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Julio Gomes

Pressão kamikaze da Nigéria incomoda a Espanha. É uma opção para o Brasil?

Julio Gomes

23/06/2013 19h13

Não foi um grande jogo da Espanha em Fortaleza. Há fatores que precisam ser levados em conta, como o forte calor, a umidade, o gol no início e a classificação garantida (na prática). São jogadores inteligentes e que sabem dosar energia, não havia por que correr. Mas, de tudo isso, o que me chamou a atenção e quero explorar foi a solução tática da Nigéria para evitar passar em campo o que o Uruguai passou na primeira rodada.

A Nigéria adotou uma postura de marcação adiantada, empurrando o jogo da Espanha 25 metros para trás. É uma estratégia kamikaze por duas razões: pelo cansaço futuro dentro do próprio jogo e pelos espaços atrás quando alguma das linhas se rompe.

A Espanha, "preguiçosa", digamos assim, meteu um gol, acertou a trave com Fàbregas e ainda perdeu dois gols com Soldado no mano a mano. A Nigéria poderia ter metido um gol no primeiro tempo? Poderia. Roubou bolas em posição de perigo, fez o jogo rondar a área de Valdés em condições perigosas. Mas a Espanha, com lançamentos e passes em profundidade, poderia ter feito outros três.

"Não fomos bem", comentou Pedro na zona mista. "Estávamos espalhados em campo e precisamos fazer ajustes para o segundo tempo. O calor diminuiu e foi possível jogar mais à nossa maneira."

Um parágrafo de homenagem ao primeiro gol espanhol. Sofrendo a pressão absurda da marcação nigeriana logo no primeiro minuto, não houve nem um segundo de nervosismo. Os passes foram trocados como sempre, de primeira e com precisão, com maiorias dentro de campo e a busca do espaço. E assim, passando por Busquets, Xavi, Iniesta, Pedro… a bola sobrou para o ótimo Alba. Foi um gol de manual. Uma verdadeira pintura, um desenho exato do futebol que a Espanha construiu nos últimos 8, 9 anos.

No segundo tempo, o cansaço inevitável chegou para a Nigéria. E o jogo acabou. A Espanha fez dois e poderia ter feito alguns outros. É favorita contra a Itália, lógico que é. Mas antes vamos falar de tática. Lá para baixo, do futuro.

 

IMAGEM 1

Essa foto do primeiro tempo ilustra bem a marcação da Nigéria – Musa, Ideye, Akpala e Mba correram como loucos e pressionaram muito durante todo o primeiro tempo. Lá em cima, lá na frente, empurrando os zagueiros espanhóis para trás. Ainda assim, o espaço de campo utilizado pela Espanha segue sendo de 30, 35 metros, mas abre-se um buraco importante entre a saída de bola, Xavi, Iniesta e os homens mais à frente. Como no jogo contra o Uruguai, Pedro espalha o campo para a direita, Alba para a esquerda e Soldado ocupa uma posição de pivô, atuando entre o zagueiros.

 

IMAGEM 2

Essa é uma imagem do segundo tempo. Chamo a atenção para a linha de impedimento feita pela zaga nigeriana. A Nigéria também encurtou o campo, ou seja, os atacantes sobem para pressionar a saída de bola (criam barreiras entre Xavi, que é quem está recebendo a bola, e seus sócios em campo), mas não adianta somente os atacantes subirem. Os zagueiros também precisam subir e arriscar com a "linha burra". Se a linha é quebrada, é meio gol para o adversário – daí, o risco.

Muitos dizem que o Brasil poderia fazer o mesmo que a Nigéria para conseguir vencer a Espanha em uma eventual final. Pois bem. Marcar à frente até pode ser, pois é o que tem feito nessa Copa das Confederações. Vimos, nos primeiros 15 minutos contra a Itália, como Fred e Neymar se engajaram na marcação pressão, assim como Oscar e Hulk. Por isso, também, foram cometidas tantas faltas pelos atacantes, que não foram formados assim e nunca aprenderam a marcar (quem não sabe marcar, acaba recorrendo a faltas).

O problema para o Brasil jogar assim é menos a pressão dos atacantes e mais o posicionamento dos jogadores de defesa. O Brasil não usa a linha de impedimento atualmente, não é a forma de defender do time de Scolari. Fazer o que a Nigéria fez sem uma boa linha de impedimento é o mesmo que dar 10, 15 metros de campo para Pedro, Iniesta, laterais, Soldado e companhia limitada. É dar gols, falando o português bem claro. Estou, como todos vocês, curiosíssimo para ver esse Brasil x Espanha na final. Mas acho muito, muito difícil que o Brasil faça o que a Nigéria fez – seria, a meu ver, suicídio.

 

IMAGEM 3

Essa terceira imagem é um retrato da última meia hora do jogo e após a entrada de Silva no lugar de Fàbregas. Percebam como o calor vence a Nigéria. A bola já circula no meio de campo com mais fluidez, a pressão exercida pelos nigerianos lá na frente é menos intensa. A presença de Silva no lugar de Cesc torna a Espanha menos "anárquica", parafraseando Xavi, e os jogadores ficam mais próximos na zona de criação.

Com esse formato, Alba "descansa", Arbeloa é quem abre o campo pela direita e Pedro se posiciona à esquerda do ataque. Depois de ver in loco os jogos contra Uruguai e Nigéria, estou encantado com o trabalho que faz Pedro, especialmente sem a bola.

Com a bola, o cara pode acertar ou errar. E, no Brasil, costumamos avaliar um jogador somente pelo que ele faz com a bola nos pés. O gol que meteu, o gol que perdeu. O futebol é mais que isso (adoro essa frase). Pedro trabalha demais pelo time, marcando de forma profunda, como um lateral, e rapidamente saindo para o jogo quando o time tem a bola. Não são muitos os jogadores que aceitam correr tanto sem a bola e sem a perspectiva de recebê-la, somente pela função tática de abrir o campo e espaço para os companheiros. Pedro é incansável. Pela direita, pela esquerda, quebrando impedimentos e marcando o adversário. Percorre largas faixas de campo.

Esse é o futebol total.

Contra a Itália, a Espanha é favorita, claro que é. Meteu 4 na final da Eurocopa no que tenha sido, talvez, o maior jogo dessa geração. Para a Itália, os desfalques podem ser decisivos e sem alguns jogadores (especialmente Pirlo) a tarefa fica ainda mais perto do impossível. "Pirlo é um dos grandes deles", constatou Vicente Del Bosque aqui em Fortaleza. Nem precisava.

A Itália levou 8 gols em 3 jogos, é muita coisa. O sistema de Prandelli é ousado, bonito, mas a Itália está defendendo mal. Se não corrigir o problema até quinta-feira, a Espanha passará por cima.

 

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.