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Julio Gomes

Se São Paulo aposta mesmo em Jardine, não deveria rifá-lo

Julio Gomes

14/11/2018 15h30

Imaginem que uma equipe de Fórmula 1 tenha encontrado um talento a ser lapidado no kart, em uma corrida aleatória disputada em Interlagos. Ela contrata o garoto, dá apoio à família, preserva sua joia e faz de tudo para que o aprendizado ocorra da maneira mais suave possível.

O rapaz vai se desenvolvendo pouco a pouco. Ganha muitas corridas no kart e nas F-qualquer-coisa, ganha títulos, acompanha de perto o trabalho dos pilotos principais na Fórmula 1. Aprende, erra, aprende, ganha, aprende, chora, aprende, comemora. E vai chegando a hora dele, o momento de assumir o volante na categoria máxima.

A equipe já tem tudo planejado para que ele seja o piloto em 2019. Mas aí, para garantir um orçamento maior, a equipe precisa conquistar um pódio na última corrida do ano, no dificílimo circuito de rua de Mônaco, um circuito tão diferente do resto que nem é possível treinar nele, as simulações não são fieis.

O dono da equipe vai lá até o piloto e diz. "Fulano, você vai estrear ainda em 2018. Chegue ao pódio em Mônaco que a vaga no ano que vem será tua. Não chegue e… já veremos".

Ou seja, tudo o que o rapaz fez e aprendeu ao longo dos anos precisa ser referendado por um resultado improvável. Senão, se concluirá que ele não presta.

E aí, você acha essa situação hipotética inteligente? Justa? Você acha que a equipe acerta ao arriscar seu talento, que levou tantos anos a ser preparado?

Agora troque "a equipe" por São Paulo. E o hipotético piloto por André Jardine. A tal corrida de Mônaco são as cinco rodadas finais do Campeonato Brasileiro.

Não vou discutir a demissão de Aguirre. O São Paulo é um clube que nitidamente não sabe o que quer em termos de futebol. Ir de Osorio a Bauza a Ceni a Dorival a Aguirre a Jardine… não há um fio condutor.

Há trocas de técnico que dão certo, há outras que dão errado. Mas o que não pode dar certo nunca é trocar por trocar, sem um norte, sem saber exatamente o que se quer ser. Pode até ser conquistado um objetivo imediato, mas nunca funcionará no longo prazo.

Se o São Paulo não confiava em Aguirre para o ano que vem e o futuro, que troque. Não é um absurdo. Realmente, um fato novo pode resultar no time dentro do G4, em vez de fora.

Agora, colocar Jardine nessa situação é inteligente?

E se as coisas derem errado e o São Paulo acabar em quinto lugar? Aí você fica sem a vaga direta na Libertadores e sem técnico para o ano que vem. Porque, como todos sabemos, é assim que a banda toca.

Se Leco e o São Paulo confiam tanto em Jardine para colocar o projeto nas mãos dele, deveriam esperar mais um pouquinho e não expor o profissional neste momento, de time desencontrado e vestiário fragmentado. Tudo o que ele fez fora e dentro do clube ao longo da carreira se resumirá a cinco jogos. O julgamento será todo feito em cima de cinco jogos.

É justo? É inteligente?

 

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.