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Julio Gomes

Demissão de Oswaldo não é surpresa. Difícil é entender o apoio recebido

Julio Gomes

09/02/2018 16h44

Oswaldo de Oliveira começou o ano já com pinta de demitido. Estava na cara que seria o primeiro degolado entre os clubes grandes do país e não chegaria nem ao Brasileiro. Foi um tapa buraco no ano passado, o trabalho nem foi tão bom, confesso que não entendi por que a diretoria nova insistiu em seguir com ele para 2018. Os últimos trabalhos e mesmo o do ano passado no Galo não lhe credenciavam.

Com os primeiros resultados no Mineiro e a quase eliminação no Acre, estava na cara que Oswaldo cairia. Aí veio a reação destemperada com o repórter Leo Gomide, da rádio Inconfidência. E, dois dias depois, apesar das palavras bonitas do presidente Sette Câmara, a degola.

Segundo o Atlético, Oswaldo não foi demitido pela briga com o repórter. E, sim, por uma questão técnica. Até dá para acreditar. Quem sabe o ocorrido no Acre tenha sido só um pequeno catalisador.

O que falar da situação no Acre? Oswaldo errou desde o começo, mostrando agressividade desproporcional à suposta dureza do repórter ao fazer a pergunta. Não acompanho o dia a dia do Atlético para avaliar as perguntas feitas em coletivas anteriores. Há pessoas em quem confio muito que são apenas elogios a Leo Gomide e seu trabalho.

Ainda assim, com tudo isso, mesmo que perguntas incômodas tenham sido feitas no passado, mesmo com o stress do jogo (a quase eliminação), mesmo com as condições climáticas adversas no Acre, mesmo com o problema de saúde pelo qual Oswaldo havia superado dias antes, ele passou do ponto.

E, depois, quando parte para cima do repórter, ele faz mais do que passar do ponto. Ele faz o suficiente para ser, por exemplo, demitido por conduta imprópria.

Bem, é lógico que o xingamento ou não xingamento é decisivo aqui. Gomide disse que dizia "este é meu trabalho". Oswaldo disse que ouviu "vá para o caralho". Caralho, me perdoem o uso do termo, não costuma ser um palavrão usado para xingar alguém. De fato, as gravações mostram Gomide falando "muito obrigado" (ironicamente) e esbravejando "meu trabalho". Os únicos palavrões gravados saíram da boca do técnico.

Dado que Oswaldo de Oliveira demonstrava todo destempero desde o início da pergunta do repórter, é plausível achar que ele precisava de pouco para explodir. Confundiu trabalho com caralho? Possível. Provável, até. Mas vamos pensar que não, que ele não confundiu nada e que o repórter soltou mesmo o palavrão.

O comunicado de Oswaldo, ontem, dizia. "Ouvi o maior desaforo de toda a minha carreira. Ouso afirmar que, PROPORCIONALMENTE, nem da arquibancada havia recebido tamanho insulto, mesmo levando em conta toda a passionalidade do torcedor pelo seu clube do coração". Acharam exagerado? Sim, eu também.

Oswaldo estava P da vida. Perdeu a cabeça e os papéis, partiu para a agressão. O repórter fez o trabalho dele. Mandou mal, se soltou o tal palavrão. Mandou bem por não reagir à tentativa de briga do treinador. E o Atlético, que mandou pessimamente de ter proibido o profissional de entrar no clube, logo logo reverá a posição.

O que me chamou a atenção no caso Oswaldo é como muita gente nas redes sociais se manifestou contra o jornalista mesmo sem ter todos os elementos em mãos – afinal, nenhuma gravação pegou o suposto xingamento.

O benefício da dúvida foi dado ao técnico, não ao repórter.

E este é um movimento que vemos mundialmente – o mundo contra a imprensa. Mas que está particularmente forte aqui no Brasil no caso de jornalistas esportivos. Antes admirados, agora são atacados, xingados, assediados.

Eu sou um crítico costumaz da minha profissão, então me sinto tranquilo para falar do tema.

Primeiro, falar de "imprensa esportiva", assim, de forma genérica, é complicado. São muitos os ramos, as funções, dentro da "entidade" imprensa esportiva. Existem narradores, apresentadores de programas, repórteres investigativos, repórteres de clubes, comentaristas que são ex-jogadores, comentaristas que não são ex-jogadores, editores de matérias de TV, editores em redações de jornal, editores em redações de internet.

Percebo que na tentativa de atacar a "imprensa esportiva" a maior parte das pessoas, para não dizer todas, não têm ideia de como funcionam as redações e as tomadas de decisões. Não sabem diferenciar, por exemplo, um profissional que informa de um profissional que opina.

"A 'Fofox' é uma porcaria!", bradam! Não podemos mais deixar o Flavio Gomes entrar no clube! Só que o Flavio Gomes não entra em clube algum. "O repórter veste camisa por baixo!". Qual repórter? Não sabem. Aliás, tampouco sabem que boa parte dos repórteres setoristas torcem pelos clubes que cobrem.

"Se é para falar mal do meu clube, prefiro que a gente fale entre nós", disse um amigo, palmeirense, que arrematou. "Esses jornalistas tão se fud…, a internet tá aí para acabar com eles".

Quais jornalistas? Juca Kfouri, os da Fofox, Chico Lang… Mas são esses caras que cobrem o noticiário do Palmeiras? Não, claro que não. Eles apenas opinam, analisam, estudam, investigam. Alguns mais, alguns menos, mas é gente que está no estúdio.

Uma pessoa escreveu no Twitter: "Após a reação do Oswaldo de Oliveira a pergunta do Leo Gomide uma coisa ficou bem clara: ninguém aguenta mais esse "jornalismo" parcial, clubista, tendencioso, que planta notícias falsas para os clubes ficarem desmentindo, etc. Se o futebol acabou, o jornalismo esportivo idem!"

O que têm a ver "jornalismo parcial e clubista" e "notícias falsas plantadas" com a pergunta de Leo Gomide?

Hoje em dia, se alguém colocar em dúvida os negócios de um clube ou criticar qualquer tipo de decisão, é visto como alguém que "planta crise", que "quer desestabilizar" o clube. Se for o Mauro Beting falando do Palmeiras, tudo bem. Se for outro, não pode. É "inimigo".

A "imprensa esportiva" não é isenta de falhas e críticas. De forma alguma.

Eu sempre disse e repito. Tem gente com microfone nas mãos sem qualquer senso de responsabilidade para com os sujeitos de suas "análises" e mesmo colegas de profissão.

Há repórteres que "trabalham" para cartolas? Que fazem serviço sujo? Sim, há. Mas é muito difícil identificá-los mesmo para quem está dentro dos clubes ou ombro a ombro nas coberturas. Identificar à distância, eu garanto, é impossível.

Os profissionais do esporte não gostam de repórteres que fazem perguntas duras, que supostamente estão lá tentando descobrir coisas que os clubes/profissionais não querem que sejam descobertas.

Muitos deles, por mais inteligentes, viajados e estudados que sejam, não entendem que o jornalismo não serve a ninguém deles. Nem a eles nem a clubes e nem a pátria. O jornalismo serve a quem quer ficar sabendo das coisas. Serve a quem lê, ouve, assiste.

O torcedor ou simpatizante do Galo, verdadeiramente preocupado com o clube, se tivesse um microfone em mãos, faria qual pergunta a Oswaldo? "Que porcaria está sendo feita para quase termos sido eliminados pelo Atlético Acreano?" ou… "Parabéns, professor, estamos juntos, como o senhor está fazendo para lidar com esse calor?".

Se quem lê, ouve, assiste não quer que um jornalista "fale mal" ou "descubra coisas" do seu time, partido político preferido ou governo, ele que fique restrito aos canais oficiais de mídia destas entidades. Viverá em uma bolha? Sim. Mas se essas pessoas não querem jornalismo, que não consumam jornalismo.

Não somos nós que fazemos gols, perdemos gols, contratamos jogadores, dispensamos técnicos.

Consumir jornalismo para xingar? Para se irritar? Para agredir? Isso dificilmente entrará na minha cabeça. Se o espectador identificou um "picareta", que não ouça mais, oras.

A ótima repórter Mayra Siqueira, da Rádio Globo, escreveu o seguinte. "Bom jornalismo incomoda, mau jornalismo também. Oswaldo perdeu a linha totalmente com o , um dentre os bons. Muito a ver com o que fazem irresponsáveis que se travestem de jornalistas e lançam suas pedras sem o menor cuidado, apuração e bom senso".

O jornalista que serve a outros patrões não é jornalista que se deve respeitar. Mas esses caras são exceções. Devemos todos combatê-los e boicotá-los. Todos juntos.

O problema é que hoje em dia dirigentes, profissionais do esporte e torcedores estão combatendo não esses poucos picaretas. Mas toda a classe.

É por isso que a atitude de Oswaldo foi aplaudida por muitos. Eles se sentem vingados.

Nós não vamos revidar. Faremos como Leo Gomide e como Flavio Ortega, que levou uma voadora na cobertura da eleição do Corinthians.

Faremos nosso trabalho. Faremos nosso trabalho pensando em você, que torce por seu clube, mas não tem comprometimento algum com ladrões, incompetentes e violentos que ocupam as cadeiras ou dividem as arquibancadas contigo.

Sim, eu sou um corporativista. Sou e sempre defenderei todos os que são da corporação da honestidade, bons modos e da paz.

 

 

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.