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Julio Gomes

Espanha: risco real de naufrágio. Argentina "ganha" o sorteio

Julio Gomes

06/12/2013 21h33

Não vieram muitos jornalistas espanhóis ao sorteio da Copa, talvez sinal da crise. Os poucos que vieram tinham um sorriso amarelo na zona mista. O discurso da confiança extrema, presente nos útimos quatro, cinco anos, se mantém vivo. É que as expressões não combinavam com o discurso.

Há algo estranho no ar com esta Espanha, e o sorteio desta sexta-feira criou as condições para algo que ninguém espera. Não é absurdo pensar que a campeã do mundo possa ser eliminada logo na primeira fase.

Vicente del Bosque tem alguns problemas a resolver. No gol, tem insistido com Casillas. Mas o capitão chegaria à Copa após praticamente dois anos sem jogar, sem ter sequência. Na lateral direita, Arbeloa, aquele mesmo que foi engolido por Neymar no Maracanã, não tem substituto fácil de ser encontrado. Xavi sente o peso da idade nas pernas, e Xavi é o verdadeiro termômetro da seleção espanhola. No ataque, impasse. Joga com 9? Sem 9? Quem seria esse 9?

São problemas maiores do que os vistos antes da Euro-2012. Havia gente, entre eles Luiz Felipe Scolari, que já via um fim de ciclo antes daquela competição. E a Espanha respondeu com mais um título.

Os últimos anos fazem ficar difícil duvidar da Espanha. Eles têm um padrão de jogo sólido, ainda que já bem compreendido e estudado pelos rivais, e têm uma mentalidade vencedora inédita na história do país. E mentalidades vencedoras arrancam resultados mesmo quando a superioridade técnica/tática não é evidente. Mas, desta vez, realmente o cheiro de fim de ciclo é forte.

E o grupo B não ajuda. A Espanha estreia contra a Holanda, uma seleção invicta há muito tempo, renovada, com um jogo ofensivo, vertical, resgatando as raízes holandesas. Imaginemos um cenário em que Holanda vença a Espanha e Chile vença a Austrália. O segundo jogo, Espanha x Chile, viraria uma final. Seria obrigação de vitória. Contra um adversário sobre quem Vicente del Bosque disse o seguinte: "Se eu pudesse escolher, não queria jogar com o Chile. Nos conhecem muito bem, já nos enfrentaram, têm uma escola que segue desde Bielsa até agora, com Sampaoli. Jogadores de muita técnica, um futebol bem definido, de pressão, posse de bola, velocidade. Não queria enfrentá-los".

Se a Espanha perde da Holanda e empata com o Chile, ficaria virtualmente eliminada. Claro, o outro lado é que, se ganhar de um deles ou empatar as duas, teria a decisão facilitada contra a Austrália, na última rodada.

Não estou aqui dizendo que a Espanha será eliminada. Estou dizendo que a Espanha corre um risco muito maior do que parece. E, se passar na segunda posição, o que é perfeitamente capaz que aconteça, enfrentaria o Brasil. De quem tomou um banho na final da Copa das Confederações.

Por mais difícil que seja arriscar um palpite contra a Espanha, tem pinta de que a maior seleção dos últimos seis anos não estará nas quartas de final da Copa de 2014.

O outro lado da moeda é a Argentina.

Deu simplesmente tudo certo para a Argentina, foi a grande "campeã" do sorteio.

1) Grupo fácil. Contra Irã, Nigéria e Bósnia, dificilmente perderá algum ponto. Bons jogos para ganhar ritmo e confiança;

2) Na primeira fase, joga em Belo Horizonte, que será sua base de treinamentos, e joga em Porto Alegre, onde haverá uma sensacional invasão dos "vecinos". Nas oitavas, jogaria em São Paulo. As quartas seriam em Brasília, a semi em São Paulo novamente. Deslocamentos tranquilos, logística fácil, sem passar pelo inferno de calor e umidade que outros encontrarão no Norte/Nordeste do país.

3) Cruzamento de oitavas relativamente tranquilo. Pega o segundo do grupo que tem França e Suíça, ambas seleções inferiores. Nenhuma seria "baba", mas há outras 8 ou 9 seleções que seriam rivais piores nas oitavas;

4) Como está no grupo F, estreia na Copa no dia 15, com alguns dias a mais de preparação do que outros. Menos recuperação ao longo da Copa, é verdade, mas os treinadores preferem estrear depois, pois têm mais tempo de equalizar os convocados fisicamente após a chegada dos jogadores do fim de temporada europeia.

Não há nada, absolutamente nada, que poderia ter sido mais benéfico para a Argentina no sorteio. É o contrário da Espanha. É fácil duvidar da Argentina. Sempre chega com o rótulo de favorita e acaba decepcionando. Mas, desta vez, tem mesmo cheiro de final.

Espanha e Argentina serão as mesmas dos últimos anos? Ou Espanha e Argentina tiveram hoje o primeiro passo de uma nova realidade? Saberemos em alguns meses…

 

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.