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Julio Gomes

Por que não entendemos as derrotas do Brasil?

Julio Gomes

07/07/2018 03h44

A conversa corre solta no bar, na sala, na frente da grelha, nas mesas redondas. Afinal, por que o Brasil perdeu? O que é a Bélgica? Quem é Courtois?

Esse talvez seja o grande problema. O grande mistério. O grande X da questão. Por que não entendemos?

Como assim não entendemos?

Por que, de quatro em quatro anos, o "país do futebol" se surpreende? "Descobre" jogadores? Se somos assim tão "donos" do futebol quanto nos imaginamos, não seria conveniente conhecer, de fato, o esporte e o que está sendo feito dele?

A história do futebol é dividida em basicamente quatro momentos. Pré-Segunda Guerra mundial, quando engatinhou e era jogado em poucos países. No pós-Guerra, até a década de 70, quando os campeonatos são consolidados, os sistemas formados, mas ainda jogado por pouca gente – é aqui que o Brasil domina de um jeito que nunca ninguém havia dominado e nunca mais alguém dominará.

Justamente o domínio brasileiro faz com que o jogo se transforme, e temos outros 25 anos de muita evolução na Europa e a consolidação da exportação de jogadores. E, finalmente, de 25 anos para cá, temos a globalização do jogo, o fim das fronteiras de conhecimento.

Pare para pensar nas fases três e quatro, ou seja, os últimos 50 anos. De 1970 para frente, nesta fase global e moderna, a Alemanha ganhou três Copas. O Brasil, duas, assim como Itália e Argentina. França e Espanha ganharam uma. Existe uma pulverização do domínio, uma tendência que vai se aprofundar.

Se o Brasil conquistou só 2 das 12 últimas Copas, por que tanta gente continua achando que ganhá-las é "obrigação"? Por que tanto espanto com as derrotas? Por que não entendemos que não é vergonha alguma perder para a Bélgica, ainda mais do jeito que foi, com a seleção brasileira fazendo um bom jogo e merecendo sorte melhor?

Vejam só. É um jogo. UM. As Copas são esse tipo de torneio. Quanto menos tempo de disputa, maior a aleatoriedade.

Vamos falar dos belgas. Esses caras estão nos melhores times da Europa já faz algum tempo. São protagonistas do futebol globalizado.

A Bélgica não é mais um país da periferia da bola. Na década passada, iniciou um trabalho sério de base, de formação de jogadores. Na base, não importa mais ganhar. Importa formar. E, se o projeto de jogador não virar jogador, que vire, de alguma maneira, um profissional do esporte. Técnico, preparador físico, fisiologista, o que quer que seja.

Ou seja, eles fazem tudo o que não fazemos. É didático perder da Bélgica. Como foi didático levar 7 da Alemanha. Ou deveria ser didático.

O fato é que alguns belgas viraram jogadores dos bons. É um erro achar que eles são piores que os brasileiros. O nível é o mesmo. Igual. Idêntico. Você pode preferir um ou outro na comparação individual, mas o nível é o mesmo – tanto belgas quanto brasileiros estão nos grandes centros do futebol mundial.

Isso que é difícil de aceitar no país do futebol. Que os outros nos alcançaram. Em todos os aspectos. Tático, técnico, tudo.

O que espanta é que isso já aconteceu faz tempo, e ainda tem gente descobrindo de quatro em quatro anos.

Em um jogo único de futebol, qualquer um pode ganhar. O Brasil poderia ter vencido ontem. Merecia, até. Jogou melhor, teve chances. Mas, nos dias de hoje, o futebol é tão equilibrado que pequenos detalhes definem uma partida. Nesta Copa, está claro, quem marcar primeiro, geralmente leva. A Bélgica marcou primeiro. Ganhou.

A bola parada brasileira parou na trave com Thiago Silva. A bola parada belga virou gol. São pequenos detalhes que mudam tudo. No segundo tempo, o Brasil teve inúmeras chances para empatar. Mas havia um goleiro do outro lado. É do jogo!

Enquanto escrevo, o russo do restaurante me traz uma cerveja belga. Considero uma provocação? Bem, talvez eles também façam cervejas melhores que as nossas.

O russo nem sabia que o Brasil tinha perdido. Quando falo na Copa, ele só pensa no jogo de hoje,  contra a Croácia. É uma questão de orgulho nacional, não necessariamente de futebol.

É um país que só tem olhos para o milagre da seleção russa. Talvez seja melhor levar a vida assim. Pensar que não vai dar e… de repente… deu! A Rússia não esperava nada de sua seleção. Nós esperamos sempre muito. Esperamos sempre mais do que deveríamos.

Ou melhor. Não é que esperamos. É que exigimos. Um peso que nitidamente está dando maus resultados aos jogadores da seleção.

Para um brasileiro, perder da Bélgica é o fim do mundo. Tenho uma notícia: nada é o fim do mundo. Tenho outra: no futebol, existe mais mundo lá fora, além de nossas fronteiras.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.