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Julio Gomes

Exclusivo: Marc Wilmots e seus quatro medos

Julio Gomes

05/12/2013 11h29

Taça de champanhe em mãos, olhos atentos à TV para Manchester United e Everton, pelo Campeonato Inglês. Marc Wilmots não perde nada. Ainda mais quando, em campo, está um bom número de jogadores da seleção mais quente da Europa: a Bélgica.

Wilmots atendeu à reportagem do UOL Esporte com apenas uma condição: que a entrevista fosse em francês. "Meu inglês é ruim demais", disse, com um sorriso. O autor deste blog fala um francês sem vergonha. Não é o caso do companheiro de longa data, Fernando Duarte, que logo deu o sinal de que o idioma não seria problema. "Bon jour, monsieur Wilmots".

O treinador belga tem medo. Tem medos. Teme a arbitragem, e tem razões históricas para isso. Teme a umidade, muito mais do que o calor. Teme a inexperiência de seu time, que nunca jogou uma Copa. E teme, quem diria, o Chile.

No mês passado, já classificada para a Copa e como cabeça de chave, a Bélgica levou um 2 a 0 da Colômbia em partida amistosa. O Chile, para Wilmots, tem uma seleção tão boa quanto a colombiana e com a mesma vantagem geográfica. "A umidade por aqui é terrível, pior que o calor. Todos os europeus terão a umidade como inimiga, não é o caso dos sul-americanos. Será dificílimo para os Europeus, temos que fazer a melhor preparação possível."

Chile e Equador, que estarão no pote 2 do sorteio de sexta-feira, não poderão cair no grupo de Brasil, Argentina, Uruguai ou Colômbia, que são cabeças de chave e do mesmo continente. Necessariamente, estarão emparelhados ou com Bélgica ou Suíça ou Alemanha ou Espanha, os quatro europeus do pote 1. "O nível está muito parelho no futebol de hoje e as equipes que chegam às oitavas-de-final têm condições de passar. A experiência pode fazer a diferença e isso é o que temo um pouco em relação a meus jogadores", admitiu o treinador.

Por fim, o medo da arbitragem. Nas oitavas de final de 2002, Wilmots fez, de cabeça, o que seria o 1 a 0 da Bélgica sobre o Brasil de Felipão, na cidade de Kobe, Japão. O gol foi anulado. Seleções grandes, assim como times grandes, costumam ter a boa vontade dos árbitros.

Leia a entrevista inteira com Marc Wilmots:

Julio Gomes e Fernando Duarte – O que podemos esperar da Bélgica? É uma das seleções mais falados do momento…

Marc Wilmots – Fizemos uma boa campanha de classificação num grupo difícil, nosso grupo é jovem, com uma média de idade de 23 e 24 anos, sem experiência internacional. Mas estamos evoluindo e termino 2013 feliz, mas nossa Copa do Mundo dependerá muito do sorteio. O Mundial depende muito de momento e de forma. Em 2002, enfrentamos o Brasil e, na minha humilde opinião, jogamos muito melhor e até fizemos o primeiro gol, mas o árbitro decidiu anular. Pronto, nosso Mundial acabou ali. Mas é a vida. Temos o objetivo de chegar pelo menos às oitavas-de-final, o que vier depois será lucro.
JG e FD – Você acha que as arbitragens podem influenciar demais? O Brasil, afinal, joga em casa.
 
MW – Amo o futebol e o fair play, então espero que não seja o caso de as arbitragens serem influenciadas pelo fator caseiro.  Mas árbitros podem interpretar decisões como quiserem. Em 2002, a Itália foi roubada, a Espanha também (contra a co-anfitriã Coreia do Sul). A Bélgica também foi prejudicada. O mais importante é que tenhamos os melhores árbitros do mundo no torneio, mas não os de países pequenos que não participam dos torneios. Se temos os melhores times do mundo na Copa, precisamos que os árbitros sejam também do mesmo nível. Mas não sou eu que decido.
JG e FD – Aquela derrota para o Brasil, aquele gol anulado, foi o momento mais triste de sua carreira como jogador?
 
MW – Futebol é assim, acabou, trabalhamos muito para chegar lá e uma decisão nos arrebentou. Mas aceitamos, é coisa do esporte. Se tivéssemos feito aquele gol, aos 37 minutos do primeiro tempo, quem garante que teríamos vencido o Brasil? Vida que segue.
JG e FD – Voltando à Copa do ano que vem. Estamos todos aqui para o sorteio e é possível que haja um grupo da morte. Você se preocupa com isso? 
MW – É possível, a qualidade dos adversários é muito grande, mas não podemos ficar pensando nisso e, sinceramente, prefiro ver que somos cabeças-de-chave. Temos que jogar, independentemente de quem vier, mas essas são questões que não podemos controlar. Meu trabalho aqui é administar jogadores acompanhá-los nos clubes. Simples.
JG e FD – Apesar do ótimo time atual, será que a hora da Bélgica é agora mesmo ou seria a Copa de 2018, com experiência acumulada?
 
MW – É gentil que falem de nós, mas não estamos nem de longe no mesmo nível de Brasil, Argentina, Espanha e Alemanha. Precisamos saber nosso lugar. Esses países têm uma base de jogadores muito maior que a nossa. Somos uma equipe emergente, não podemos ser vistos como favoritos. Vencemos apenas uma etapa, que era chegar ao Mundial. Agora, nem por isso acredito que não temos condições de jogar bem. No Mundial de 2010, a Espanha era favorita, mas sofreu contra o Paraguai e poderia ter sido eliminada. Nem sempre a melhor equipe no papel triunfa. O nível está muito parelho no futebol de hoje e as equipes que chegam às oitavas-de-final têm condições de passar. A experiência pode fazer a diferença e isso é o que temo um pouco em relação a meus jogadores. Ao mesmo tempo, estou curioso para ver como meu time vai se comportar.
JG e FD – E esse calor?
MW – A umidade é terrível, pior que o calor. Mas também me preocupa o fato de o Brasil ser um país tão imenso quanto magnífico. E que um vôo de três horas pode te tirar de uma temperatura de 30 e poucos graus e te levar para abaixo de 10. Todos os europeus terão a umidade como inimiga. Será dificílimo para os Europeus, temos que fazer a melhor preparação possível. Estamos estudando para ver como vamos fazer, mas também jogamos amistosos em lugares tão diferentes como a Europa e os Estados Unidos. Miami, por exemplo, tem uma umidade parecida. Muitos estudos também, envolvimento de ciência.
JG e FD – O sucesso desta Bélgica é creditado à mudança no trabalho de base, metodologia de treinamentos, etc. É isso mesmo? Ou é simplesmente sorte por ter nascido uma grande geração?
 
MW – Não concordo com o argumento de que o sucesso vêm do trabalho feito pelos clubes. Nenhuma equipe belga tem feito algo especial nas competições europeias, então essa teoria me causa estranheza. Creio, sim, que temos uma geração de jogadores que tiveram a coragem de ir jogar no exterior quando ainda eram muito jovens e que trabalharam duro para aprender e evoluir como atletas. O trabalho da comissão técnica também precisa ser reconhecido, especialmente no trabalho com um grupo sem muita experiência de competições de seleções. E uma turma que tem um coração enorme. Nosso espírito de equipe é também muito forte.  Mas não é uma geração especial. Quando tivermos feito alguma coisa especial talvez possamos chamá-la assim.
JG e FD – A Bélgica se beneficia então, de algo parecido com o qual o Brasil se beneficiou historicamente… jogadores aprimorando conhecimentos no exterior, com o intercâmbio…
MW – Os jogadores sul-americanos lucram há muitos anos com a ida para grandes mercados europeus. A disciplina europeia ajudou muito também. Mas no caso do Brasil, por exemplo, eu vejo o campeonato nacional com uma intensidade e um ritmo muito mais forte que há cinco anos. Paulinho, por exemplo, não chegou totalmente verde ao Tottenham. Todos os sul-americanos que vêm chegando tem se mostrado muito mais adaptáveis do que antes.
JG e FD – Você assiste a jogos do Campeonato Brasileiro??!!
MW – Sim, eu gosto de ver tudo. Os jogos do Brasil já foram mais lentos, mas hoje estão melhorando.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.