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Julio Gomes

Pep, o bonzinho, Mou, o vilão, e os times que refletem personalidades

Julio Gomes

30/08/2013 19h51

José Mourinho e Pep Guardiola foram amigos um dia, bastante amigos. Pep jogava bola no Barcelona, seu clube de toda vida, e Mou era auxiliar de Bobby Robson, então técnico na Catalunha. Mourinho, que falava espanhol, coisa que não fazia tão bem Robson, tinha um contato grande e direto com os jogadores. Saiu de lá, foi embora para ser treinador e se transformou em um dos maiores da história do futebol europeu.

Guardiola também fez seu caminho. Jogou na Itália, passou pelo México, aprimorou uma ideia de futebol e colocou em prática no seu Barcelona, no primeiro emprego como técnico principal. A conjunção Guardiola-Barcelona deu resultados, além de deixar um estilo marcado nos livros de história.

Como em todo conto de fadas, era necessário um vilão. E foi aí que o destino colocou Mourinho e Guardiola na mesma página novamente, só que agora como inimigos. Primeiro como técnico da Inter de Milão, depois do Real Madrid, Mourinho virou o anti-Guardiola. Ganhou umas, perdeu outras. Perdeu mais do que ganhou, mas ganhou mais do que qualquer outro contra o Barça.

Em um dia de maio de 2011, o que restava de amizade e respeito acabou de vez. Em meio à maratona de superclássicos daquele ano, em duas salas de coletiva separadas por 10 quilômetros, na cidade de Madri, a inimizade foi expressada de forma verbal e irreversível. Mourinho tira Guardiola do sério, não é fácil fazer isso.

Após anos de rivalidade dura e pouco saudável na Espanha, quis o destino que eles se encontrassem na Supercopa da Europa, um com o Bayern, outro com o Chelsea. Nenhum deles estava em tais clubes na temporada passada, eles não fizeram nada, absolutamente nada, para se enfrentarem neste jogo. Mas lá estavam.

E amigos, qualquer semelhança com todos os superclássicos da década não é mera coincidência. Nem um pouquinho. Foi um verdadeiro replay. O Bayern já mostra uma proposta de jogo quase idêntica à do Barça de Guardiola, com muita posse de bola, paciência, qualidade técnica. O Chelsea, um espelho do Real Madrid de Mou. Muita marcação, intensidade, muitas faltas e uma saída rapidíssima nos contra ataques.

Mourinho teve um jogador expulso, Ramires. Era falta para vermelho direto, e Ramires já tinha amarelo. Ou seja, expulsão tranquila, sem polêmica. Não para Mourinho: "Tenho muitíssima experiência em jogar com dez partidas de Uefa", falou, irônico. "Um homem que ama o futebol não estraga uma final expulsando um jogador. O melhor time perdeu hoje", completou. Como assim??? hahaha. Sério. Mourinho fala uns absurdos inacreditáveis em sua cruzada contra a Uefa e na pressão para conseguir que algum vermelho não seja mostrado no futuro. Lógico que ele não citou que Hazard estava (um pouquinho) impedido no lance do segundo gol dos ingleses.

O Bayern jogou a partida inteira no campo do Chelsea e empatou no último minuto da prorrogação. Não empatou antes porque Petr Cech fez três, quatro defesas sensacionais. O Chelsea também teve a chance de fazer o segundo ainda no tempo regulamentar, mas parou em Neuer. Foi um jogaço, enfim, com um empate justo pelos dois times terem feito tão bem o que se propunham a fazer. Decidido nos pênaltis, como tantas outras finais. Acontece, é do futebol. Não tem cabimento Mourinho falar o que fala.

Guardiola, o bom moço, também com altíssima dose de esperteza para ganhar a simpatia geral, fez o quê? Dedicou o título ao ex-técnico do Bayern, Jupp Heynckes. "Foi ele que colocou o time aqui".

Não podem haver duas pessoas mais diferentes do que Guardiola e Mourinho. E isso acaba se refletindo em seus times.

Guardiola, ainda no início de carreira, essa que é a verdade, tenta implantar no Bayern o futebol que ele acredita ser o futebol perfeito. Com ele, não tem essa de "em time que está ganhando, não se mexe" (que, aliás, me parece uma frase tão consagrada quanto covarde, medrosa). O catalão quer o Bayern jogando o futebol que ele acredita ser o mais belo para chegar às vitórias. O abraço de Ribery em Guardiola após o gol mostra que os jogadores não estão assim tão enfurecidos com a revolução tática, como muitos querem pintar.

Já José Mourinho acredita que o que vale no futebol é ganhar, mesmo que para isso tenha que perder um amigo (como perdeu). Não há amizade, imagem ou mesmo ética que esteja por cima de vencer. Por onde passou, Mourinho teve times jogando de diversas maneiras, sempre de acordo com o material humano que tem e com os rivais que vêm pela frente. É o técnico total, um estudioso de tudo o que acontece no futebol, inclusive métodos de treinamento e preparação física. Ele não tem uma filosofia de jogo. Sua filosofia é ganhar. E ele vai lá e ganha quase sempre.

Se eu fosse o presidente da CBF e precisasse de alguém para cuidar de toda a espinha dorsal do nosso futebol, da principal à base, passando pelos clubes, daria tudo nas mãos de Guardiola. Se me preocupasse somente com a seleção principal, com os resultados nos próximos três anos, daria nas mãos de Mourinho. Sem dúvida, o perfil do português tem muito mais a ver com o futebol brasileiro, onde você é tão bom quanto seu último resultado. E onde vencer é só o que importa.

O Bayern de Munique não escolheu Guardiola para ganhar o próximo título. Escolheu Guardiola por um estilo de jogo, para trazer ao clube uma proposta de futebol bem jogado, para colocar o Bayern na história com algo que vá além de resultados. O Chelsea escolheu Mourinho por razões completamente diferentes. Os times de Mou não vão para a história, são os resultados deles que vão.

Ambos são ganhadores, ambos são amados por seus jogadores. São os dois maiores técnicos do futebol mundial na atualidade. Que se encontrem novamente! E de novo. E de novo. A temporada europeia começou bem demais.

 

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.