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Julio Gomes

Marcelo comemora 10 anos de Real com brilho. Maior que Roberto Carlos?

Julio Gomes

07/01/2017 12h23

Não me lembro exatamente a data. Acho que era fim de 2007, começo de 2008, por aí. Tocou meu telefone e apareceu o nome "Paco". Era um assessor de imprensa do Real Madrid. No início, achava uma mala sem alça. Depois, foi parecendo mais gente boa. Estranhei. Por que Paco estaria me ligando?

Atendi e ele logo saiu falando. "Olha, sei que você é brasileiro e tradutor e estamos precisando de alguém para ajudar em uma entrevista coletiva do Real Madrid com um jogador chamado Marcelo. Você está disponível?".

Achei muito estranho. Paco me conhecia, sabia que eu era repórter, não tradutor. E que eu estava dia sim, dia não no CT do clube, em Valdebebas, sentado junto com os outros jornalistas, fazendo perguntas aos jogadores e muitas vezes filmando as coletivas – eu era correspondente da Band na época. Havia uma porta ali na sala de imprensa por onde chegavam os jogadores. Eu nunca havia passado por aquela porta. Era estranha a sensação de estar sendo convidado para entrar na sala junto com o jogador.

Notei que Paco não tinha percebido que aquele Julio-brasileiro era o único que ele conhecia, não outro. Esclareci. E o assessor do Real Madrid de repente se viu em uma encruzilhada. Estava desesperado, a coletiva começaria em horas. As coletivas do Real nunca tinham tradutor, exceto quando Beckham falava (raríssimo). E, claro, não queria que eu estivesse lá sentado na bancada. Seria esquisito. E se tem uma coisa que esses caras não gostam é de dever favor.

Eu me adiantei. "Paco, não se preocupe. Estou indo para Valdebebas e ajudo vocês nessa".

Marcelo era uma criança. Um garoto acanhado, que, mesmo em português, mais murmurava do que falava. Eu achava um bom menino, talentoso, mas não via como ele poderia triunfar em um clube como aquele, um demolidor de pessoas tímidas. Para jogar no Real Madrid, não bastava ser bom de bola. Era preciso ter uma atitude à altura do clube.

A coletiva foi um fiasco para quem dependia daquela entrevista para o noticiário do dia. Marcelo jogava pouco, quase não conhecia o clube, não havia nenhuma crise em curso. Não havia o que perguntar para ele, em resumo. E as poucas perguntas que eram feitas eram respondidas com frases de no máximo umas cinco ou seis palavras. E ele respondia olhando de lado para mim, murmurando em português, sem ficar de frente para as câmeras.

Eu lembro que as minhas traduções se resumiam a "sí" e "no".

O Real seria campeão naquela temporada com Schuster. Roberto Carlos havia deixado o clube, e Marcelo passou a ter mais minutos do que tivera em seu primeiro ano, com Fabio Capello.

marcelo_robertocarlos

Poucas vezes encontrei Marcelo depois daquilo. Sempre foi um rapaz simpático, pelo menos comigo. Mas, mesmo à distância, foi fácil perceber como ele cresceu, amadureceu, ganhou personalidade. Ganhou o tamanho do Real Madrid e do futebol dele. Me parece mais vítima do que vilão nos problemas com Dunga e hoje exerce a justa titularidade absoluta na seleção brasileira de Tite.

Marcelo estreou no Real Madrid em 7 de janeiro de 2007. Portanto, 10 anos atrás. Nas tribunas do Bernabéu, neste sábado, estavam alguns nomes históricos do clube. Isso porque Cristiano Ronaldo recebeu e mostrou sua Bola de Ouro. Mas serviu também como uma homenagem a Marcelo. Que prestou sua auto homenagem ao fazer uma jogada linda e cruzar na cabeça para que Cristiano Ronaldo deixasse o dele nos 5 a 0 sobre o Granada.

O Real Madrid só perde esse Campeonato Espanhol se quiser. Se consumado, será o quarto título nacional de Marcelo no clube – para acompanhar duas Champions (com Mundiais), duas Copas do Rei, duas Supercopas da Espanha e outras duas da Europa.

É inevitável comparar Marcelo com Roberto Carlos. Ambos brasileiros, ambos laterais esquerdos, ambos com uma linda carreira no clube mais vencedor da história. Roberto Carlos também chegou ao clube quando Fabio Capello era o técnico e ficou 11 anos no Real. Conquistou quatro títulos espanhóis, três Champions, dois Mundiais, três Supercopas da Espanha e uma da Europa.

Percebemos, pois, que em termos de conquistas Marcelo já está no mesmo nível de Roberto Carlos em um período parecido dos dois no clube.

Mas quem foi maior ou melhor? Quem foi mais relevante nessas conquistas todas?

Eu ainda colocaria Roberto Carlos acima de Marcelo na história do clube e do futebol.

Roberto Carlos foi, durante todo seu período no Real Madrid, titular absoluto, indiscutível. O melhor do mundo na posição durante praticamente todo esse tempo, sendo também peça importante em muitos títulos da seleção brasileira. Não à toa, é o estrangeiro com mais partidas com a camisa do Real. Não se machucava nunca, jogava sempre.

Roberto fez parte de um Real Madrid que, em 1998, quebrou um jejum de 32 anos sem títulos europeus. E em uma época em que não havia supertimes, como hoje. As coisas eram muito mais equilibradas na Europa.

Já Marcelo chegou a jogar com um meia ou ponta esquerda por muito tempo com Juande Ramos e Manuel Pellegrini. Depois, com José Mourinho, era basicamente titular nos jogos em que o Real tinha a obrigação de atacar (na liga doméstica, por exemplo) e dava lugar ao português Coentrão nos jogos grandes, quando Mou se preocupava mais em defender.

Foi só nos últimos dois anos que Marcelo assumiu, de vez, a condição de titular absoluto e incontestável do clube na lateral esquerda. Ainda com alguma falha defensiva, mas essencial para a construção do jogo ofensivo do time pelo lado esquerdo. Fez até gol na final da Champions de 2014, quebrando jejum de 12 anos sem títulos europeus – em tempo, foi reserva de Coentrão naquela final, Ancelotti mandou o brasileiro a campo no segundo tempo, quando precisava buscar o resultado.

Não estou, de forma alguma, minimizando Marcelo. Pelo contrário. Um grande jogador, estabelecido no clube, parte da história, parceiro de Cristiano Ronaldo e caminhando para sua segunda Copa do Mundo como titular.

Roberto Carlos não tinha o mesmo talento para a construção com a bola nos pés. Os tempos também eram outros. Mas, por ser um "cavalo" fisicamente, conseguia compor melhor o sistema defensivo. E suas patadas, em faltas ou com bola rolando, eram uma arma e tanto do Real Madrid ao longo dos anos.

Roberto fez muito mais gols que Marcelo no Real, mais que o dobro (68 a 26). No entanto, Marcelo deu muitas assistências (54 em 382 jogos).

Imagino que na cabeça do torcedor brasileiro lendo esse texto, relembrando dos anos de Roberto Carlos na seleção, a comparação seja esdrúxula. Mas é preciso sair da caixa "Brasil".

Eu acho a comparação justa e válida. Acho um ótimo debate de mesa de bar. No fim, ainda dou meu voto a Roberto Carlos. Tanto no peso histórico com a camisa do Real Madrid, pelos muitos mais anos de consistência e titularidade, quanto como jogador de futebol.

Mas Marcelo ainda tem tempo. Está no auge, jogando bola demais. Ee merece todas as palmas do mundo por completar 10 anos em clube exigente como o Real Madrid.

 

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.