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Julio Gomes

Grande Galo da paradona, da paradinha e das paradaças

Julio Gomes

11/07/2013 03h02

"Eu acredito muito em sorte. Mas, quanto mais eu trabalho, mais sorte eu tenho". Que bom ouvir isso de Cuca.

Eu, caro leitor, sou um pragmático. Não há como negar a sorte ou o azar em vários momentos da vida. Algumas pessoas têm mais, outras têm menos. Mas creditar à sorte ou o azar o sucesso de um profissional, de qualquer que seja a área, me parece uma bizarrice. A sorte aparece para quem busca, quem trabalha, quem merece.

Possivelmente, Cuca não fosse uma pessoa sem sorte em sua profissão. Provavelmente, não tenha tomado as decisões certas na hora que precisou tomar, faltou algo de competência neste mundo tão competitivo. Agora, chegou a hora dele. E essa hora é dele, muito dele. É também do bom trabalho da diretoria do Atlético, é, claro, dos jogadores. É da torcida, uma das mais presentes, em vacas gordas ou magras. Mas é mais dele do que desses outros todos.

E vejam bem. Uma coisa é assumir um time em semifinal de Libertadores, trabalhar bem em quatro jogos e conquistá-la. Outra coisa é um trabalho de dois anos, formação de elenco e de time, disputar título nacional, fazer a melhor campanha do torneio sul-americano. Isso tudo é consistência. "Ser campeão é a coroação de um trabalho", disse Cuca. É batido, mas é verdade. E não ser campeão não significa que o trabalho não foi bem feito, ele apenas não terá sido coroado.

Eu sei, vivemos em um país em que somente o título vale. Permitam-me ser e pensar diferente. Cuca e o Atlético já provaram que o trabalho foi feito da maneira correta. O título seria a felicidade sublime. Ganhar ou perder a final, no entanto, não apagaria tudo o que foi feito. Para o torcedor, a realidade é ganhar ou perder. Mas neste espaço, com todo o respeito, elevamos o nível para além do coração, minha ideia é aproximar mesmo o futebol de uma razão, que existe e é preponderante neste e em qualquer esporte. As coisas acontecem por uma série de razões, e delas falaremos aqui.

Chamei o Galo de "unidimensional" quanto à tática e mantenho meu ponto de vista. É um time com uma forma quase única de atacar: bolas longas, jogo direto que pouco passa pelo meio. Jô é o nome do desafogo. Ele, Bernard e Tardelli têm uma grande capacidade de controle de bola, e ganhar a primeira e/ou a segunda bolas é muito importante no futebol. Em jogos de velocidade frenética, Ronaldinho aparece pouco.

O Galo encanta porque joga um futebol que, hoje, é o predileto dos brasileiros. Jogo vertical, direto, sem muita lenga lenga. É por isso que a Espanha foi vaiada por essas bandas, por isso que Felipão conseguiu reaproximar a seleção do público: jogando o futebol que o público gosta. O brasileiro gosta de velocidade, do drible em velocidade, do um contra um. Isso é nítido nas reações dentro e fora dos estádios. O Atlético é pura volúpia ofensiva, intensidade, construção de jogo sem muita ordem. A ordem é dada pelos atacantes, quando conseguem controlar a bola, partem para cima e criam o caos para a defesa adversária.

Quando o caos é evitado, quando é bem marcado, o Atlético tem problemas, muito problemas. E, quando atacado, também. Porque os jogadores de frente ajudam pouco, e Ronaldinho não ajuda nada. O time se quebra em dois quando não tem a bola: seis que se matam, quatro que mais assistem. Por isso, o São Paulo teve o domínio no Morumbi e poderia ter feito 2 ou 3, até que Lúcio foi expulso. Por isso, o Tijuana foi melhor nos dois jogos contra o Atlético. Por isso, o Newell's foi melhor em três dos quatro tempos das semifinais.

Mas a expulsão de Lúcio não foi culpa do Atlético. Como não foram as duas falhas grotescas da defesa do Tijuana em bolas paradas, uma lá, outra cá. Como não foi o erro bisonho de Mateo, do Newell's, tirando uma bola das mãos do goleiro e entregando para Guilherme. O chute de Guilherme, que seria titular na maioria dos times do Brasil, esse sim é culpa do Atlético. Como as defesas monumentais de Victor. Como os passes profundos de Ronaldinho para as diagonais de Bernard, jogada de treino. Isso é tudo culpa do Atlético.

Não é sorte. É competência de alguns, incompetência de outros.

A paradona da Copa das Confederações foi uma benção para o Atlético. O time estava em claro declínio físico, foi atropelado pelo Tijuana e precisava de um tempo para se recuperar. Até mesmo o fato de Jô, Bernard e Réver terem mais treinado do que jogado ajudou. As pernas, que faltavam em maio, sobraram em julho e foram essenciais para o time lutar até o final ontem.

A paradinha da falta de luz, um fator decisivo. O Newell's controlou o segundo tempo, juntou linhas e fechou as jogadas de Tardelli e Bernard pelos lados do campo. Era bastante superior em campo, e a parada foi o tempo que Cuca precisava para acalmar o time, conversar, pensar nas mexidas e criar situações. Se a falta de luz foi proposital, deixo aqui meu repúdio ao golpe baixo e que não condiz com meus valores pessoais. Se a falta de luz foi ocasional, então, aí sim, podemos dar um certo crédito à tal sorte.

E as paradaças, que completam o título deste post, se referem a Victor. Ele será para sempre lembrado pelo pênalti defendido contra o Tijuana, mas não podemos nos esquecer do mano a mano que parou contra os mexicanos no Independência, das defesas lá no México, das defesas em Rosario. Como o Grêmio deixou Victor sair para um clube similar do mercado interno?? Um goleiro de seleção brasileira, de nível internacional. Essa aí, os dirigentes gremistas têm que explicar para seus torcedores. Em um time tão ofensivo e que deixa tantos buracos, Victor é a garantia.

Ao Newell's, fica meu respeito. Gosto muito de histórias como a deste clube, o maior do interior da Argentina. Um técnico que sabe demais de futebol, mais do que quase todos os que temos aqui no Brasil, com todo respeito a todos eles. Que foi o jogador que mais atuou com a camisa do clube, que trouxe atletas da base, que resgatou ídolos do passado. Foi um pecado ver Maxi Rodríguez, depois do jogo que fez ontem, perder o pênalti na disputa. Não bateu, não deu porrada, não apelou, não catimbou. Jogou mais futebol que o Atlético, com mais ordem e cabeça, assim como tinha jogado mais bola que o Boca. Mas faltou algo. Palmas para eles.

O Olimpia, a priori, é uma presa mais fácil para o Atlético. Só que o Tijuana também era. É importante para o Galo jogar de forma mais compacta no Paraguai, sair da dimensão única de jogo e buscar alternativas táticas para não sofrer tanto. Depois, na volta, certamente o Olimpia mostrará menos do que o Newell's, visto o sufoco que levou na Colômbia contra o Santa Fé.

E fica meu apelo. Que o Atlético e os atleticanos esqueçam a arbitragem! Reclamar após o jogo de ida foi o fim da picada, absolutamente fora de lugar. Não há erro histórico que justifique tamanha mania de perseguição. Foi possível ver como os jogadores do Galo estavam preocupados com o juiz, estavam pendentes de todas as suas decisões, estavam com o discurso pronto em caso de derrota ontem. Sim, foram dois pênaltis não marcados. Eram lances difíceis, não tão óbvios quanto o replay faz parecer.

E se o 2 a 0 tivesse saído no começo do segundo tempo? Será que tudo teria acontecido como aconteceu? Impossível saber. O mesmo Mateo que segurou Tardelli, depois deu o gol a Guilherme. E se o pênalti tivesse sido marcado e Mateo levasse amarelo e Martino o tirasse de campo para botar outro jogador?? Pensem. Quando um árbitro decide no fim do jogo, sem haver tempo de reação, é uma coisa. Ficar pendente do juiz o jogo inteiro, ficar achando que todos estão lá para conspirar uma derrota… isso só atrapalha. Precisa sumir do discurso atleticano, pelo bem do clube.

O Galo é forte. Falta muito pouquinho para fazer as pazes com a história.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.