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Julio Gomes

Bayern, o melhor do mundo. E já sabíamos desde maio...

Julio Gomes

22/12/2013 06h00

Esses dias estive jogando Fifa no Playstation com meus sobrinhos adolescentes. Eu era muito do video game quando tinha a idade deles, mas estou afastado dos controles há alguns anos. Ainda tenho um certo jeito para a coisa, mas estou obviamente atrás da molecada. Fiz uns joguinhos equilibrados, até. Perdi todos. E aí, ao vê-los jogar entre eles, percebi que havia sido claramente tratado como café com leite. Não é exatamente que eles estivessem dando o máximo quando jogavam contra mim…

Se eu tivesse vencido alguma, esses moleques iam ouvir todas e mais algumas! Mas, no fundo, no fundo, eu sei que ganhar uma partida deles não teria significado absolutamente nada. Eu tenho de ligar me Xbox por aqui, jogar bastante Fifa, dar umas lidas sobre comandos, estudar, enfim, para poder ganhar deles "para valer". Hoje, se esses moleques levarem a sério, prestarem atenção nas minhas fraquezas, não tem jogo. Eu perderia de goleada, seria dominado. Mas, jogando "de boa", até que levaram um calorzinho meu, que estava dando prioridade total ao jogo.

Acho que vocês já entenderam o paralelo que quero fazer.

A felicidade de Rafinha, brasileiro, foi emblemática ao final da vitória do Bayern sobre o Raja Casablanca. Rafinha comemorou como… um título do mundo. Os outros jogadores do Bayern estavam contentes. Nada mais. O contraste foi claro.

Não é a alegria ou a tristeza dos europeus que definem a importância do Campeonato Mundial de Clubes. Mas ignorar este fator nos impede de fazer algo extremamente importante: colocar o torneio dentro de um contexto.

E tudo na vida tem de ser colocado dentro de um contexto. Somente contextualizando entendemos o verdadeiro significado das coisas.

Os clubes e torcedores europeus encaram o Mundial como uma Supercopa. Não é que "não ligam". Não é por aí. O europeu não "caga" para o Mundial de Clubes. Mas também não prioriza, não pauta a temporada em função disso. Não ganha a Champions para disputar o Mundial. Apenas disputa o Mundial como uma consequência de ter feito o máximo na temporada anterior.

O futebol brasileiro já teve clubes tão bons ou melhores que os europeus, não tenho dúvidas disso. Santos, Flamengo, São Paulo, enfim. Mas um abismo começou a ser formado nos anos 90. Sem me aprofundar muito, mas os três fatores grandes foram: o livre mercado europeu, a Lei Bosman e, claro, a eterna má gestão do futebol e dos clubes sul-americanos.

Clubes europeus não são mais ricos do que os nossos por obra divina. Simplesmente trabalham melhor. Então não adianta "culpar" os orçamentos maiores, como se nós (brasileiros) e eles (europeus) não tivessem nada a ver com tal abismo.

De 15 anos para cá, os clubes europeus grandes passaram a formar verdadeiras seleções mundiais, passarem a ser superiores aos selecionados de seus países, coisa que nunca havia acontecido na história. E passaram, logicamente, a ser muitíssimo melhores do que os clubes sul-americanos.

A Uefa Champions League é a Copa do Mundo dos clubes, é o torneio que reúne todos os melhores jogadores de futebol do mundo, sul-americanos, asiáticos e africanos incluídos. Todos os que vivem o futebol sabem, não há margem para discussão aqui, que o título de melhor time do mundo é disputado na Champions League, não na Libertadores, na MLS, no Brasileirão ou no Mundial da Fifa. Assim como o campeão da NBA é o "campeão mundial" de basquete, o campeão da World Series é o "campeão mundial" do beisebol e por aí vai.

Afinal, o que é mais desafiador e difícil? Ganhar do Barcelona e do Borussia Dortmund ou ganhar do Guangzhou, do Raja e do Atlético Mineiro?

Não adianta vocês matarem o mensageiro. Estou apenas relatando a mentalidade que eu conheci após cinco anos vivendo, viajando e trabalhando por toda a Europa. O respeito gigantesco que eles têm por nosso futebol deve-se aos feitos da seleção brasileira e ao talento individual de jogadores. Não pelo que fizeram ou fazem nosso clubes.

Nunca a derrota para o Corinthians irá ser considerada, pelo torcedor do Chelsea, algo que passe perto de manchar o título da Champions. É como uma Supercopa. Ninguém entra em campo para perder, mas tampouco entra para jogar o jogo da vida.

Façamos um paralelo com nossos campeonatos estaduais.

Hoje em dia, para os grandes do futebol brasileiro, ganhar um Estadual está quase virando motivo de piada, mais do que orgulho. Isso era assim 20 anos atrás? Não, não era. O que mudou? Essencialmente, duas coisas. Os clubes grandes não se preparam mais para os Estaduais, não colocam como prioridade número um. Como consequência, o torcedor passa a prestigiar menos, considerar as competições menores. Para os pequenos, ainda é o campeonato da vida. Para os grandes, não é mais.

Ninguém entra no Estadual para perder. Mas não se prepara da melhor maneira possível para ganhar. Se ganhar, ótimo. Se perder, sem problemas, segue o jogo, há coisas mais importantes. Por que aprendemos a contextualizar o Estadual dessa maneira, mas não aceitamos que os grandes clubes europeus (e seus torcedores) façam e sintam exatamente a mesma coisa em relação ao Mundial da Fifa?

É lícito que o torcedor de futebol do Brasil sinta-se feliz da vida com a possibilidade ou a conquista de um campeonato do mundo. Isso faz parte da nossa sociedade, da nossa essência. Queremos sempre ser "os melhores e maiores do mundo". Se o Brasil fosse décimo colocado em tudo (diversos esportes, índices de desenvolvimento humano, educação, etc etc etc), eu estaria feliz da vida. Mas não. Preferimos ser um lixo em tudo, desde que possamos falar de boca cheia que somos os melhores nisso e naquilo.

Este é o contexto que nos faz valorizar tanto assim um torneio, mesmo que o adversário neste mesmo torneio não dê o mesmo valor.

Não há problema, se ficarmos na alegria e na gozação. O problema, para mim, é considerar que tais jogos tenham qualquer significado na comparação entre times europeus e times sul-americanos. O problema é mascarar erros. O problema é nos enganarmos. O problema é tapar o Sol com a peneira. O problema é torcedor e jornalista acharem mesmo que o Corinthians era o melhor do mundo em 2012. Ou acharem que o Bayern só pode ser considerado melhor do mundo agora, que foi campeão no Marrocos. Quando na verdade o é desde que goleou o ex-melhor do mundo, Barcelona, nas semifinais da Champions League.

No atual cenário do futebol mundial, que o brasileiro se considere "o melhor" por ganhar o Mundial da Fifa é o mesmo que eu me achar o melhor jogador de video game da família quando ganhar uminha de um dos meus sobrinhos.

O verdadeiro campeonato mundial tem nome: chama-se Uefa Champions League. É onde estão, inclusive, os 50 ou 100 melhores jogadores do Brasil. Estamos muito longe, mas podemos chegar lá. Podemos alçar os nossos clubes, o Brasileiro, a Libertadores. Podemos passar a estudar futebol, trazer metodologias, tratá-lo com visão menos individualista. Podemos fomentar o mercado interno do futebol, em vez de nos saciar com vitórias isoladas em Mundiais. Sim, podemos. Mas ainda estamos muito, muito, muito longe. E o primeiro passo é esse. Admitir que ficamos bastante para trás.

PS – Não me venham como "somos penta" para a discussão. A seleção brasileira nada tem a ver com o futebol brasileiro

 

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.