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Julio Gomes

Diário da Copa: no trem com Dmitri, Andriy e Ronaldo

Julio Gomes

16/06/2018 12h00

Primeiro, me senti como se fosse em um filme daqueles antigos, de espiões. Estação de trem. Uma praça escura. Um pequeno lance de escadas leva à plataforma. Também escura. Sai fumaça da parte de cima de um dos vagões. Não está frio nem calor. Em frente a cada uma das portas, uma mulher. Todas vestidas com o uniforme verde escuro da companhia de trens russa.

Encontro meu vagão. "Passport". Eu pego o passaporte, esboço um sorriso, que não tem retribuição. Fico pensando se não tenho nenhum microchip na mochila, algo que me faça ser preso e levado ao interrogatório numa salinha da estação, com um comandante soviético fumando cigarro atrás da mesa. Enquanto penso na bobagem, levo uma bronca. Tipo, "vai entrar ou não vai?". Entro.

Minha cabine tem quatro camas. A minha é a 27. Fica na parte de baixo, ainda bem. Do outro lado, um senhor de bigode acena com a cabeça e continua fazendo o que estava fazendo no celular.

Saio, percorro o corredor e vejo dois russos assistindo ao Portugal x Espanha no celular. É verdade! O jogo! Eu havia visto só o primeiro tempo. Quando passo pela cabine, Diego Costa empata a partida. Pergunto se posso assistir com eles. Falo logo que sou do Brasil.

Aí sim, sorriso no rosto. Dmitri e Andriy viraram meus melhores amigos por meia hora. Torcedores do Krylia Sovetov, time de Samara, estão indo para o mesmo lugar que eu. Saransk, para o jogo entre Peru e Dinamarca.

Dmitri fala um pouquinho melhor o inglês. Conversamos de Tite, de Samara, do Rio de Janeiro, de Lopetegui e, claro de Cristiano Ronaldo. A história não é nova, mas é incrível a capacidade que o futebol tem de produzir amizades, ainda que efêmeras.

Último minuto, falta para Portugal. Eu já sei o que vai acontecer. Eles, acho, também sabiam. Todo mundo sabia. Cristiano é o maior e melhor atacante que já vi jogar.

Andriy aplaude, Dmitri cerra os punhos. Eu arranho meu russo. "Ôtchin haraxó!". Ele é muito bom! Andriy me pergunta. "Como se fala muito bom em português?". Cristiano Ronaldo? Não, ele não é muito bom. Ele é gênio. É a palavra que me vem na cabeça. Gênio, Andriy.

Nos despedimos, volto para minha cabine. O senhor de bigode já está dormindo. Ele não ronca, ainda bem.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.