Topo

Julio Gomes

Diário da Copa: O fim do sonho russo

Julio Gomes

08/07/2018 07h24

Lá estava ela na mala. Minha camiseta retrô da União Soviética, versão anos 60, CCCP em branco no pano vermelho. Ficou impossível usar a camisa no Brasil, capaz que cuspam em você na rua em nossos tempos de intolerância política e confusão geral sobre tudo.

No dia da abertura da Copa, fiquei na dúvida sobre se usá-la seria uma boa ideia por aqui. Mas já estou há um mês na Rússia. E percebi que eles não têm problema com o passado soviético.

Então, no histórico dia das quartas de final, em Sochi, era a oportunidade perfeita. Em geral, a camiseta não despertou emoções. Uma velhinha, uma menina mais jovem e um rapaz. Três pessoas, apenas, apontaram para meu peito e me cumprimentaram.

"Esse-esse-esse-ere", disseram. CCCP, em cirílico, se lê SSSR. Não há negação. Tampouco celebração do passado.

Agora, é Rússia. O estádio pulsa.

"Quem, se não vocês? Quando, se não agora?". Era o que se lia nas duas faixas azuis abertas antes do início da partidas, atrás de um dos gols. A Rússia jogava em casa por algo que ninguém esperava.

As faixas são um pequeno exemplo da proporção que havia tomado o confronto contra a Croácia. Uma equipe desacreditada, desprezada, tanto em casa quanto fora, podia chegar a uma semifinal de Copa.

Sochi viveu um sábado de êxtase, com pessoas de toda a Rússia vindo para o evento histórico. Quando, se não agora?

Gente como o casal Oleg e Natalia, que veio de Moscou. Oleg passa o jogo enrolado na bandeira do Brasil. Seria uma homenagem a Mário Fernandes? Não. Apenas porque Natalia "ama o Brasil".

Mário foi de herói improvável a vilão histórico. Fez o gol de empate russo faltando cinco minutos para o fim da prorrogação, levando o país ao êxtase. Pouco depois, chutou para fora um dos pênaltis.

Mas ninguém reclama de Mário Fernandes. O estádio viveu o jogo intensamente, com gritos de "Rússia, Rússia", especialmente nos momentos mais difíceis.

Acaba a disputa. Oleg chora. Não são muitas as pessoas chorando no estádio. As expressões misturam tristeza e alegria, chateação pela derrota, orgulho por tudo o que foi feito. Mas ele chora, com a bandeira do Brasil enrolada no pescoço. Bate a mão no peito, lábios trêmulos. O sonho russo acabou.

 

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.