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Julio Gomes

Na Liga de dois, pequena vantagem para o Real, calvário para os outros

Julio Gomes

17/08/2013 01h27

Barcelona e Real Madrid receberam 140 milhões de euros por seus contratos de TV na temporada passada, quase 500 milhões de reais. Atlético de Madrid e Valencia, os próximos da lista, levaram 42 milhões de euros (135 milhões de reais). Os mais modestos, 12 milhões de euros (40 milhões de reais).

Entenderam por que o Campeonato Espanhol virou um "grande Gauchão", como dizem aqui, ou uma liga "escocesa", como eles dizem lá?

Desde 2006, quando os contratos de TV passaram a ser negociados individualmente pelos clubes, um enorme abismo começou a ser criado no futebol espanhol. Um abismo que se acentuou com a crise financeira que pegou a Europa de jeito, a Espanha ainda mais, a partir de 2008. Crise esta que ainda não acabou. Combinados, os dois fatores fazem com que seja até ridículo chamar a liga espanhola de "melhor do mundo".

A liga tem os dois times mais ricos do mundo. Os dois melhores jogadores do mundo. O clássico mais importante do mundo. O problema é que não existe mais o desafio esportivo a Real Madrid e Barcelona. Eles jogam um torneio à parte, enquanto os outros 18 disputam duas vagas na Champions League, três na Europa League e tentam fugir do grupo de três rebaixados.

Não era assim. Nos últimos nove anos, o Real Madrid foi sempre campeão ou vice. Nos nove anos anteriores, porém, havia fica cinco vezes fora das duas primeiras colocações. Nos últimos dez anos, somente uma vez o Barcelona não foi campeão ou vice. Mas nos nove anos anteriores, assim como o Real, havia ficado cinco vezes fora das duas primeiras posições. É óbvio que, historicamente, Real Madrid e Barcelona sempre foram muito fortes. Mas nunca tão fortes como agora.

Em 2007, quando ainda era cedo para o abismo financeiro ter consequências tão brutais, o Sevilla disputou o título com os dois gigantes até as rodadas finais. Em 2008, o Villarreal foi vice-campeão, o único time a quebrar a dualidade desde 2004, quando o Valencia de Rafael Benítez foi campeão – em cima do Barça de Ronaldinho e do Real dos Galácticos.

É essa a liga que começa neste sábado. Já sabemos, por antecipação, que um deles será campeão e o outro, vice. O torcedor não é bobo e já dá muito menos importância para o campeonato nacional. Na temporada passada, a rodada inaugural teve 61% dos estádios ocupados, número que bateu em 70% na temporada retrasada. É enorme a possibilidade de vermos a média de público cair como um todo.

Os melhores jogadores de futebol nascidos na Espanha estão ou no Barça ou no Real ou no exterior. Com as saídas de Falcao, Higuaín, Soldado, Negredo e Aspas, foram embora da liga os responsáveis por 93 gols na temporada passada. São só más notícias para quem espera um pouco mais de equilíbrio, um pouco menos bipartidarismo.

Mas e aí?, pergunta o amigo. Qual dos dois vai ganhar a liga?

Darei meu palpite só para não ficar no muro: Real Madrid, 53% a 47%.

No ano passado, o Real, com crise no vestiário entre Mourinho e alguns jogadores-chave, perdeu pontos no começo do campeonato que decretaram o final antecipado da disputa, por todos os motivos relacionados acima. Neste ano, com a dupla Carlo Ancelotti/Zidane, não há crise. A pré-temporada foi boa, o elenco é fortíssimo e eu simplesmente não vejo o Real perdendo pontos em qualquer estádio da Espanha, exceto o Camp Nou. Chegou o espetacular Isco, que estará na seleção espanhola que vai à Copa, e Gareth Bale tem um pé no Bernabéu.

O Barcelona tem Xavi um ano mais velho, Valdés em sua última temporada, nenhum zagueiro importante novo para um setor bastante debilitado, perdeu Thiago de forma juvenil, perdeu Villa, perdeu o técnico. Logicamente, ganhou Neymar. E isso não é pouco. O Barça é um time Messi-dependente no setor ofensivo, e Neymar poderá fazer muitos gols, distribuir responsabilidades e resolver paradas. Mas nunca nos esqueçamos, é só o primeiro ano em outro campeonato, outro país, outro futebol.

Tata Martino é um grande técnico e pode cair como uma luva no Barcelona. Ou não. Só o tempo dirá, mas não podemos nos esquecer que bastam um ou dois tropeços para a vaca ir para o brejo. Não há margem de erros em uma liga em que dois times disputam o título com percentual tão alto de pontos. Me chama a atenção que o Barcelona terá de jogar  fora contra Málaga e Valencia e em casa contra o Sevilla nas rodadas 2, 3 e 4.

Se tudo der certo para Martino e Neymar, então a liga será decidida nos clássicos, nos dois confrontos diretos. Mas vejo no Barça uma pequena margem de risco, que não vejo no Real, para tropeços. Principalmente no início do trabalho de Martino.

No demais, a liga promete muito equilíbrio e emoção.

O Atlético de Madri manteve a base, o ótimo Simeone e trocou Falcao por Villa. Falcao é, hoje, mais letal do que David Villa, mas não podemos subestimar um jogador com uma carreira tão consistente. Acredito no Atlético terceiro lugar com folga e com tempo para se dedicar à Champions League – e olha, o Atleti pode até ser uma grata surpresa na competição europeia.

Pela quarta vaga na Champions, teremos uma batalha entre Valencia, Real Sociedad, Athletic Bilbao e Sevilla. O Valencia perdeu Soldado, a Real perdeu Illarramendi e pode dividir atenções com a Champions (sempre um perigo), o Athletic trouxe o ótimo Beñat (ex-Betis) e o Sevilla perdeu Negredo e Navas, mas fez boas contratações.

O time andaluz foi buscar o bom alemão Marin, no Chelsea, Gameiro, no PSG, e tem o ótimo Unai Emery no comando. No deserto, foi o único que foi buscar água. Eu apostaria no Sevilla para voltar à Champions League, mas haverá muito equilíbrio neste grupo.

Atenção para o Villarreal, que volta à primeira divisão após um rebaixamento totalmente fora de lugar. É um time que trabalha muito bem a formação e a contratação de jogadores de outros mercados. Olho também no Celta, com Luis Enrique no comando e Rafinha, o outro filho de Mazinho, em campo. Fora isso, amigos, é todo mundo jogando para não cair.

Uma nova Lei do Esporte entra em vigor no ano que vem na Espanha e, a partir de 2015, os contratos para direitos de TV terão de ser novamente negociados de forma coletiva, não individual. A promessa é de equilíbrio na divisão de receita, fortalecendo os médios e pequenos e mantendo altas quantias para Real Madrid e Barcelona permanecerem competitivos na Europa. Daqui a alguns anos, calculo que uns quatro ou cinco, talvez tenhamos novamente vida dura para os dois gigantes. Por enquanto, a Liga é mesmo mamão com açúcar.

Vamos aos meus palpites da primeira rodada (entre parênteses, as transmissões ao vivo na TV. Estarei nos comentários de Barcelona e Levante, domingo, aqui no Placar UOL):

Sábado
14h Real Sociedad x Getafe (ESPN) – Real
16h Valladolid x Athletic Bilbao (Sports+) – empate
18h Valencia x Málaga (ESPN) – empate

Domingo
14h Barcelona x Levante (ESPN) – Barcelona, com gol de Neymar
16h Real Madrid x Betis (Sports+) – Real Madrid
16h Osasuna x Granada – Osasuna
18h Sevilla x Atlético de Madrid (Sports+) – Grande jogo da rodada. Empate

Segunda
15h Rayo Vallecano x Elche (Sports+) – Rayo
17h Celta x Espanyol – Celta
17h Almería x Villarreal (Sports+) – Villarreal volta com vitória

 

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.