Topo

Julio Gomes

Como seria o VAR dos meus sonhos

Julio Gomes

12/10/2019 06h00

O VAR é um inferno. Não tem jeito. Os defensores podem ficar dando murro em ponta de faca. Em regra, os defensores não vão em estádio. Eu vou pouco hoje em dia. Mas converso muito com quem vai. Todo mundo odeia.

Eu achava inacreditável alguém ser contra o uso da tecnologia no futebol. Mas eu mudei de ideia. Porque vejo, na prática, que a mudança não trouxe necessariamente justiça – em troca, ela atingiu a alma do jogo.

Eu nunca pensei (e aplaudo quem anteviu, como o colega Arnaldo Ribeiro) que o VAR fosse mudar tanto a dinâmica de uma partida de futebol. Não falo só da demora para analisar imagens, é muito mais que isso. É a eternidade para quem está na arquibancada; é a maneira como o jogo morre, matando o ritmo de uma ou ambas as equipes e podendo até gerar lesões em jogadores, que esfriam a musculatura; e é, sobretudo, a mudança gerada na atitude de jogadores em campo.

E isso acontece mais no Brasil do que na Europa.

Nas Europa, talvez a mudança não tenha sido tão drástica. Mas aqui temos vários fatores que transformam em caótico o advento do VAR.

A má qualidade dos árbitros; a relação entre eles, fazendo com que às vezes o VAR seja "chefe" do árbitro de campo, às vezes ignorado pelo mesmo; a falta de critérios; e, claro, o pior de tudo: somos um país que enxerga faltinha e irregularidade em tudo.

Na prática, o VAR no Brasil se transformou em um caça faltinhas, um caça pênaltis, um caça cartões. Um inferno.

Como seria o VAR dos meus sonhos? Seria assim:

O uso da tecnologia só se daria em lances em que não há qualquer tipo de interpretação envolvida. 200% objetivo: lances de impedimento, lances em que cartões são dados para jogador errado, lances de pênalti em que a falta pode ter sido dentro ou fora da área; lances de mão na bola dentro da área em que não haja margem de interpretação.

O árbitro de vídeo (VAR) torna-se "chefe" nestes lances. Se ele falar para o árbitro de campo que foi isso ou aquilo, a ordem tem que ser cumprida. Não há a necessidade de ir ao monitor, é o VAR que avisa se houve ou não impedimento, se foi falta ou pênalti, se o lance de mão é faltoso. E ponto final.

Assim, já seriam evitados quase todos os lances de injustiça e de escândalos no futebol.

O resto, pênaltis por falta, cartões amarelos ou vermelhos, tudo isso, fica por conta do árbitro no campo, sem interferência externa alguma. Não viu ou errou? Azar, paciência. Nada de ficar caçando pêlo em ovo em câmera lenta.

Se pegarmos a última rodada do Brasileiro, apenas alguns lances pontuais: o gol de Marinho contra o Palmeiras teria VAR para corrigir o impedimento dado pelo bandeira; o pênalti que seria dado para o Athletico-PR, que foi falta fora da área, seria corrigido em Itaquera; mas as faltas de Willian (vermelho) e Robinho (gol do Cruzeiro anulado) não seriam revistas. Assim simples. Lances objetivos, SIM. Lances interpretativos, NÃO.

Querem incrementar? OK.

Cada técnico tem direito a dois desafios para um lance de interpretação. Pode ser em qualquer lugar do campo, em qualquer situação. Uma falta, um pênalti, até um lateral ou um escanteio. Qualquer coisa que seja. Se aconteceu um lance em que o árbitro desagradou, o técnico tem direito de obrigá-lo a ir ao monitor. Ele explica o que está errado e o árbitro confere. E, neste caso, ninguém pode falar nada no ouvido do árbitro, o VAR fica quietinho. Ele assiste, toma a decisão e acabou. Se o técnico teve o desafio acatado ou não, não importa, tem direito a dois no jogo e ponto final.

Que tal assim?

Chega deste intervencionismo absurdo que está acontecendo, matando a dinâmica do jogo.

É lance puramente objetivo? O VAR decide e informa, o árbitro de campo apenas cumpre. O técnico quer que algum lance seja revisto? Ele pode escolher.

Gostam? Teríamos as injustiças objetivas resolvidas e os lances discutíveis seguiriam sendo o que sempre foram antes do VAR e continuam sendo após o VAR: discutíveis. Mas sem matar nosso joguinho.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.