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Julio Gomes

Mauro Silva estava na virada mais épica da Champions. E conta a receita

Julio Gomes

06/03/2017 06h00

Quando o Barcelona entrar em campo na quarta-feira para enfrentar o Paris Saint-Germain, estará tentando a maior reviravolta na história do mata-mata da Liga dos Campeões da Europa. Nunca um time derrotado por 4 a 0 na partida de ida conseguiu buscar a classificação na volta.

Mais para frente, neste post, falarei de reviravoltas de times que perderam por quatro gols de diferença na ida em outras competições europeias. Mas, na Champions League moderna, a maior virada até hoje foi protagonizada justamente em solo espanhol.

Era o dia 8 de abril de 2004. O campo era o Riazor, na Galícia. Naquela noite mágica, o pequenino Deportivo La Coruña fez 4 a 0 no todo poderoso Milan, que havia vencido a partida de ida por 4 a 1 e era o vigente campeão europeu.

Vejam a escalação daquele Milan, que era considerado o melhor time do mundo: Dida; Cafu, Nesta, Maldini e Pancaro (Rui Costa); Pirlo (Serginho), Seedorf, Gattuso e Kaká; Tomasson (Inzaghi) e Shevchenko. O técnico era Carlo Ancelotti.

O La Coruña, do técnico Irureta, teve Molina; Manuel Pablo, Naybet, Jorge Andrade e Romero; Mauro Silva e Sergio (Duscher); Victor, Valerón (Djalminha) e Luque (Fran); Pandiani.

"No futebol, acontecem coisas impensáveis, inimagináveis. Como preparar para uma goleada? Você não prepara. Saímos para ganhar o jogo de qualquer jeito, pela honra, pela dignidade. Ganhar por um, dois ou três. O plano era apenas ganhar o jogo. Conforme os gol vão acontecendo, você vai indo atrás, essa foi a receita0. Acabou o primeiro tempo 3 a 0 e o Milan tomou um susto", contou Mauro Silva com exclusividade ao blog.

"O Milan teve um excesso de confiança. Se você sai segurando ao máximo o jogo, dando bicuda para o mato, vai minando o time que precisa da remontada. Se eles saem chutando tudo, rasgando por 20 minutos, segura 0 a 0, minaria muito o entusiasmo. Mas o Milan achou que o resultado da ida era suficiente, saíram a campo para administrar."

O La Coruña fez 1 a 0 aos 5min, em um chute do uruguaio "el rifle" Pandiani. Foi a tempestade perfeita. O Milan teve dois contra ataques em que Shevchenko e Kaká ficaram mano a mano com o goleiro Molina. Ambos tomaram decisões erradas e perderam a chance do empate. Não acontece uma virada dessas se não der tudo certo para um lado, tudo errado para o outro.

Aos 34min, após um cruzamento da esquerda, Dida saiu de forma bisonha do gol e Valerón só tocou de cabeça para fazer 2 a 0. Aos 44min, Luque invadiu a área e chutou de esquerda, sem chance para Dida. Pronto, 3 a 0 e estrago feito. Em apenas um tempo, o La Coruña já conseguia o resultado que precisava.

No segundo tempo, o Milan teve poucas chances de gol. Fran ainda fez o quarto, e o Riazor veio abaixo.

Em sua biografia, o meia Pirlo insinua que o La Coruña poderia estar dopado naquele jogo. "Não é uma acusação, é um pensamento indecente. Eles não conseguiam ficar quietos. Quando o árbitro apitou o fim do primeiro tempo, corriam como se fossem o Usain Bolt para o vestiário. Eram homens possuídos, correndo atrás de um objetivo que só eles viam ser possível atingir. Pela primeira e única vez, me perguntei se os homens contra quem jogava haviam tomado algo", escreveu o italiano.

Mauro Silva conta que a correria do intervalo foi estratégia pensada justamente para causar esse efeito.

"Estava todo mundo correndo para caramba. Quando termina o primeiro tempo, estou no canto com o Pandiani, a gente combina e todo mundo sai correndo para o vestiário. E eles saem andando. Fizemos de propósito, para dar um efeito psicológico, mostrar que estávamos a toda, sem cansaço, e seguiríamos assim no segundo tempo", disse o volante tetracampeão do mundo ao blog.

E o Barcelona? Conseguirá reverter.

Até hoje, foram três as ocasiões em que times perderam a ida por quatro gols de diferença e reverteram na volta. Mas em outros tempos, em outras competições europeias, em outros contextos.

Em 1961, pela extinta Recopa europeia, o Leixões, que havia de forma surpreendente sido campeão da Copa de Portugal, perdeu a ida contra o Chaux-de-Fonds, na Suíça, por 6 a 2. Ganhou por 5 a 0 na volta e foi para a segunda fase.

Outras duas remontadas foram na Copa da Uefa (que hoje é chamada Europa League). Em 84/85, o inglês Queens Park Rangers ganhou por 6 a 2 do Partizan Belgrado, da Sérvia (na época, Iugoslávia). O Partizan meteu 4 a 0 na volta. Na temporada seguinte, também pela Uefa, o Real Madrid levou 5 a 1 do Borussia Moenchengladbach na ida para depois reverter com 4 a 0 no Santiago Bernabéu.

Percebam que, nas três ocasiões, o time que perdeu por quatro gols na ida voltou para casa com algum gol feito fora de casa, o tal gol qualificado – que o La Coruña também havia conseguido em Milão em 2004, gol que o Barcelona não fez em Paris.

Por isso, se o PSG fizer um golzinho no Camp Nou, o Barcelona será obrigado a fazer pelo menos seis para não ficar fora das quartas de final da Champions pela primeira vez desde 2007.

"Se Barcelona fizer dois, três gols, é muito viável. Se o Paris marcar algum, porém, aí o baque é grande", analisa Mauro Silva. "O Camp Nou é um estádio ruim de defender. Ele é grande e muito rápido pelo gramado, é o pior campo em que eu já joguei na vida para se defender. Junta isso com Messi, Suárez e Neymar, é uma combinação ruim. Se eu estou no Paris, é segurar uns 10 minutos e sair para o jogo para marcar um gol, jogar uma ducha de água fria. Se o Paris quiser defender 90 minutos…"

Unai Emery já cansou de apanhar no Camp Nou. Foram 11 visitas pelos diversos clubes que treinou. 11 derrotas. Se tem um homem que sabe que só se defender no Camp Nou é um erro estratégico, esse homem é o treinador do PSG. Vamos ver qual será o tamanho da coragem para colocar em prática um plano de jogo agressivo, não apenas esperando o duelo acabar e a vantagem ser confirmada.

 

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.