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Julio Gomes

Europeus precisam fazer algo para criar imprevisibilidade

Julio Gomes

11/08/2018 11h18

Falar que as ligas europeias estão em declínio pode parecer um devaneio. Estádios cheios, muito dinheiro envolvido, os maiores craques do futebol mundial, grandes salários e volume de dinheiro em transferências. O interesse global é inegável. Mas, se olharmos com lupa, tem algo que não está certo. E que fatalmente vai exigir mudanças no futuro próximo. A previsibilidade.

Neste fim de semana, começam os campeonatos na Inglaterra e na França. Semana que vem, Espanha, Itália e Alemanha. São as cinco ligas domésticas mais importantes da Europa. Se você quiser apostar agora em Manchester City, PSG, Barcelona, Juventus e Bayern de Munique campeões nacionais, a chance de acerto beira os 100%.

O único risco maiorzinho aí é apostar no Barça. Afinal, o Real Madrid, mesmo em transição e sem Cristiano Ronaldo, está no mesmo campeonato. Mas os outros quatro… é difícil, muito difícil, quase impossível, imaginar que um deles não será campeão.

Vivemos a era das grandes potências. O que ela tem gerado? Na Champions League, uma fase de grupos monótona e previsível. E um mata-mata espetacular, porque é quando, afinal, esses times todos se enfrentam. E, no mata-mata, os (um pouco) mais fracos podem superar os mais fortes. Como aconteceu na temporada passada, com o Liverpool eliminando o Manchester City (no Campeonato Inglês, o City ficou 25 pontos na frente do Liverpool, o que dá a dimensão da diferença entre os times).

O espetacular mata-mata envolvendo todas as potências europeias nos faz pensar que tudo está bem. Poucos notam que, em fevereiro/março, quando começam estes confrontos, as ligas domésticas estão todas resolvidas. Até por isso é raro vermos lá debates sobre poupar ou não poupar jogadores, um debate que pega fogo aqui no Brasil nestes dias.

Quando olhamos os jogos dos timaços e os clássicos domésticos na TV nos fins de semana, parece que as ligas domésticas europeias são só alegria. Mas, fora de Inglaterra e Alemanha, tem muito estádio vazio e jogo despertando interesse zero

Apenas como medida do tamanho do favoritismo dos times citados em suas ligas domésticas, o blog foi buscar em site de apostas (o Bet365) as cotações para títulos neste início de temporada. Os números abaixo se referem ao valor retornado para cada unidade apostada. Se o apostador colocar 1 dólar no título da Juventus na Itália, por exemplo, irá receber como retorno 1,40 dólar.

Compare as cotações da Champions League (imprevisibilidade total) com as ligas domésticas (previsibilidade máxima):

Champions League: Man City 6,50, Barcelona 7, Juventus 7, Bayern 8, PSG 8, Real 8, Liverpool 12, Atlético de Madrid 15, Manchester United 15.

Inglês: Manchester City 1,66, Liverpool 4,50, Manchester United 11

Espanhol: Barcelona 1,75, Real Madrid 2,62, Atlético de Madrid 9,50

Italiano: Juventus 1,40, Inter 7,50, Napoli 8

Alemão: Bayern de Munique 1,16, Borussia Dortmund 6,50, Leipzig 29

Francês: PSG 1,11, Lyon e Marselha 13

Percebam que um título europeu do Atlético de Madrid ou do Manchester United tem retorno próximo a um título doméstico destes dois. No Bet365, todos os campeonatos acima, exceto o espanhol, tem a possibilidade extra para o apostador adivinhar o "campeão do resto". Ou seja, Inglês sem City, Italiano sem Juventus, Alemão sem Bayern, Francês sem PSG.

Andei conversando com muitos jornalistas e amigos europeus sobre isso nestes dois meses que acabo de passar na Europa. Não há movimento algum para mudar o estado das coisas. Mas todos concordaram que a chatice das ligas domésticas é tremenda e vai, mais cedo ou mais tarde, exigir mudanças.

Não é normal que o PSG ganhe as três competições domésticas na França e a temporada seja considerada um fracasso, pela derrota na Champions. Não é normal o Barça conseguir tantos dobletes na Espanha, coisa que era raríssima no passado, e pouca gente dar bola para isso.

Não é novidade que historicamente alguns times dominam algumas ligas. Mas nunca foi tão fácil, tão previsível. O abismo entre o Bayern e o resto do pacote, hoje, não é muito menor do que o abismo entre o Bayern e os times sul-americanos, por exemplo.

Um alto dirigente da Juventus já andou falando, recentemente, sobre diminuir as ligas domésticas e criar uma Champions League com grupos maiores antes do mata-mata, mais datas europeias, mais confrontos entre os grandes.

Este é um caminho mais realista, me parece, do que outros, do tipo criar mata-matas nas ligas domésticas ou então tetos orçamentários para diminuir o abismo – que é a fórmula encontrada nos esportes americanos, entre outros mecanismos.

A distribuição mais justa de dinheiro cria, na Premier League inglesa, uma situação de times médios e pequenos mais fortes, mais competitividade rodada após rodada. O domínio do City no ano passado (e possivelmente neste) não é corriqueiro. Mas a Premier League é a exceção que comprova a regra.

O futebol brasileiro vive realidade oposta à das ligas europeias. Por aqui está tudo tão errado (calendário, amadorismo, etc), mas tão errado, que, mesmo com as diferenças bizarras de dinheiro recebidas pelos clubes de Série A, a imprevisibilidade é a grande marca do nosso futebol. É ruim, mas é bom. Os espetáculos são, em sua maioria, uma tristeza. Mas não saber quem vai ganhar é um componente muito importante de qualquer disputa esportiva.

Não há nada o que possamos ensinar aos europeus. A imprevisibilidade daqui é decorrência de problemas, não de alguma solução. Mais cedo ou mais tarde, no entanto, eles terão de fazer alguma coisa.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.