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Julio Gomes

Por que o Flamengo não ganha nada?

Julio Gomes

05/11/2018 04h00

"Que baita contratação a do Flamengo. Diego Alves é um goleiraço. Vem dinastia por aí. Pro Flamengo ganhar tudo é só questão de tempo".

Este infeliz tweet foi escrito por mim mesmo, no dia 17 de julho do ano passado. Desde então, ele me assombra.

É claro que não perco um minuto de sono por causa dele. Mas não há uma maldita derrota do Flamengo desde então que não gere alguns "kkkk", "hahahaha", "esperando a dinastia…", "apaga que dá tempo" ou "meu tweet predileto" passando pela minha timeline.

Eu me divirto! Fico imaginando a falta do que fazer das pessoas que aguardam uma derrota do Flamengo para me lembrar da péssima previsão.

E vejam. Não dá para dizer que uma dinastia não aconteceu (e muito menos que aconteceu) após um ano. Eu poderia ser cornetado pelo tweet daqui uns anos… mas agora? Assim tão rápido?

Só que aí Diego Alves, que eu realmente acho um goleiraço e nunca havia dado muitas pistas de egocentrismo, faz o que fez. Pode até vir dinastia, mas não será com ele no gol… hehe. Então, OK, está na hora de falar deste meu tweet e sobre o Flamengo.

Qualquer pessoa com mais de 10 anos de idade cresceu ouvindo. "A hora que o Flamengo se organizar, não vai ter para ninguém…"

O clube sempre foi sinônimo de bagunça, má gestão e descaso com as contas. Pois bem, o Flamengo se organizou. Ninguém pode tirar esse mérito dos seis anos de Eduardo Bandeira de Mello na presidência.

Pagou dívidas, modernizou as condições de treinamento, fez bons acordos financeiros. Uma potência como o Flamengo, com dinheiro para gastar, poderia, sim, criar uma dinastia.

Só que a gestão esportiva foi simplesmente muito ruim.

O jornalista e amigo Mauro Cezar Pereira, da ESPN, com muitas fontes dentro do clube, relata o excesso de paternalismo e a falta de um comando firme no ambiente interno.

As trocas de treinadores tiveram pouca coerência. O episódio do início do ano – em que o Flamengo ficou no escuro sobre Rueda para, então, efetivar um Carpegiani, que havia chegado para fazer outra coisa, e logo depois demiti-lo por insucesso no Estadual – mostra como o clube atuou mal em seu departamento de futebol.

As contratações parecem ter sido muito mais baseadas em nomes e oportunidades de mercado. Populismo puro. Agrada, gera elogios na imprensa "especializada" (muitas vezes torcedora) e faz o torcedor se sentir bem.

Exemplo disso: o ex-diretor Rodrigo Caetano tendo seu nome cantado por torcedores no aeroporto, quando o clube contratou Éverton Ribeiro. Onde já se viu tamanha homenagem a alguém que nem entra em campo?

Um bom elenco não sai de contratações assim. É preciso pensar no elenco como um todo. Não só com dois jogadores para cada posição (o Flamengo tampouco tem isso), mas com jogadores que se encaixem e que tenham o perfil necessário para um determinado jeito de jogar que o clube entenda ser o melhor.

No ano passado, o Flamengo não tinha um goleiro de nível minimamente razoável, o que foi notado na Copa do Brasil. Gastou dinheiro e tempo com Guerrero. Neste ano, pouco se esforçou para segurar Vinícius Jr até o fim do ano. No banco de reservas e ganhando um belo salário estão Henrique Dourado e Geuvânio – alguém tinha visto esses caras jogarem? As laterais são posições críticas. Agora, o gol volta a ser um pepino.

Nos seis anos de Bandeira de Mello, o Flamengo ganhou uma Copa do Brasil (2013) e dois Cariocas (hoje, o Estadual é pouco para o Flamengo e, além do mais, dadas as condições financeiras de Vasco, Fluminense e Botafogo, o Flamengo deveria ganhar o Carioca todos os anos).

O clube colecionou fracassos (às vezes, papelões) na Libertadores e até na Sul-Americana. E, no Brasileiro, não é que esteja exatamente passando perto de ser campeão todo ano. O "cheirinho" e o "deixou chegar" viraram motivo para piada.

Talvez eu tenha exagerado ao falar em "dinastia" naquele tweet do ano passado. Em nosso futebol, tão nivelado, com tantas camisas pesadas e com este calendário ridículo, é difícil imaginar um clube criando algum tipo de supremacia. Ganhar Brasileiro e Copa do Brasil segue sendo coisa de um time só, o Cruzeiro do longínquo ano de 2003.

Mesmo soberanias com a do Palmeiras, nos anos 90, do São Paulo, nos anos 2000, e do Corinthians, nesta segunda década do novo milênio, são intermitentes e curtas.

OK, admito. Diego Alves não iria mudar, como não mudou, o patamar do Flamengo. Não vai vir dinastia alguma. Agora, não ganhar nada… NA-DA… é, sim, surpreendente.

Tempos melhores podem e devem vir ao Flamengo. Mas gente do futebol e que entenda de futebol precisa estar no comando. Mesmo aqui no Brasil, ganhar não é para amadores.

 

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.