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Julio Gomes

Ponte mereceu a vitória e merece a final. O São Paulo, não

UOL Esporte

21/11/2013 00h44

Somente os jogadores da Ponte Preta seriam capazes de responder a essa pergunta. O quanto influenciou no jogo desta quarta o fato de a volta, semana que vem, não ser em Campinas?

Eles e Jorginho. Se bem conheço Jorginho, deve ter aproveitado bastante tudo isso. E jogador de futebol sempre corre mais, dá um carrinho a mais, chega em uma bola a mais quando está mais motivado do que o normal.

A Ponte Preta é uma vítima do sistema desigual de distribuição de dinheiro que cada vez mais marcará o futebol brasileiro. Os ricos podem errar uma, duas, três, quatro vezes na mesma temporada que, ainda assim, não serão rebaixados. Os pobres não podem errar. A Ponte errou ao mandar Guto Ferreira embora logo no início do campeonato. E vai pagar.

Chegou Jorginho e, com o tempo, as coisas foram se acertando. Mas aí o tempo fica curto, o relógio corre mais rápido do que corre para os outros. A pontuação da Ponte ao final do primeiro turno já indicava rebaixamento. Te tira qualquer margem de erro. E aí, quando perde do Náutico em casa, já era.

A Copa Sul-Americana tinha tudo para ser um fardo. A Portuguesa, só para usar um exemplo, simplesmente desistiu da Sul-Americana. Botou reservas logo de cara, contra o Bahia. E Guto Ferreira, o mesmo, considerou aquele período de treinos fundamental para o time conseguir pontos lá atrás que, pelo jeito, acabarão com a permanência na Série A.

Acho que a Sul-Americana tem, sim, uma parcela de culpa no rebaixamento que a Ponte sofrerá, possivelmente, neste fim de semana, com duas rodadas de antecipação. Só que tem algo mágico nessa coisa chamada futebol. E a coisa de jogar um primeiro torneio internacional nessa linda história moveu a torcida. Movimentou Campinas, deu ao time e ao ponte-pretano uma baita razão para apoiar, ir, cantar, sonhar. E sonhos movem montanhas.

O mais legal do futebol é a coisa de um time pior poder ganhar do melhor. A coisa mais legal do mata-mata é fazer com que essa máxima se torne algo concreto. Uma classificação, uma eliminação. Era improvável que a Ponte estivesse na final ou na semifinal da Sul-Americana, o time não é bom para isso. Mas o mata-mata e o futebol, juntos, são imbatíveis: permitem o imponderável.

E aí veio o São Paulo, que todos sabemos, os que estamos nesse meio, é o clube mais detestado por todos os outros clubes do futebol brasileiro. Ninguém aguenta o São Paulo. Uma das razões, coisas como o tal dossiê para que a Conmebol impedisse o jogo de volta no Moisés Lucarelli.

Pequeno. Atitude não condizente com o tamanho e a história do São Paulo Futebol Clube. O São Paulo não está nem um pouco preocupado com a segurança e nem com o regulamento. Está preocupado, somente, em tirar uma vantagem técnica. O São Paulo não lidera movimento algum por melhorias, por mais segurança nos torneios da Conmebol, nos estádios em geral. Ele queria, apenas, usar uma linha para se dar bem.

As pessoas (e instituições, partidos, etc) precisam parar de se preocupar com regras somente quando lhes interessa. Exigir cumprimento de leis somente quando lhes convêm.

Existe lei e existe espírito da lei. Ao exigir estádio para 20 mil pessoas, é lógico que o espírito da lei não é a quantidade e, sim, a segurança. E, se o estádio da Ponte não é seguro, NENHUM jogo poderia ser disputado lá. O Ministério Público deveria até intervir neste caso, porque inseguro de verdade é termos 20 mil pessoas na estrada, indo de uma cidade à outra por causa de um jogo de futebol. Quem vai garantir a segurança do resto da população e de tudo o que vai aparecer pelo caminho das duas torcidas até Mogi? A Conmebol?

O que o São Paulo fez é baixo, é antiético, é pequeno e é perigoso. E não é inédito. E isso, amigos, pode ter feito muita diferença no jogo do Morumbi.

Além, claro, da postura tática. Muricy Ramalho errou, errou feio. Após tanto acertar, errou. Escalou mal, substitui muito mal no intervalo e, depois, com a saída de Maicon no segundo tempo. A Ponte começou o jogo assustada mas, após o gol do São Paulo, resolveu tomar conta da partida. E tomou. E virou de forma mais do que merecida.

A Ponte Preta fez por merecer a vitória contundente no Morumbi. E faz por merecer a classificação para a primeira final internacional de sua história. Faz uma competição impecável e será obrigada, por picuinha, a jogar uma dos maiores jogos de sua história longe de sua torcida.

A Ponte merece. E o São Paulo não merece. Pela atitude que teve. E pelo ano que teve. Um erro atrás do outro, bastidores tumultuados, administração equivocada. Conseguiu, buscando o torcedor, se salvar do rebaixamento no Brasileiro. Mas seria um prêmio grande demais acabar o ano com um título e a vaga na Libertadores.

Quando time está em uma semifinal e perde a ida, normalmente o torcedor se sente responsável por iniciar a virada no grito. O silêncio "ensurdecedor" no Morumbi, hoje, diz tudo. Acho que até mesmo o são-paulino, ou grande parte deles, sabe que o clube e o time merecem pouco mais do que isso após o ano de 2013. Silêncio. Nada mais.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.