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Julio Gomes

Sobre Felipe Melo, Bolsonaro e a truculência que não leva a nada

Julio Gomes

01/05/2017 19h38

Eu tinha prometido a mim mesmo não falar mais da pancadaria do Peñarol x Palmeiras, de Felipe Melo, de brigas, etc. Mas duas coisas me levam a escrever um pouquinho mais. Primeiro, o vídeo divulgado pelo Palmeiras, que mostra o início todo da confusão, mesmo que à distância. Depois, os vídeos de Felipe Melo apoiando Jair Bolsonaro para tomar conta do nosso combalido país.

Na semana passada, fiquei aturdido por duas razões.

Primeiro, tentando entender o que se passa na cabeça de uma pessoa que me ameaça somente porque eu emiti uma opinião diferente da dele. Recebi ameaças de morte em caixa pessoal de mensagens (todas nas mãos de quem deve estar, lógico). Recebi várias mensagens do tipo "vou te encher de porrada e aí vamos ver se você vai reagir". Isso sem contar os xingamentos baixíssimos. Bloqueei mais de 500 pessoas, e bloquearei quantas mais for preciso, pois não quero qualquer tipo de relação com pessoas assim.

Não, eu não falei nada sobre a nação palmeirense, a história do clube, dos imigrantes, da Itália, da torcida, não ofendi honra coletiva, individual. Nada. Eu apenas critiquei Felipe Melo por ter desferido aqueles socos no jogador do Peñarol.

A segunda razão do meu susto foi a quantidade de gente que respeito, que considero ou sei que são pessoas do bem, elogiando e defendendo Felipe Melo. "Foi legítima defesa", bradavam todos. "Lavou a alma dos brasileiros", disseram alguns.

Foi com muita tristeza que li e vi alguns desses comentários.

Como eu disse em meu outro post sobre o tema, são devastadoras as consequências de imagens como aquelas. Pais "mostrando" para os filhos que é assim que se faz, filhos vendo a TV no dia seguinte e comentaristas esportivos dizendo "é isso mesmo, é assim que se faz". A conivência generalizada da sociedade com a violência sob a fraca desculpa da legítima defesa. O que isso pode trazer de bom para uma sociedade já tão violenta como a nossa?

As imagens divulgadas pelo Palmeiras mostram algumas coisas.

Mostram, sim, que os uruguaios foram para cima de Felipe Melo logo de cara, quando o jogo acabou. Não foram para cima de outros. Foram para cima dele. Deu para ver também que, até o momento em que Felipe solta seus socos, os portões dos vestiários estavam abertos durante todo o tempo. Deu para ver também que Prass é atingido covardemente por três ou quatro. Não porque era o Prass, mas porque corria para tentar ajudar Felipe Melo e a confusão já tinha se generalizado.

Havia uma tensão monstra entre Felipe Melo e jogadores do Peñarol. O Palmeiras sabia disso, tanto que mandou alto contingente de seguranças. E ele sabia disso.

Assim que o juiz apita, levanta os braços. Não para comemorar, isso ficou nítido. Para louvar a Deus, dirá o Palmeiras em sua defesa. Tinha também algo do tipo "não quero briga", pois ele mantém os braços levantados após o primeiro safanão.

Como todos sabem, quando um não quer, dois não brigam. Ele poderia tranquilamente ter se mandado na hora que o juiz apita. Apitou, vaza. Estava a uns 15 metros dos vestiários. Chegaria lá antes que qualquer jogador do Peñarol tivesse tempo de pensar na existência dele.

Mas não. Ele fica ali andando devagarinho com braços levantados. Para quê??

Chega um, chega outro, chega um terceiro, chega a turma do deixa disso, cria-se o empurra empurra. E, de novo, ele continua tendo chance de se mandar. O tempo inteiro ele poderia ter ido para o vestiário, escoltado por seus companheiros. Mas ele não se manda. Porque simplesmente não é isso o que ele queria. O que ele queria era mandar aqueles socos na cara de alguém.

Assim como três ou quatro jogadores do Peñarol também queriam briga. E, sem coragem de dar em Felipe Melo, deram covardemente nos coitados que estavam em volta. Prass apanhou por Melo. Outros apanharam por Melo. A briga não era deles.

Esse rapaz tem discurso violento e atitude violenta. Ele gosta de briga, gosta de resolver as coisas na força. Isso é cristalino.

E eu tenho direito de considerar isso ruim para a sociedade. E todo mundo tem direito de discordar de mim (sem agredir ou xingar).

E o capítulo de hoje, com o apoio a Bolsonaro e a mensagem do "pau nos vagabundos" deixa isso ainda mais claro para quem não quis ver antes.

Bolsonaro tem uma plataforma política baseada no confronto, na violência como solução para violência, na agressão aos que discordam dele e seus métodos, menosprezo pelas minorias historicamente massacradas, glorificação de homens que cometeram crimes bárbaros na ditadura, estado policial.

Um surfa em um momento de baixa estima da sociedade para com os políticos, pagando de honesto ainda que faça parte deste mesmo sistema político há décadas e como se não tivesse sido eleito por um dos partidos, o PP, que mais estão metidos no mar de lama de Brasília. O outro surfa na carência de ídolos no futebol brasileiro e em um momento em que jogadores de futebol são vistos como mercenários.

O jeito de ser de Felipe Melo em campo tem mesmo muito a ver com Bolsonaro. É a truculência no futebol. A truculência na política. Se não está comigo, é meu inimigo. E meu inimigo eu trato na porrada mesmo.

Exemplo: foi xingado de macaco? Que nojo. Isso é crime. Para mim, a atitude é ir para a delegacia. Para ele, a atitude é ir para o confronto. Eu sou um legalista, não um justiceiro.

Continuo considerando que o soco de Felipe Melo não teve nada de legítima de defesa. Foi uma atitude coerente de quem queria brigar. E de quem quer sempre brigar. No macro, ele é o grande culpado pelo que aconteceu no Uruguai. No micro, alguns energúmenos do Peñarol têm tanta ou mais culpa no cartório.

Sigo sem conseguir aplaudir soco na cara.

Sigo sem conseguir entender quem quer dar soco na cara em quem tem opinião diferente à sua.

Tenho certeza que muitos destes que perdem tempo na vida para ameaçar os outros fisicamente devem estar alinhados com Felipe politicamente. Devem achar mesmo que tem que dar "pau em vagabundo" (por vagabundo, entenda-se, quem vê o mundo de outro jeito). São pessoas muito violentas e pouco democráticas, que têm dificuldades em conviver com o diferente.

Violência nunca será resposta a nada, nunca será solução para nada.

Espero que este alinhamento de Felipe Melo com o que há de mais violento e truculento em nossa sociedade abra os olhos de algumas boas almas, especialmente colegas que influenciam a opinião pública, que defenderam o indefensável.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.