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Julio Gomes

Com regulamentos toscos, cartolas boicotam e sentenciam Estaduais à morte

Julio Gomes

30/10/2013 17h33

Antes de mais nada, preciso deixar claro que sou a favor dos Estaduais. Ao contrário de outros colegas, a quem respeito muito, não acho que os Estaduais devam ser extintos. Mas eles precisam se dar ao respeito. Senão, o fim será mesmo o caminho.

Ver o regulamento do Paulistão-2014 me dá ânsia. Fica nítido que o caminho escolhido só fará com que esse campeonato desapareça.

Os dirigentes de futebol, em um misto de incompetência e politicagem, criam regulamentos que simplesmente não podem ser engolidos. Coisas bizarras, grotescas, amadoras, sem nenhum critério técnico, sem nenhum dinamismo, que não trazem interesse algum durante 80% do tempo de disputa. Por que as médias são baixas? Porque os Estaduais "não valem nada"? Eu discordo dessa tese. Os públicos são irrisórios porque os campeonatos são verdadeiras porcarias.

Sou a favor de Estaduais. Mas campeonatos formatados desse jeito?? Para fazerem esses LIXOS de regulamento…. aí sim, é melhor que acabem mesmo. Melhor não ter, por mais doído que isso seja.

Os dirigentes de clubes do interior se esforçam nos bastidores para arrumar o maior número de jogos possíveis contra times "grandes". O que os clubes ganham com isso? Muito pouco. Mas os cartolas? Ah, esses têm vida política, capitalizam em cima desses jogos, fazem o que fazem com as rendas… São regulamentos moldados para pessoas físicas, não jurídicas. São parasitas.

Será que, para o XV de Piracicaba, a solução seja mesmo fazer quatro jogos por ano contra os grandes paulistas, jogos que não valem nada?? Ou seria melhor jogar um campeonato bacana, dinâmico, para tentar enfrentar um desses grandes em uma fase aguda, de mata-mata, com chance de feitos históricos? (como já conseguiram Inter de Limeira, Bragantino, etc).

Quem pensa pequeno, não pensa em ganhar de um grande. Pensa em garantir quatro jogos contra os grandes. É lamentável.

E os grandes?? Ainda piores. Assinam esses regulamentos nojentos porque faz parte da politicagem. E, claro, ganham 450 chances de, mesmo "abandonando" o Estadual por dois meses, chegar à final ou semifinal ali na hora H. Os regulamentos são desenhados para os grandes chegarem no fim, mesmo tendo desprezado o campeonato no começo e no meio. E isso basta aos dirigentes.

O pensamento torto de dirigentes de futebol, os dos grandes e os dos pequenos, estão destruindo os Campeonatos Estaduais. Destruindo o pouco que lhes resta.

Não dá para ter um regulamento como este do Paulistão-2014, anunciado nesta quarta-feira. Entre tantas bizarrices já vistas, essa é a maior. Quatro grupos em que os times do mesmo grupo não se enfrentam?? Sem confronto direto? Tipo… um time perde na primeira rodada e já não depende mais das próprias forças para se classificar?? E aí um time pequeno ganhar o grupo. E tem que jogar partida única, sem nem vantagem de empate, provavelmente com um grande?? O quanto disso fica nas mãos das arbitragens??

É um campeonato feito para times do interior enfrentarem os quatro maiores do Estado. E, depois, para os quatro maiores fazerem as semifinais.  No sorteio dos grupos, a Associação Portuguesa de Desportos virou ASSOSSIAÇÃO. A Ponte Preta também. Até a Sociedade Esportiva Palmeiras virou Assossiação, como dois esses. Incompetentes, políticos e… analfabetos. É uma amadorismo que machuca a alma.

Aí, o amigo leitor me pergunta. Por que, então, eu sou a favor da continuidade dos Estaduais? Vejam.

Por que o Campeonato Brasileiro é tão grande? Por que, apesar do nível técnico baixo, do público baixo, dos estádios ruins, etc, o campeonato é o maior produto nacional? Essencialmente porque o futebol brasileiro foi criado e fortalecido regionalmente, não nacionalmente.

Se tivéssemos amadurecido de forma nacional, o Brasil teria dois, três ou quatro times grandes. Assim como qualquer outro país da Europa. Foram justamente as rivalidades regionais que fizeram com que o Brasil tenha, hoje, um campeonato com 12 times grandes. Há quem diga que já não há 12 grandes. Há quem diga, especialmente em Salvador, Recife e Curitiba, que há mais de 12 times grandes. Não importa. O que quero dizer é: o grande barato do Brasileiro é haver um equilíbrio tão grande, inclusive histórico, entre tantas forças. O campeonato começa com inúmeros candidatos.

Acabar com os Estaduais iria gerar um calendário mais folgado? Sim. Mais dinheiro para os clubes? Possivelmente sim para alguns deles. Mas acabar com os Estaduais iria gerar um processo contínuo de elitização do futebol brasileiro. Não tenham dúvidas. Esses 12 times grandes, ou 14, 15, não importa, vão se transformar em 3 ou 4 dentro de um período de 20, 30 anos. Eu não tenho a menor dúvida sobre esse processo.

Não vejo problema algum em um Campeonato Brasileiro forte, bem organizado, espaçado em 7 a 8 meses. Isso precisa acontecer, sem dúvida. Muito mais do que a Libertadores, é o Brasileiro a verdadeira Champions League para os clubes daqui.

Mas não existe Champions League sem as ligas domésticas europeias. Foi domesticamente que se forjou, na Europa, a força dos times grandes de cada país. E é por isso que a Champions tem 10, 12, 14 times grandes, fortes, que podem ganhar a qualquer ano. As ligas europeias são os Estaduais deles. E é dessa força regional que sai o enorme campeonato reunindo tais forças. É das ligas que sai a Champions monstruosa de hoje em dia. É dos Estaduais que saiu o Brasileiro que temos hoje.

Até mesmo a "sede" pelo título da Libertadores é muito mais movida pelas rivalidades regionais do que pela importância da taça em si. O Atlético foi buscar algo que só o Cruzeiro tinha. O Inter foi buscar o que só o Grêmio tinha. O Corinthians foi buscar o que só ele não tinha. O nascimento regional dá o tamanho e move essas instituições. O sarro do vizinho é muito mais importante para o torcedor do que outra coisa.

Dito tudo isso, é preciso se adequar aos novos tempos. Simplesmente não é possível ter Estaduais arrastados, de seis meses, com a presença de todos os grandes. E, dentro do calendário que lhes cabe, é preciso ter fórmulas de disputa mais dinâmicas, ágeis, bacanas.

Na minha visão, os Estaduais devem ser uma espécie de quarta divisão nacional e precisam ser disputados ao longo do ano todo. Assim, jogadores não ficam 8, 9 meses desempregados. Clubes têm o calendário completo ao longo de quase toda a temporada. O Brasil precisa ter Séries A, B e C. Esses 60 times das três divisões vão entrar nos Estaduais somente nos dois meses finais de competição.

Apenas como exemplo. O Paulistão iria de fevereiro a dezembro. O Ituano, apenas para usar um time qualquer do interior, vai jogar de fevereiro a setembro para ganhar o direito de: 1) jogar a Série C do ano seguinte; e 2) enfrentar os grandes do Estado quando eles entrarem no torneio, nos últimos 2 ou 3 meses da temporada.

E aí, amigo, esses dois meses finais de temporada precisam de regulamentos bem feitos. Assim, os Estaduais continuariam a ser prestigiados. O problema é que, hoje, eles têm sido boicotados por seus donos. São tiros de metralhadora nos próprios pés.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.