Topo

Julio Gomes

Fórmula 1 fez a justiça que muitos não fazem a Massa

Julio Gomes

14/11/2016 06h00

Felipe Massa bateu sua Williams debaixo de chuva e abandonou o último GP que faria em Interlagos. Até aí, tudo certo. Mas o fato ganhou uma dimensão enorme, já que o acidente ocorreu na reta principal de Interlagos, a algumas dezenas de metros dos boxes. Safety car na pista, disputa interrompida. Foi a senha para uma das cenas mais emocionantes da história da Fórmula 1.

Felipe Massa pegou uma bandeira do Brasil e caminhou aos prantos rumo ao box de sua equipe. Foi ovacionado pela torcida. Aplaudido por todos os mecânicos da Mercedes (equipe que nunca defendeu). Abraçado por todos os mecânicos da Ferrari (equipe pela qual quase conquistou um título). E, claro, aclamado pelos mecânicos da Williams, que fizeram um corredor glorioso para ele. Tudo isso ao lado de mulher e filho.

massa_ferrari

A circunstância da corrida permitiu que a transmissão oficial mostrasse tudo isso por muitos minutos.

Já escrevi aqui neste blog sobre como Felipe Massa é um cara legal. Mas não vou me ater à experiência profissional que tive com ele.

A cena levou muita gente às lágrimas, inclusive este escriba. Mas, quando compartilhei deste sentimento no Twitter, recebi algumas respostas na linha: "nunca ganhou nada, não vai deixar saudades".

Esse "nunca ganhou nada" é bem discutível. Massa ganhou 11 corridas na carreira. Somente 26 pilotos na história ganharam mais que ele. Curiosamente, ganhou as mesmas 11 que Jacques Villeneuve e Rubens Barrichello.

Jacques Villeneuve ganhou um título e era tido como um piloto corajoso. Filho de Giles, que morreu na pista e será para sempre lembrado como um piloto hiperarrojado, um dos grandes. Já Barrichello, pelo contrário, será lembrado pelo complexo de perseguição. Um cara bacana, mas que acredita mesmo que era tão bom quanto Schumacher e só não ganhava títulos porque a Ferrari não deixava.

Massa não é nem Villeneuve nem Barrichello.

Não vai entrar para a história como um piloto super arrojado e apaixonante de se ver dirigindo. Tampouco passou anos e anos chorando, reclamando, considerando-se melhor do que realmente era.

No Brasil, temos a péssima mania de valorizar somente o extraordinário, o campeão, o melhor. Ayrton Senna foi um dos maiores, mas, entre as besteiras que falou na vida, está o negócio do "segundo lugar é o primeiro dos últimos". Uma frase infeliz que só fez confirmar uma cultura que despreza os que são bons, ótimos até, trabalhadores, mas que nunca chegaram ao topo.

Felipe Massa, nesta visão tosca e curta, é um m*** para muitos. Quantas pessoas você conhece são as melhores do mundo no que fazem? E quantas são boas o suficiente para ganhar seu respeito?

Felipe Massa foi um muito bom piloto de F1, a categoria que reúne a nata da nata da nata do automobilismo. Chegou à equipe mais famosa da história sem costas quentes, somente com trabalho. E não conquistou carinho e respeito de TODOS no circuito promovendo festas, orgias para os mecânicos ou dando chocolates e sorrisos gratuitos. Mas, sim, com trabalho, perseverança, ética, respeito mútuo.

Em 2007 e 2008, seus grandes anos na categoria, correu de igual para igual com qualquer um, sem ter um carro superior. Ficou a um ponto de um título mundial. Ganhou corridas em Interlagos. Disputou com Lewis Hamilton, Fernando Alonso e Sebastian Vettel, três dos maiores pilotos da história. Seus rivais na pista eram melhores que os rivais dos anos de Barrichello, por exemplo (exceto, claro, Schumacher). Nunca vimos um discurso de "coitadinho" de Massa ou de adversários falando dele.

Sofreu um acidente que quase lhe tirou a vida. Ninguém me convence que isso não tenha afetado os anos seguintes na carreira. Do auge à quase morte, compreensível. Aí vieram os anos com Alonso, um companheiro de equipe insuportável. Fez o trabalho que a Ferrari pediu, sem ficar de mimimi. Aceitou, aceitou. Em vez de aceitar e ficar reclamando. Vieram algumas boas corridas com a Williams.

E é isso aí. O mundo do esporte, de qualquer esporte, é formado por gênios, ótimos, bons, médios, ruins e péssimos. Para que um Schumacher ganhe uma corrida, é necessário que outros 20 não ganhem. Para que um Messi meta 50 gols na temporada, é necessário que outros milhares de jogadores levem seus dribles e gols. Para que um Lebron James ganhe um título, outros precisam perder e levar suas enterradas na cabeça. Não há ganhador sem (muitos) perdedores.

Massa não foi gênio e nem figurante. Foi um muito bom piloto por alguns anos. Mas, muito mais que isso, foi um ótimo profissional. E nada é mais simbólico do que receber tal reconhecimento de quem realmente conviveu com ele, na mesma equipe ou não, ao longo dos anos. Aplaudido por quem faz a Fórmula 1, não por quem faz churrasco aos domingos e se sente no direito de chamá-lo de "um bosta".

Massa vai deixar saudades? Não sei.

Sei que deixa um exemplo a ser seguido. Ser o melhor piloto é bacana. Ser uma ótima pessoa é mais ainda.

 

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.