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Julio Gomes

Humildade em falta nas análises de Rogério e sobre o Palmeiras

Julio Gomes

17/04/2017 06h00

No domingo, São Paulo e Palmeiras levaram chacoalhadas importantes. A classificação de ambos para a final do Paulistão ficou muito, muito difícil. Por mais que se fale que o Paulistão não vale nada, o fato é que o torcedor adora ganhar de seus maiores rivais. O São Paulo está na fila desde 2005, o Palmeiras só ganhou um dos 20 últimos estaduais que jogou, e o Paulista acaba sendo uma prova importante para técnicos "novatos".

Rogério Ceni nunca se notabilizou na carreira de goleiro pelo excesso de humildade. Foram raras as falhas admitidas. Como treinador, apesar de ainda ser um estágio muito inicial, o caminho vai sendo parecido.

Mano Menezes, após a vitória cruzeirense no Morumbi na última quinta-feira, disse que "o futebol nos dá lições de humildade a cada dia".

O jogo de quinta foi horrível. O resultado mais justo seria o 0 a 0, mas o Cruzeiro teve lá seus méritos ao achar dois gols de bola parada. No domingo, o São Paulo voltou a enfrentar um rival bem postado defensivamente. O mundo sabia que o Corinthians faria o que fez. E o time de Ceni voltou a levar um 0 a 2 na tampa.

Assistindo às coletivas de Ceni após o jogo, percebe-se uma dificuldade para admitir os problemas importantes do São Paulo. O discurso de quinta foi repetido no domingo.

As declarações do técnico sobre a postura de Cruzeiro e, depois, Corinthians, passam para alguns um tom de menosprezo. A impressão que muitos têm, ouvindo Rogério, é de que o São Paulo dominou ambos os jogos, massacrou e perdeu por puro azar, por lances fortuitos dos adversários.

Não foi bem assim. O São Paulo foi bem marcado por ambos e ofereceu pouca dificuldades para os sistemas defensivos bem postados de Mano e Carille. Apresentou futebol pobre. Foi um time de pouca movimentação, pouca velocidade, poucas associações, poucas jogadas, muito chuveirinho. Cássio ainda fez boas defesas para o Corinthians, já o Cruzeiro só precisou afastar cruzamentos.

O que Rogério Ceni quer implantar no São Paulo é louvável. Não é fácil! O Real Madrid, com o elenco que tem, vive sérios problemas de criação de jogo e é ultradependente de bolas paradas. Construir é dificílimo, ganhar com um estilo próprio é algo que requer tempo.

É muito bom que um técnico novo e inegavelmente influente e inteligente queira implementar um futebol ofensivo, de posse e qualidade. O Brasil precisa disso.

Os que acompanhamos mais de perto o futebol de altíssimo nível técnico e tático jogado na Europa estamos sedentos por algo assim no Brasil. Chega de resultadismo. Times precisam buscar identidade e desempenho, e é isso que Rogério tenta.

Mas não funcionou contra o Cruzeiro nem contra o Corinthians. É normal que não funcione. Falta tempo, faltam peças, faltou até sorte nos jogos. E faltou Rogério reconhecer, pelo menos de forma mais contundente, os méritos e virtudes das propostas adversárias, os erros e falhas da proposta dele. O discurso transparece certa arrogância, pouca humildade.

Como pouco humildes são os que colocam esse elenco do Palmeiras na estratosfera.

E aqui quero deixar claro que não vejo ninguém do próprio Palmeiras, nem técnico nem jogadores, adotar postura de arrogância e superioridade.

Mas é incrível como muitos colegas jornalistas e torcedores estão falando do Palmeiras como se fosse um Real Madrid ou um Barcelona. Calma lá!

Sim, é verdade que o elenco do Palmeiras é mais farto que outros. Fartura e quantidade não significam que haja esse abismo todo de qualidade. Eu não me espanto pelo Palmeiras ter sofrido tanto para vencer seus dois jogos em casa pela Libertadores e nem que tenha levado três da Ponte Preta.

Será que o 11 do Palmeiras é tãããão melhor assim que o da Ponte? Calma lá! Nada que um bom sistema defensivo, com contra ataques bem armados, não possa resolver. Já faz muito tempo que o futebol sul-americano está nivelado, sem um time dominante.

"Se o Barcelona conseguiu reverter contra o PSG, por que o Palmeiras não pode reverter contra a Ponte?"

Vocês duvidam que ouviremos a frase acima ao longo da semana?

Pois é.

Parece que querem criar um Palmeiras dominador que ainda está muito distante da realidade.

O risco é o torcedor acreditar mesmo que haja tal superioridade. E cobrar de time e técnico o que eles não poderão entregar. Talvez a sova de Campinas venha em boa hora para o futuro do Palmeiras no ano.

 

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.