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Julio Gomes

A Liga dos reservas do Real Madrid e da coragem de Zidane

Julio Gomes

06/05/2017 17h57

Não sou o analista mais eufórico sobre a capacidade de Zinedine Zidane como técnico de futebol. Ao longo deste pouco mais de um ano de sua carreira, no comando "só" do Real Madrid, vi muito conservadorismo nas substituições, um time ultradependente da bola aérea e muito vazado atrás. Pouca capacidade de mudar jogos complicados.

Mas não é possível tirar os méritos de Zidane se o Real confirmar o título espanhol (só ganhou um nos últimos oito anos) e chegar à final da Champions – duas possibilidades para lá de prováveis. A estratégia de rodízio nas escalações foi simplesmente perfeita.

Se Zidane ainda sente dificuldades nos 90 minutos, mostrou enorme capacidade de pensar a temporada como um todo. Mostrou coragem. Porque, se desse errado, seria criticado. E o fato é que o time está voando na hora H, sobrando fisicamente nos jogos grandes.

Neste sábado, os reservas do Real golearam o Granada com quatro gols no primeiro tempo. Com isso, o Real segue empatado com o Barcelona em pontos, mas com um jogo a menos. Duas vitórias e um empate nas últimas três partidas serão suficientes para o título espanhol. Isco não jogou em Granada, mas Morata, James Rodríguez, Lucas Vázquez e Asensio deram conta do recado.

Desde o começo de abril, em um período de um mês, Zidane optou por colocar um time praticamente inteiro reserva em campo em quatro partidas. Todas fora de casa. Os reservas ganharam os quatro jogos. 12 pontos de 12. Com direito a 21 gols marcados – cinco de James, que quase deixou o clube em janeiro, e sete de Morata, que, por mais que a imprensa madrilenha tenha tentado forçar a situação, nunca ameaçou a titularidade de Benzema. Coloquei a lista de jogos dos reservas e marcadores no final deste post.

Devido às lesões, só o sistema defensivo foi pouco rodado nestes jogos. Sergio Ramos, por exemplo, esteve em campo em quase todos. Marcelo, em metade.

Zidane não só conseguiu os pontos que precisava como não sucumbiu às pressões midiáticas. Em nenhum momento os titulares se sentiram ameaçados. Quem era craque sabe que qualquer jogador, craque ou não, precisa de confiança para desempenhar.

Cristiano Ronaldo nem no banco ficou nestas partidas e tampouco viajou para um jogo em março, contra o Eibar. Consequência? O português está tinindo no fim de temporada e fez oito gols em três jogos nas eliminatórias contra Bayern e Atlético na Champions. Lembrando que, após a Eurocopa do ano passado e a lesão sofrida na final, Cristiano ficou sem pré-temporada.

Zidane conseguiu conter a "fome" de Cristiano Ronaldo por minutos, gols e números. E criou o melhor dos mundos: o português está voando na Champions, e os reservas voando para estádios hostis, dando conta sem ele.

As rotações começaram em janeiro, quando há os jogos de Copa do Rei no meio de semana. Zidane já dava mostras do que faria mais para frente, deixando alguns titulares fora de alguns jogos. O time titular, então, teve uma sequência horrorosa no Espanhol no final de fevereiro. Derrota para o Valencia, vitória no finalzinho (e com ajuda da arbitragem) em Villarreal e empate em casa contra o Las Palmas. Ali, foi tomada a decisão.

O jogo seguinte a este empate foi em Eibar, e Zidane deixou mais de meio time de fora, incluindo Cristiano. A partir daí, começou a alternar times. Enquanto os titulares cederam pontos em casa nos clássicos contra Atlético e Barcelona, os reservas foram ganhando uma atrás da outra. Drama mesmo só no jogo de Gijón, com gol de Isco no último minuto. De resto, goleadas e pontos.

Os titulares voltam a campo contra o Atlético, quarta, pela Champions. E aí serão disputados os três jogos finais pela Liga espanhola. Sevilla em casa, Celta fora, Málaga fora. Será que Zidane terá coragem de colocar os reservas em algum destes três jogos? Veremos.

A epopeia dos reservas (entre parênteses, quem fez os gols):

4/3 Eibar 1-4 Real (Benzema-2, James, Asensio)
5/4 Leganés 2-4 Real (Morata-3, James)
15/4 Gijón 2-3 Real (Isco-2, Morata)
26/4 La Coruña 2-6 Real (James-2, Morata, Lucas Vázquez, Isco, Casemiro)
6/5 Granada 0-4 Real (James-2, Morata-2)

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.