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Julio Gomes

Galo unidimensional de Cuca precisa diminuir peso da sorte

Julio Gomes

31/05/2013 04h53

Para falar do jogo do Galo, quero começar com o técnico do Vasco. "Nada a ver", estarão pensando os amigos leitores. Tem a ver. É coisa curta, só uma frase. Ontem, entrevistei Paulo Autuori em uma bela conversa de uma hora sobre futebol. Como falamos pouco de futebol! Já perceberam? Falamos muito dos títulos de cada time, colocamos muitos adjetivos para jogadores e lances. Árbitros, então, são os preferidos. Mas falamos pouco do jogo.

E, nesse papo, Autuori soltou uma frase que ficou guardada comigo. "Mais importante do que vencer é saber como e por que você venceu".

Estávamos, àquela altura, discutindo se, para o futebol brasileiro, é bom ou ruim ganhar Copas do Mundo. Vejam bem, não estávamos falando de bom ou ruim em termos de alegria e satisfação mas, sim, de efeitos práticos para o desenvolvimento da prática esportiva em nosso país. A frase fez parte de uma resposta mais complexa, que não vem ao caso detalhar.

Mas, basicamente, o que Autuori, um dos caras mais brilhantes e conscientes em nosso futebol, me disse foi: claro que é sempre bom ganhar. Desde que você entenda o contexto todo daquilo e saiba manter os pés no chão, sem deslumbres.

O Atlético Mineiro precisa entender como venceu a eliminatória contra o Tijuana. Se não entender, se não perceber o tamanho da sorte que teve a seu lado e achar que está tudo bem, não ganhará a Libertadores. Sorte, diga-se, que já havia sorrido no Morumbi nos gols perdidos por Ademilson e na expulsão infantil de Lúcio. Todo time campeão precisa de sorte, mas ela não pode ter esse peso todo.

A boa notícia? Há tempo de sobra para isso. Há tempo para descansar, trabalhar e achar soluções melhores do que a sorte.

O primeiro jogo, o do México, foi dissecado por mim no último post que escrevi em meu antigo blog, antes de vir para o UOL. É só clicar aqui e ler para entender.

Lá, o Galo foi dominado taticamente e demorou todo um primeiro tempo para reagir. Contou com um erro grotesco de posicionamento defensivo do Tijuana para fazer seu gol em um escanteio. Depois, o gramado, considerado por muitos o grande vilão daquela atuação (não por mim), traiu o zagueiro mexicano no lance em que Luan empatou.

O gramado não virou natural no segundo tempo em Tijuana. E o gramado não virou artificial no Independência, onde o Atlético mais uma vez foi superado pelo adversário.

Tecnicamente, o Galo é bastante superior ao Tijuana. Não é pouco, é muita coisa. Em termos de vontade e motivação, possivelmente os dois times se igualaram. Psicologicamente, o Tijuana teve pequena vantagem por ser o franco atirador da eliminatória, contra um time com jogadores que se viam em situação inédita e de forte pressão.

Mas, de todos os fatores, o que mais influenciou a eliminatória dramática foi o tático. O time mexicano apresentou, ao longo de 180 minutos, quatro ou cinco formações diferentes. Muitas variáveis, muitas maneiras de encarar o jogo, com ou sem substituições para iniciar os movimentos. Já o Atlético foi um time de apenas uma cara.

Times com só um jeito de jogar viram rapidamente presas fáceis. Porque hoje em dia há muito estudo no futebol, há muitos serviços online de scout, um treinador competente e atualizado consegue anular os pontos fortes do outro time e tem uma enorme vantagem ao saber que nada "diferente" irá acontecer para ser um antídoto do antídoto.

O Galo atacou mais que o Tijuana em BH? Claro que sim. Está no DNA do time, é um time ofensivo tanto na escalação quanto na atitude. Uma estratégia, a meu ver, extremamente arriscada. Mas foi o Tijuana quem definiu como seria o jogo o tempo todo. Atacar mais não significa jogar melhor. O sistema de marcação fazia a bola queimar nos pés do Atlético, Ronaldinho ficou praticamente sem aparecer por 180 minutos, e as chances de gol do time mexicano, por incrível que pareça, foram mais claras. Com menos, fez mais.

Houve duas chances antes do 1 a 0. Aí o Galo, afoito e impreciso, voltou a se encontrar com um gol de bola parada daqueles de matar técnico do coração. Tem time que comete dez erros no mesmo jogo, e isso não dá em nada. O Tijuana cometeu dois erros graves em bolas paradas, um em cada jogo. Os dois acabaram em gols importantíssimos e em momentos-chave. Bom para o Galo.

No segundo tempo, com 1 a 1, o Atlético manteve uma característica de jogo que certamente passará fatura, caso não seja corrigida muito rapidamente. Sem a bola, o time se quebra em dois. Os quatro da frente praticamente não pressionam nem participam da marcação, ficam muito distantes dos seis de trás. É um espaço enorme entre linhas, que dá campo demais ao adversário.

Mesmo um time fraco tecnicamente, como o Tijuana, conseguiu colocar o Atlético contra as cordas. E das mais variadas maneiras. Às vezes, tocando a bola na intermediária (livre) e buscando espaços. Às vezes, pelos lados. E, muitas vezes, com chutões e lançamentos. Incrivelmente, quase todos viraram lances de gol, o que evidencia problemas defensivos graves (na ação, nas coberturas e na fundamental segunda bola). Aliás, fica muito difícil ter cobertura quando o outro time ataca com 5, 6, 7 jogadores e você tem os mesmos 6 de sempre correndo lá atrás.

O Atlético precisava ter variações de jogo ontem para poder evitar o sufoco. Variações de posicionamento ou mesmo de escalação. Fiquei estupefato quando, faltando 5 minutos para acabar o jogo, entrou Alecsandro no lugar de Jô. Caramba, não havia algum jogador defensivo? Será que um jogador de proteção na sobra não teria evitado o pênalti bobo feito por Leonardo Silva? Talvez até tivesse cortado o chutão que originou aquele lance! São detalhes que podem decidir um campeonato.

O fator Victor, esse sim, não é um fator sorte. Victor está lá para fazer o que fez. É um grandíssimo goleiro (para mim, de seleção) e foi o homem decisivo da eliminatória. Todos se lembrarão do pênalti, mas no finalzinho ele já havia parado um impressionante mano a mano. Impressionante em todos os sentidos – pela defesaça e pelo fato de, no fim do jogo, com o resultado nas mãos, um time levar um dois contra um como aquele.

Fiquei decepcionado demais com o Galo e com Cuca na eliminatória. Gosto muito do discurso de Cuca, e só posso falar do discurso, pois não o conheço pessoalmente. Acho uma enorme besteira esse papinho todo de azarado, de isso e aquilo. Minha crítica é fundamentada tão somente na ausência de variações e alternativas de um time que é, sim, muito bom e muito bem montado. Mas que precisa ir além disso.

Há outro fator importante e não estou me esquecendo dele. O Atlético mostra sinais claros de estafa física (aliás, a presença de titulares contra o Coritiba não deve ter contribuído em nada). Fato, mas não pode servir de desculpa.

Se o confronto contra o Newell's Old Boys fosse na semana que vem, eu colocaria o time argentino como ligeiro favorito. Pelo desgaste do Galo, pela vantagem tática e por ser melhor do que o Tijuana – sempre bom lembrar que é o atual virtual campeão argentino.

No entanto, há um enorme, gigantesco fator de ajuda ao Atlético: a pausa de um mês da Libertadores. É tempo de sobra para recuperar os jogadores fisicamente e, o principal, dissecar os modelos de jogo do Newell's e encontrar não uma, mas duas, três, quatro, cinco alternativas a eles. Com jogadores diferentes em campo, com posicionamentos, com campo mais aberto ou menos, com linhas mais juntas ou espalhadas. Enfim.

Isso é missão para o treinador e auxiliares. Em julho, descobriremos se Cuca terá conseguido elevar o seu trabalho e, como consequência, o jogo de seu time, a uma nova dimensão. Hoje, o Galo tem a torcida mais espetacular de todas, é forte, é brigador… mas é unidimensional.

 

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.