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Julio Gomes

Júlio César e Zé Roberto: dois grandes brasileiros que se vão do futebol

Julio Gomes

28/11/2017 19h17

A maneira de o brasileiro ver e falar de futebol é muito próxima de um moedor de carnes. Ao mesmo tempo em que ídolos são gerados em 5 minutos, reputações inteiras são moídas após um erro ou após uma escolha que não agrade à maioria apaixonada.

Júlio César e Zé Roberto não são unanimidade no futebol.

Brasileiro.

Porque em todos os grandes centros europeus eles construíram uma reputação irretocável. Especialmente, claro, na Itália e na Alemanha.

Vou contar duas historinhas que aconteceram comigo, nos anos em que tive a grande oportunidade de cobrir de perto o futebol europeu.

No fim de 2004, fui a Munique. E combinei com Zé Roberto uma entrevista para a revista "Placar". Ele marcou o encontro para a Marienplatz. Para quem não conhece Munique, é a principal praça da cidade, uma espécie de Praça da Sé de Munique – só que um pouquinho mais limpa :-).

Achei estranho. Como assim, na Marienplatz? Assim, no meio das pessoas? E foi lá que nos encontramos. Entramos em um café e conversamos longamente. O cara era simplesmente titular do Bayern de Munique. Onde, em alguma outra oportunidade, cheguei a encontrá-lo também. Um CT incrível.

O que mais me chamou a atenção? O respeito. A maneira como as pessoas se aproximavam dele, cumprimentavam, mostravam admiração. Eu não falo mais do que meia dúzia de palavras em alemão. Mas gestos e olhares são suficientes para compreender o que estava acontecendo.

E Júlio César. Bem, sobre ele eu sempre achei o mesmo que um monte de vocês achavam ou acham. "Mascarado".

Ledo engano. Com ele, me encontrei em Milão em 2006 ou 2007, por aí. A ideia era apenas fazer uma entrevista para a Band. Mas Júlio César abriu as portas da casa dele. Conheci Suzana Werner, brinquei com os filhos, ganhei carona. Nada me pareceu mais humano do que aquele casal de celebridades. O apartamento era muito perto do estádio San Siro. Na ocasião, ele me contou que voltava à pé das partidas. Assim, no meio do povo. "Mesmo em dia de Inter x Milan?". "Sim".

Em 2010, Júlio César foi indiscutivelmente (vou repetir, indiscutivelmente) o melhor goleiro do mundo. Atuações muito consistentes em uma Inter de Milão que conquistou a Europa após décadas de seca. O Brasil tem sido um grande fabricante de goleiros nas últimas décadas. Mas, depois de Taffarel, que goleiro brasileiro foi o melhor do mundo? Só Júlio César.

Mas, por não ter sido um goleiro ultravitorioso no Flamengo, por uma falha na Copa de 2010 e pelos 7 a 1, é visto com desdém por muitos aqui. Em 2010, a falha deveria ser compartilhada com Felipe Melo. E mais: uma falha não faz de ninguém um idiota, assim como um acerto não faz de alguém um craque. O futebol é cruel demais.

Em 2014, eu não teria chamado Júlio César para a Copa. Mas o que ele teve a ver com o 7 a 1? Nada. Ou quase nada. Não fosse ele, talvez o Brasil nem tivesse passado pelo Chile nas oitavas de final.

Zé Roberto foi outra "vítima" do Flamengo. Depois de anos para lá de espetaculares na Portuguesa, Zé Roberto passou a fazer parte da seleção brasileira. Foi parar em um Real Madrid estrelado, onde ele precisaria de tempo para ganhar espaço. Voltou para o Flamengo, caiu na fogueira, não foi nada demais. Portanto, nunca foi visto como o craque que sempre foi pela grande imprensa.

A partir daí, Zé Roberto foi quase campeão europeu e alemão com o pequeno Bayer Leverkusen. E foi titular por muitos anos de um gigante como o Bayern. Aprendeu alemão, se adaptou ao país. Menos mal que treinadores de futebol (especialmente Parreira e Zagallo) ignoravam as mesas redondas que sempre "escolhiam" Zé Roberto para ficar fora das convocações e times titulares da seleção.

O Brasil foi "descobrir" que Zé Roberto era bom de bola em 2006, quando ele fez uma grande Copa do Mundo em um time que deixou a desejar. Depois, triunfou no Santos, no Grêmio, no Palmeiras. Mostrou ser zero egoísta ao pedir dispensa da seleção de Dunga em 2007, "para dar lugar aos mais jovens". Curiosamente, quando acabou o ciclo de Zé na seleção, começou o de Júlio César titular do gol. Eles estiveram pouco tempo juntos, portanto.

Zé Roberto encerrou a carreira com honras. Fez parte da reconstrução de um gigante, como o Palmeiras. Só depois de passar por times mais midiáticos ganhou um pouco do tamanho que merece.

Ainda assim, poucos colocariam Zé Roberto no lugar que merece na história do futebol brasileiro. Falei um pouco disso neste post de dois anos atrás.

Júlio César e Zé Roberto são dois exemplos a serem seguidos. De adaptação em outros países, de respeito adquirido, de profissionalismo, de capacidade técnica, de construção familiar, de lisura nos clubes por onde passaram.

Eles deixam um belo legado. Que definitivamente não pode ser minimizado por frases do tipo "ganhou o quê?", "falhou naquele dia", "não fez nada não sei onde".

O Palmeiras acerta em cheio dando um cargo imediato para Zé Roberto. Espero que não seja só para parecer bacana, só para consumo externo.

Já o Flamengo deveria ter trazido Júlio César de volta muito tempo atrás. Para jogar, não dá mais. Que seja, então, para cuidar de seus goleiros, porque está precisando.

 

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.