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Julio Gomes

Neymar brilhou e fez mais pelo pôquer do que pelos próprios times

Julio Gomes

26/07/2018 05h00

Neymar foi a ilustre presença no evento de São Paulo do BSOP, a Brazilian Series of Poker, neste mês de julho. Ontem, encerrou sua participação chegando em sexto lugar em um torneio High Roller – que são os que têm entrada mais cara, portanto reúnem também uma quantidade maior de profissionais.

Antes de mais nada, é preciso explicar a quem não conhece muito de pôquer algumas coisas. O pôquer não é jogo de azar, é um esporte de mente. O pôquer é um jogo ultrademocrático, pois todos os participantes entram em cada torneio, do mais caro ao mais barato, com as exatas mesmas condições – teus feitos passados só te dão uma coisa: respeito. Nada mais.

O BSOP, com etapas espalhadas pelo Brasil todo, é um evento milionário, muito bem administrado e organizado, e que reúne milhares de profissionais e amadores, amantes do esporte. Tudo é perfeitamente legalizado (e taxado). Neymar jogou ombro a ombro com gente que vive do esporte, o resultado obtido por ele é extraordinário, não se consegue com sorte ou nome.

O que significa o prêmio do sexto lugar para Neymar? Nada. E tudo. Nada em termos financeiros, porque um dia de salário dele já é mais do que o prêmio. Mas é tudo em termos de satisfação pessoal. Só quem joga pôquer sabe.

É o desafio de vencer, de ser melhor, de se superar, de estar concentrado para tomar as melhores decisões sempre, é a adrenalina. O pôquer mexe com áreas do nosso cérebro que nem conhecemos. Mesmo para os profissionais, para quem literalmente vive disso, não é o dinheiro o principal motor. Muito menos para amadores como eu ou Neymar ou meu colega de UOL e Bandsports Napoleão de Almeida (fraco, mas esforçado com as fichas na mesa).

O motor é outro. E o sensacional do pôquer é você ter o direito de jogar com quem quiser, o torneio que quiser – creio que o único outro esporte que permita isso seja a corrida de rua, e mesmo assim há, nas maratonas mundo afora, alguma separação física entre profissionais e amadores.

Eu já me sentei na mesa com Petkovic. Com o Rodrigão, do vôlei. Há muitos esportistas e celebridades participante dos grandes torneios de pôquer do Brasil. Mas nada se compara à exposição que traz a presença de Neymar no BSOP.

Uma coisa é gente como ele, Ronaldo ou Nadal fazerem propaganda de site de pôquer. Outra história é o cara se sentar na mesa, jogar, interagir, participar, humanizar. Claro que vai ter gente falando: "Por que não se dedicou assim na Copa? Jogar baralho em vez de treinar?! Coisa de vagabundo!". Os haters serão sempre haters.

Mas o fato é que Neymar "legitima" o esporte participando de um evento como o BSOP. Traz uma incrível publicidade positiva para o pôquer. Ajuda a quebrar resistência e preconceitos disseminados na sociedade. Ele certamente ajudou mais o pôquer brasileiro em 2018 do que a seleção brasileira, o PSG ou a própria carreira. E talvez nem saiba disso.

E, sempre é bom ressaltar, Neymar está de férias.

Ele poderia estar assistindo vídeos de jogos, melhorando aspectos de sua profissão como jogador de futebol? Não somos máquinas. É necessário ter a cabeça limpa e tempo para tudo. Mesmo no dia a dia no clube, como profissional da bola, há muito tempo livre. Tempo suficiente para se dedicar mais à profissão, conhecer sistemas, adversários, manter forma física, etc, e também para estudar o pôquer.

Tem jogador que gosta de tocar bateria, como Cech, que gosta de pintar, como Meunier, que gosta de cozinhar, como Sommer. E tem jogador que gosta de pôquer, como Neymar. Há tempo para tudo isso na vida desses caras.

Aliás, o pôquer é um ótimo ambiente para simulação, exageros e mentiras, muito melhor do que o campo de futebol! Enganar o adversário é a própria essência do jogo. Neste mês de julho, Neymar brilhou muito mais na mesa do que no campo.

Quem me acompanha aqui sabe que, ao mesmo tempo em que o considero um craque espetacular, sou muito crítico a várias facetas da carreira de Neymar. A atitude em campo em relação aos adversários e árbitros precisa ser mais madura e respeitosa. E, essencialmente, me parece uma carreira muito mais gerida em função dos ganhos financeiros do que esportivos. O futebol é um grande negócio, é assim faz tempo. O problema é o peso de uma coisa em relação à outra – e quando uma coisa atrapalha a outra.

Neymar Jr, a quem não conheço pessoalmente, me parece, à distância, um rapaz bastante inteligente. É uma pena que a redoma em volta dele me pareça muito menos brilhante. Mas forte suficiente para mantê-lo aprisionado dentro dela – não o isento de culpa, mas creio que ele seja vítima simultaneamente.

Não é fácil demitir os parças, não é verdade? Não é fácil mudar rumos quando algumas raízes ficaram tão enterradas. Não é fácil mudar algumas atitudes quando o mundo a sua volta te enfeitiça. É uma bolha cada vez mais espessa.

Pensemos em Lewis Hamilton. O pai dele é o pai dele. Sempre será. Mas o pai-empresário foi demitido em 2010. Sábia decisão. Talvez Hamilton, celebridade-parça, tenha algumas coisas a contar para Neymar. Eu também tenho. Talvez um dia, em uma mesa de pôquer.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.