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Julio Gomes

VAR na América do Sul: a piora do que já era péssimo

Julio Gomes

21/06/2019 21h45

O VAR no futebol sempre foi, no meu ponto de vista, daquelas coisas indiscutíveis. Um dia, mandei uma mensagem para o amigo Arnaldo Ribeiro, o líder da "bancada anti-VAR" do jornalismo mundial, dizendo: "escolha outra guerra, amigo, essa é murro em ponta de faca".

Desculpe, Arnaldo, você tinha razão.

A necessidade do árbitro de vídeo no futebol segue sendo, a meu ver, clara. O problema é exigir de quem nunca soube usar o apito no campo sabedoria com o apito de vídeo.

Teremos alguns acertos importantes? Sim. Mas a dinâmica do jogo está completamente comprometida e, o pior, os caras erram muito até com vídeo!

O protocolo do VAR é muito claro e a orientação da Fifa é muito clara: o árbitro de campo tem que apitar como se não houvesse revisão. E o árbitro de vídeo só chama pelo rádio se algum erro MUITO grande acontecer.

A prática: o árbitro de campo apita já sabendo que, em lances de dúvida, poderá "escolher" uma decisão a tomar mais tarde, com o monitor. Apita (ou não apita) e põe a mão no ouvido. É a senha. E o árbitro de vídeo latino-americano é um sujeito cheio de opiniões e quer que o mundo inteiro saiba sobre todas elas. Junte as duas coisas e pronto… tragédia anunciada.

"Ah Julio, seu vira-lata, não perde uma chance de diferenciar europeus de sul-americanos!"

O que posso fazer? O VAR gerou alguma confusão inicial nos países em que começou a ser usado, Alemanha e Portugal. Mas já está sendo adotado em todos os lugares e não causa os mesmos problemas que aqui. Claro que tem uma coisa ou outra, um erro ou outro de uso, mas essencialmente o conceito é respeitado: VAR somente para evitar erros gigantes, não para reapitar o jogo.

Em poucos meses de VAR no Brasil e na América do Sul, o que vemos é o "festival do reapito". Diversos lances de interpretação sendo revisados. E o pior: como são lances de interpretação e os árbitros são essencialmente ruins, a coisa demora anos. Quatro, cinco, dez minutos.

Nesta sexta à noite, em Salvador, tivemos Chile x Equador pela Copa América. Patricio Loustau, árbitro argentino, é Fifa desde 2011. Supostamente, dos melhores. O árbitro de vídeo era Wilmar Roldán, colombiano, Fifa desde 2008, duas Copas do Mundo nas costas.

Um lance trivial neste jogo mostra bem o desastre geral.

Primeiro, Loustau não mostra amarelo ao goleiro Arias, do Chile, no lance do pênalti que originou o gol do Equador. Depois, Arias sai da área de forma atabalhoada e, talvez, acerte sem bola o equatoriano Ibarra.

Loustau não apita nada. Na minha opinião, de forma correta. O goleiro não parece acertar o equatoriano, talvez apenas resvale. O fato é que ele vê o lance e toma a decisão no campo. Por que raios Roldán resolve chamá-lo para rever o lance?

Será que, com a imagem de vídeo, Roldán tem essa certeza absoluta toda de que Arias acertou o equatoriano e deveria ser expulso? É claro que não, porque o vídeo não é claro. O colombiano NUNCA deveria ter chamado o árbitro argentino para re-apitar o lance. Nunca deveria ter gerado a dúvida na cabeça de seu colega de profissão.

Não é a primeira vez que vemos algo assim. No Brasil, já houve alguns casos de árbitros de vídeo mais experientes atrapalhando o trabalho dos árbitros de campo.

Cinco minutos depois, Loustau volta a campo, apita a falta e dá amarelo a Arias. Oras, se ele viu falta no lance, deveria ter dado vermelho! (se tivesse dado o amarelo pelo pênalti cometido por Arias pouco antes, será que teria mostrado o segundo amarelo?).

Cinco minutos para um lance de nenhuma clareza e nenhuma relevância.

Quantas vezes já vimos isso na Copa América? Revisões demoradas e decisões erradas. Se quisermos, podemos expandir para a Libertadores. Lembram da expulsão de Dedé na Bombonera?

Os árbitro sul-americanos são ruins, mal treinados, amadores e as federações locais não fazem nada para ter um corpo coerente e que apite sempre do mesmo jeito. O VAR não é uma máquina que pensa artificialmente. Ele vai ser comandado pelos mesmos árbitros ruins, mal treinadores, amadores e, às vezes, loucos para aparecer. É metralhadora na mão de macaco, não vai sair coisa boa.

O conceito de "rever erros claros" já foi jogado no lixo faz tempo. Os caras estão reinterpretando tudo, reapitando os jogos, "escolhendo" decisões em lances difíceis, que nem deveriam ser revisados. É uma canseira atrás da outra.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.