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Julio Gomes

Testados, aprovados e formados. E um "gracias" a Arbeloa

Julio Gomes

01/07/2013 02h19

Quis assistir de novo ao passeio do Brasil contra a Espanha. Era necessário ver de novo, ver com calma, analisar o desenvolvimento da partida para poder falar dela.

Primeiro, um recado. Aos que dizem que a Espanha "é uma farsa", e não são poucos, tenho duas coisas a comunicar: 1) vocês conhecem muito pouco de futebol; 2) se a Espanha é uma farsa, então a vitória do Brasil não quer dizer nada. Se você acha a Espanha uma farsa, pois, nem precisa continuar lendo. A vitória do Brasil quer dizer muito. Muito mais do que eu imaginava e muito mais do que Luiz Felipe Scolari imaginava antes da competição. E ela precisa ser dissecada, é o que farei nas próximas linhas.

Primeiro, o jogo. Depois, o torneio.

Era importante que o Brasil não respeitasse demais e nem de menos a Espanha. Respeito demais representa medo, e, se o time entrasse inibido em campo, teria sido atropelado. Respeito de menos seria a armadilha que tanto derrubou o Brasil nos últimos anos. Achar que é melhor, achar que ganha quando quer, achar que o outro não joga nada. O Brasil entrou com a dose certa de respeito: sabedor de que enfrentaria um time muito bom, mas que se tivesse comprometimento e aquele percentual de vontade a mais, poderia ganhar o jogo. O fator casa é importante demais, o trabalho de "motivação" de Felipão é quase insignificante perto do que representa ouvir o hino cantado por mais de 70 mil pessoas.

O jogo foi totalmente condicionado pelos gols. Aliás, a tônica do Brasil durante todo o torneio: gol no início contra o Japão, no início contra o México, no finalzinho do primeiro tempo contra a Itália, mesmo cenário contra o Uruguai. Há gols e gols. Há gols que tiram do outro time o tempo de reação. Há gols que fazem com que tudo o que foi estudado vá por água abaixo. Gols no começo mudam partidas, em especial para a seleção brasileira, que joga bastante cômoda quando está à frente do placar e tem o contra ataque à disposição.

Se eu fosse técnico de qualquer seleção rival do Brasil no ano que vem, trabalharia o jogo já pensando que ele começa 1 a 0 contra. Porque foi assim e será assim, a torcida vai meter um gol para a seleção sempre.

Resumindo em poucas palavras a final: começa com 1 a 0 para o Brasil. Pouco a pouco, a Espanha consegue fazer seu jogo e tem a chance do empate. Não consegue. Ato final do primeiro tempo, sai o 2 a 0. Começa o segundo tempo, sai o 3 a 0. Se não bastasse isso, a Espanha perde um pênalti. Os gols determinam o jogo, são chicotadas psicológicas (quem se lembra do Elifoot?) que derrubam qualquer adversário.

O primeiro tempo do Brasil teve um grande aliado: Álvaro Arbeloa. Nossa, que partida horrorosa fez Arbeloa! Falhou no primeiro gol, marcado de forma sui generis por Fred. Falhou no segundo gol, marcado por Neymar. Fez uma falta em Neymar que foi de amarelo, mas poderia ter sido de vermelho (dependendo do juiz). E errou outros passes que viraram perigo de gol. O cara que era o ponto fraco da Espanha… foi mesmo! Neymar deitou e rolou para cima de Arbeloa. O lateral, além de jogar mal, nem mesmo fala com Iker Casillas (Mourinho-consequência). Creio que Del Bosque precisará achar uma solução por ali para 2014.

Logicamente, é simplista colocar em Arbeloa a responsabilidade única pela derrota. Ele foi um fator de desequilíbrio em uma final (que seria) equilibrada. Outro fator foi o tesão do Brasil em campo, foi a vontade de dividir e ganhar todas as bolas. Usando as palavras de Daniel Alves, "o coração fez chegar onde o corpo não chega". Daniel Alves e Marcelo foram precisos na marcação, e Luiz Gustavo, Paulinho e Oscar formaram um meio de campo pegador suficiente para que Xavi e Iniesta não conseguissem trabalhar. Lembrou muito o Bayern contra o Barcelona, sem dúvida. Uma intensidade de jogo maior, simples assim.

Foi de um raro passe errado de Iniesta que saiu a falta de Arbeloa em Neymar. De um passe errado de Xavi, saiu a jogada em que Ramos derruba Oscar na entrada da área. De um passe errado de Alba, sai o segundo gol. Foram muitos passes errados para uma seleção tão boa neste fundamento. Mérito total do Brasil, que forçou para que isso acontecesse.

Taticamente, Luiz Gustavo se desgarrou dos zagueiros para jogar em linha com Paulinho. E Hulk foi essencial nas ajudas defensivas pelo lado direito, fechando a porta para Iniesta e Alba junto com Daniel Alves. Aliás, fica um grande "cala boca" para quem desceu a lenha em Hulk, Alves e Oscar ao longo do torneio.

Futebol não se joga só com a bola. Oscar e Hulk fazem um trabalho de marcação que compensa o que não fazem Fred e Neymar, e isso desgasta muito. Assim como elogiei Pedro e Cavani, dois jogadores que percorrem o campo todo em múltiplas funções, Oscar e Hulk são dois brasileiros que aprenderam na Europa o que não se ensina nas bases por aqui, que mesmo atacantes e gente de talento precisa se esforçar em várias frentes em nome do coletivo. Sinto-me tranquilo para falar de Oscar, porque em nenhum momento compactuei com as críticas que ele vinha recebendo ao longo do torneio. O de domingo foi um jogo tão bom quanto todos os outros que ele fez coletivamente. E, individualmente, ele participou das jogadas dos dois primeiros gols, além de outras de perigo. Hulk participou do primeiro e do terceiro, fez uma partida primorosa.

A Espanha desenvolveu uma maneira de jogar futebol, baseada e com atores do Barcelona, ao longo dos últimos nove anos, desde que Luis Aragonés assumiu o comando. Cresceu, ganhou corpo, ganhou três títulos gigantescos e fez com que o mundo do futebol olhasse de forma diferente para muitas facetas do jogo: a posse de bola como arma de defesa, a criação de superioridades no campo, a pressão exercida pelos jogadores de frente, o envolvimento dos 11 em tarefas que vão além do trivial. Marcou época.

E o dinamismo do futebol é tão espetacular que muitos times e seleções, de maneiras diferentes, conseguiram alcançar, evoluir esse jogo e derrotá-lo. Não à toa, a última vez que a Espanha havia levado três gols em um jogo oficial fora contra a Irlanda do Norte, em setembro de 2006, na partida que marcou o definitivo afastamento de Raúl das convocações e o ínício de uma nova era, marcada pelo futebol de toque do Barça.

O futebol alemão e a seleção alemã trocaram a força pelo jeito, desenvolveram a parte técnica, abraçaram essa concepção de jogo da Espanha e incutiram nela a verticalidade. Scolari não gosta do jogo espanhol. Ele, assim como a maioria dos brasileiros, enxerga o futebol de maneira mais vertical e menos "monótona" (por certo, não estou nesse time). Sem querer, ou sem querer querendo, o Brasil ganhou da Espanha porque conseguiu tirar a bola de seu poder, conseguiu dividir o tempo de domínio.

Falar que a posse de bola não serve para nada é uma enorme bobagem. Você pode até não fazer bom uso da sua posse, mas tirá-la do rival é básico para que ele não te faça dano. O Brasil ganhou porque meteu gols na hora certa e porque contestou o controle de jogo da Espanha.

Ganhar à la Suíça na Copa de 2010 ou à la Chelsea contra o Barça é possível, mas é improvável. Retrair-se atrás e só se defender é uma opção, mas que depende demais da sorte e de arbitragens. Ganhar à la Bayern ou à la Brasil é o caminho difícil, mas possível e que vimos se desenvolver neste ano. Muita intensidade, muita pressão, muita entrega física para que os espanhóis não se sintam cômodos em campo. E, aí, temos um jogo.

O Brasil mereceu ganhar, deu um golpe de autoridade e sai dessa Copa das Confederações com um time formado e uma ideia de jogo clara. Scolari não esperava isso, queria formar um time, ter uma cara, saber com quem poderia contar. De repente, formou um time, tem uma cara, sabe com quem pode contar e, de quebra, ganhou da campeã do mundo, ganhou a taça, ganhou a torcida, ganhou confiança. Um trabalho de um mês e meio que merece nota 10, que nada tem a ver com sorte.

Eu não daria a Felipão o mando do futebol do meu país pensando em um projeto de longo prazo para os próximos 20 anos. Mas daria a Felipão a função de trabalhar um time durante um ano e ganhar a Copa do Mundo. Essa é a missão dele e o caminho está claramente correto – isso é incontestável.

A Espanha não é uma farsa, a Espanha é uma das cinco seleções mais importantes da história do futebol. Ganhar de um time desse, da maneira como ganhou, alça o Brasil a um patamar que não pode ser questionado. Foi simbólico demais o que ocorreu no Maracanã.

Fica só uma ressalva. Por que quem ganha a Copa das Confederações nunca vence a Copa do Mundo? Ora, essa resposta tem muito pouco a ver com coincidência. Isso tem a ver com exposição e estudo. Agora, o mundo todo sabe como joga o Brasil e do que cada jogador é capaz. Esse é o único "porém" de tudo o que aconteceu. Mas os outros que se virem para estudar como parar esse círculo virtuoso! Em um mês, o Brasil passou de azarão a absoluto favorito a ganhar sua Copa.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.