Europeus precisam fazer algo para criar imprevisibilidade
Falar que as ligas europeias estão em declínio pode parecer um devaneio. Estádios cheios, muito dinheiro envolvido, os maiores craques do futebol mundial, grandes salários e volume de dinheiro em transferências. O interesse global é inegável. Mas, se olharmos com lupa, tem algo que não está certo. E que fatalmente vai exigir mudanças no futuro próximo. A previsibilidade.
Neste fim de semana, começam os campeonatos na Inglaterra e na França. Semana que vem, Espanha, Itália e Alemanha. São as cinco ligas domésticas mais importantes da Europa. Se você quiser apostar agora em Manchester City, PSG, Barcelona, Juventus e Bayern de Munique campeões nacionais, a chance de acerto beira os 100%.
O único risco maiorzinho aí é apostar no Barça. Afinal, o Real Madrid, mesmo em transição e sem Cristiano Ronaldo, está no mesmo campeonato. Mas os outros quatro… é difícil, muito difícil, quase impossível, imaginar que um deles não será campeão.
Vivemos a era das grandes potências. O que ela tem gerado? Na Champions League, uma fase de grupos monótona e previsível. E um mata-mata espetacular, porque é quando, afinal, esses times todos se enfrentam. E, no mata-mata, os (um pouco) mais fracos podem superar os mais fortes. Como aconteceu na temporada passada, com o Liverpool eliminando o Manchester City (no Campeonato Inglês, o City ficou 25 pontos na frente do Liverpool, o que dá a dimensão da diferença entre os times).
O espetacular mata-mata envolvendo todas as potências europeias nos faz pensar que tudo está bem. Poucos notam que, em fevereiro/março, quando começam estes confrontos, as ligas domésticas estão todas resolvidas. Até por isso é raro vermos lá debates sobre poupar ou não poupar jogadores, um debate que pega fogo aqui no Brasil nestes dias.
Quando olhamos os jogos dos timaços e os clássicos domésticos na TV nos fins de semana, parece que as ligas domésticas europeias são só alegria. Mas, fora de Inglaterra e Alemanha, tem muito estádio vazio e jogo despertando interesse zero
Apenas como medida do tamanho do favoritismo dos times citados em suas ligas domésticas, o blog foi buscar em site de apostas (o Bet365) as cotações para títulos neste início de temporada. Os números abaixo se referem ao valor retornado para cada unidade apostada. Se o apostador colocar 1 dólar no título da Juventus na Itália, por exemplo, irá receber como retorno 1,40 dólar.
Compare as cotações da Champions League (imprevisibilidade total) com as ligas domésticas (previsibilidade máxima):
Champions League: Man City 6,50, Barcelona 7, Juventus 7, Bayern 8, PSG 8, Real 8, Liverpool 12, Atlético de Madrid 15, Manchester United 15.
Inglês: Manchester City 1,66, Liverpool 4,50, Manchester United 11
Espanhol: Barcelona 1,75, Real Madrid 2,62, Atlético de Madrid 9,50
Italiano: Juventus 1,40, Inter 7,50, Napoli 8
Alemão: Bayern de Munique 1,16, Borussia Dortmund 6,50, Leipzig 29
Francês: PSG 1,11, Lyon e Marselha 13
Percebam que um título europeu do Atlético de Madrid ou do Manchester United tem retorno próximo a um título doméstico destes dois. No Bet365, todos os campeonatos acima, exceto o espanhol, tem a possibilidade extra para o apostador adivinhar o "campeão do resto". Ou seja, Inglês sem City, Italiano sem Juventus, Alemão sem Bayern, Francês sem PSG.
Andei conversando com muitos jornalistas e amigos europeus sobre isso nestes dois meses que acabo de passar na Europa. Não há movimento algum para mudar o estado das coisas. Mas todos concordaram que a chatice das ligas domésticas é tremenda e vai, mais cedo ou mais tarde, exigir mudanças.
Não é normal que o PSG ganhe as três competições domésticas na França e a temporada seja considerada um fracasso, pela derrota na Champions. Não é normal o Barça conseguir tantos dobletes na Espanha, coisa que era raríssima no passado, e pouca gente dar bola para isso.
Não é novidade que historicamente alguns times dominam algumas ligas. Mas nunca foi tão fácil, tão previsível. O abismo entre o Bayern e o resto do pacote, hoje, não é muito menor do que o abismo entre o Bayern e os times sul-americanos, por exemplo.
Um alto dirigente da Juventus já andou falando, recentemente, sobre diminuir as ligas domésticas e criar uma Champions League com grupos maiores antes do mata-mata, mais datas europeias, mais confrontos entre os grandes.
Este é um caminho mais realista, me parece, do que outros, do tipo criar mata-matas nas ligas domésticas ou então tetos orçamentários para diminuir o abismo – que é a fórmula encontrada nos esportes americanos, entre outros mecanismos.
A distribuição mais justa de dinheiro cria, na Premier League inglesa, uma situação de times médios e pequenos mais fortes, mais competitividade rodada após rodada. O domínio do City no ano passado (e possivelmente neste) não é corriqueiro. Mas a Premier League é a exceção que comprova a regra.
O futebol brasileiro vive realidade oposta à das ligas europeias. Por aqui está tudo tão errado (calendário, amadorismo, etc), mas tão errado, que, mesmo com as diferenças bizarras de dinheiro recebidas pelos clubes de Série A, a imprevisibilidade é a grande marca do nosso futebol. É ruim, mas é bom. Os espetáculos são, em sua maioria, uma tristeza. Mas não saber quem vai ganhar é um componente muito importante de qualquer disputa esportiva.
Não há nada o que possamos ensinar aos europeus. A imprevisibilidade daqui é decorrência de problemas, não de alguma solução. Mais cedo ou mais tarde, no entanto, eles terão de fazer alguma coisa.
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