Topo

Julio Gomes

Neymar e a velha queda de braço: Copa x clubes

Julio Gomes

27/02/2018 10h08

Primeiro, é necessário falar a real. Jogador brasileiro que sabe que será convocado para a Copa do Mundo morre de medo de se machucar às vésperas da competição. Se dependesse deles, ficariam sem jogar os últimos dois ou três meses da temporada europeia.

Nunca entendi o papo de "falta de comprometimento" com a seleção. Dez de dez jogadores profissionais com quem convivi ou tive contato tratam a seleção brasileira como total prioridade em suas vidas. Isso não acontece com várias seleções europeias – por isso, às vezes, vemos times bons no papel fracassarem, pois não há química nem foco total.

E, sim, isso deixa muitos clubes europeus P…s da vida em ano de Copa. Porque eles sabem que os 15, 16 brasileiros "garantidos" no Mundial irão tirar o pé na temporada.

O PSG deve estar P… da vida com Neymar. E tem lá sua dose de razão. Pagou 222 milhões de euros para Neymar levar o clube ao título da Champions League. Campeonato Francês dá para ganhar sem Neymar.

(Aliás, antes que critiquem o técnico por não tirá-lo do jogo decidido contra o Olympique de Marselha, que é uma coisa que já andei ouvindo por aí esses dias, vai aqui uma informação. Neymar jogou 30 partidas na temporada. Foi titular nas 30. Foi substituído ZERO vezes. Me parece que o rapaz não gosta de sair de campo. E o jogo não era o último antes da partida contra o Real Madrid, ainda faltavam dez dias.)

O que aconteceu foi uma fatalidade. Contusões acontecem no futebol até em treino.

O que vem depois da lesão, no entanto, já mostra bem quais são as prioridades. Pelas informações disponíveis, a lesão poderia cicatrizar sozinha em semanas. Neymar perderia o jogo enorme contra o Real Madrid, mas ainda poderia ajudar o PSG na Champions, caso o time passasse pelas oitavas – não é impossível.

A OPÇÃO escolhida por Neymar, Neymar pai e pessoas de confiança foi operar, pensando na Copa do Mundo.

Poréééém, poucos minutos depois desta notícia, que chegou via-staff de Neymar, o técnico do PSG, Unai Emery, deu entrevista coletiva negando a operação. Dizendo que ainda é necessário esperar alguns dias.

É óbvio que o clube, que é quem paga salário, tentará preservar seu investimento e vai querer contar com Neymar na temporada. E se os caras ganham do Real Madrid semana que vem?? Como fica nas quartas de final?

Por que a opção pela cirurgia significaria optar pela Copa, em vez do clube?

Pelo seguinte. Ele ficaria dois meses parado, a lesão seria curada de forma mais segura e voltaria a tempo de ganhar ritmo em alguns jogos de final de temporada na França, ainda tem dois ou três amistosos com a seleção, participa dos treinamentos desde o começo, na Granja Comary.

Já vimos um milhão de vezes essa história. Jogadores que perdem um pedaço da temporada anterior chegam à Copa melhor fisicamente. E jogadores que atuam durante a temporada inteira chegam esgarçados no Mundial.

Para o jogador, que só quer jogar, deve ser frustrante (além de dolorido e doloroso) ficar fora de partidas importantes. O campo é sempre melhor que o hospital. Além, claro, de uma operação ser uma operação. Sempre existe risco, receio, angústia. Não é uma coisa trivial. Mas tampouco estamos falando da cirurgia e recuperação mais complicadas da medicina esportiva.

Para a seleção, no entanto, não vejo como má notícia. É uma bala desviada.

Do jeito que Neymar apanha e joga muitos minutos, o risco seria constante. Ele poderia sofrer qualquer lesão muscular leve, daquelas de um mês, no fim da temporada. Como poderia sofrer uma lesão muito mais grave do que esta.

Nos amistosos contra Rússia e Alemanha, Tite terá a oportunidade de testar o time sem Neymar, coisa que nunca foi feita antes da semifinal de 2014. Tudo bem, seria bom tê-lo nestes testes. Mas não tê-lo tem seu valor. É importante o time se sentir confiante para a eventualidade de o melhor jogador não estar em campo.

Tem mais. Se fizer a operação, ele fica dois meses fora dos campos e, de quebra, dois meses longe dos holofotes, da eventual pressão por não ter alcançado o objetivo com o PSG, das críticas, da antipatia generalizada que está se criando em torno do nome dele.

E o plano de ser melhor do mundo fica preservado, porque a competição decisiva para isso, em ano de Copa, é a própria Copa. Chegar tinindo na Rússia e arrebentar com a seleção é o atalho mais curto.

Para quem ama futebol, queria ver Neymar contra o Real Madrid, queria ver o que seria desse PSG na temporada, a opção de Neymar é uma tristeza. Para o clube, um desastre. Para quem está preocupado com o hexa, não é.

E aí, quem vai ganhar a queda de braço?

Se eu fosse apostar meu pouco dinheirinho, seria no jogador…

Veja também:

Técnico do PSG lamenta lesão de Neymar, mas mantém otimismo contra Real

Técnico do PSG diz ter sido avisado de Marquinhos poderá enfrentar o Real

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.