção nas costas na campanha do tetra. Essa é uma pequenez difícil de explicar em uma entidade como a Fifa. É óbvio que não há coincidência alguma aqui.

Romário tem sido uma voz forte contra a Fifa, os mandos, desmandos e gastos exorbitantes com estádios na Copa-2014. A vingança vem rasteira: que não apareça no clipe de Brasil campeão em 94. Patético. Ninguém, além de Maradona-86, foi tão dramaticamente responsável pelo título de uma seleção como Romário, nos Estados Unidos. Ninguém ganha nada sozinho. Mas, sem Romário, não haveria tetra.

A festa teve dois recados bacanas de brasileiros para brasileiros com o mundo como testemunha. Amarildo fugiu do script e desembestou a falar tudo o que queria falar. Deu um tapa na cara, para o planeta inteiro ouvir, dos animais que fazem nossas arquibancadas se transformarem em praças de guerra. Ainda bem que foi Amarildo! Se tivesse sido um gringo, estaríamos todos melindrados e bravinhos com as críticas. Temos essa característica: só nós podemos falar mal de nós mesmos. Os outros, nunca!

O segundo recado veio de Cafu. Não se ganha nada com individualidades e nem jogando sozinho. Só se ganha como um time. Parece que esse conceito de futebol coletivo está cada vez mais esquecido por essas bandas.

Entre justiças, injustiças, recados e a Fernanda Lima, não podemos deixar de elogiar a maior de todas as justiças: a Bola de Ouro para Cristiano Ronaldo.

Um caso raro, muito raro, de jogador condecorado apesar de não ter sido campeão de nada coletivamente.

É que Cristiano jogou demais. Demais. Totalmente fora dos padrões. Ele é um absoluto portento em campo, o Lebron James do futebol atual. Força física impressionante, não se machuca, joga com a bola, sem a bola, muita velocidade, qualidade para finalizar de cabeça e com os dois pés, enorme impulsão, letal nas bolas paradas…

Não falta nada no futebol de Cristiano Ronaldo. Nada. Nem mesmo o senso coletivo, que muitos equivocadamente dizem não estar presente em seu jogo. Ele marca quando precisa marcar, faz assistências, corre em diagonal para abrir espaços. Nunca foi chamado de desobediente por treinador algum.

Confunde-se a excessiva vontade de ganhar com individualismo. São coisas bastante diferentes. Aliás, a quantidade de bobagens que se fala sobre Cristiano, por pessoas que nunca estiveram nem a 10 metros de distância dele, é de se espantar. É um jogador que dá seus pitis, preocupado com a imagem, tudo isso é verdade. Daí a não ter humildade, não ser muito bem educado, correto, companheiro de equipe. Nossa, um abismo separa essa imagem construída do verdadeiro Cristiano Ronaldo.

Talvez as lágrimas no palco façam as pessoas terem um olhar mais humano em relação a Cristiano.

Nos meus anos de jornalismo na Europa, tive algumas oportunidades de bater com ele. Não me canso de dar meu testemunho. Sempre muito correto, simples, olhos nos olhos, humilde. Sim, humilde.

Um dia desses encontrei uma entrevista que fiz com Cristiano Ronaldo em 2008, no Old Trafford, em 29 de abril daquele ano. O United havia acabado de eliminar o Barcelona, de Rijkaard, Ronaldinho, Deco e Messi. Depois, seria campeão da Champions. No final daquele ano, ele ganharia sua primeira Bola de Ouro. Era o melhor do mundo.

No jogo de ida, em Barcelona, eu havia cruzado com Cristiano Ronaldo em um corredor do Camp Nou. Ele havia perdido um pênalti naquele jogo, poderia ter todas as razões do mundo para estar P da vida. Me apresentei, disse que o público brasileiro estava muito curioso em escutá-lo, conhecê-lo, e gostaria que ele parasse por 5 minutos para me dar uma entrevista em português.

"Você vai para o jogo de Manchester?", me perguntou. Eu disse que sim – na verdade eu não ia, mas aquele momento determinou a viagem. "Então nos falamos lá após o jogo". "OK, tchau, obrigado".

O United ganhou o jogo de volta e eu fiquei no finalzinho da zona mista à espera de Cristiano. Se bem me lembro, ele não parou para dar entrevistas naquele dia, havia já falado para as TVs nas áreas exclusivas dos que tinham direitos de transmissão. Mas me viu e soltou um "olha lá, o brasileiro!". Estava contente, é lógico. Minha primeira pergunta deve-se ao fato de já haver, na época, a discussão sobre quem era o melhor do mundo, Cristiano ou Messi.

Com a classificação do Manchester, era lógico que Cristiano ganharia a Bola de Ouro de 2008, como ganhou. Naquele ano, para mim, não havia dúvidas sobre quem era melhor. Assim como não há hoje.

Aqui está o vídeo, no You Tube.

Eu tive outras ocasiões com Cristiano Ronaldo na final de Moscou, na Eurocopa-2008 e na Copa do Mundo da África, em 2010. Ele foi sempre o mesmo cara comigo. Correto, simpático, profissional. Uma das grandes penas foi ter voltado para o Brasil seis meses antes dele chegar a Madri. Gostaria de ter acompanhado mais seu dia-a-dia.

Eu entendo a maioria dos adjetivos que colam em Cristiano Ronaldo. O que eu não entendo é tanta veemência por parte de pessoas que nunca encontraram esse cara na vida. Que nunca falaram com ele, que nunca falaram nem com gente que já cruzou com ele. No mundo atual, está fácil fácil destruir e construir imagens. As palavras se espalham e viram dogmas. E isso me incomoda demais.

Foram poucos os técnicos que treinaram Cristiano Ronaldo. Eu nunca vi uma palavra sequer, de qualquer um deles, criticando o portuga de alguma maneira. Já conversei muito com Luiz Felipe Scolari sobre Cristiano, e tudo o que eu ouvi foram elogios. Muitos elogios ao profissionalismo, comprometimento e humildade.

Se alguém quiser me perguntar o que eu acho de Cristiano Ronaldo, são três as palavras que me vêm à cabeça. Craque, humilde, bacana.

A Bola de Ouro está em boas mãos.

 

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.