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Julio Gomes

Como não amar essa história? O fim de uma maldição de 108 anos nos EUA

Julio Gomes

03/11/2016 03h07

Escrevo o post sem saber quem será o próximo campeão do beisebol. Eu sei, eu sei, quem se importa com o beisebol? Mas quem NÃO se importa com grandes histórias?

A final do beisebol, esse esporte enorme na América Central e nos EUA, mas que nunca pegou aqui pro sul, vai ficar marcada para sempre. Não fosse por todo o drama que envolveu a sétima e última partida do playoff final, já bastaria saber que a decisão reuniu o Chicago Cubs, campeão pela última vez em 1908, e o Cleveland Indians, campeão pela última vez em 1948. As duas maiores filas do esporte.

Para se ter uma ideia, os seis clubes seguintes no ranking das filas nunca foram campeões – eles simplesmente foram fundados depois que Cubs e Indians foram campeões.

Cleveland era a cidade americana com algum time nas grandes ligas de diversos esportes havia mais tempo sem títulos. 51 anos de seca, até Lebron James levar os Cavaliers à conquista na NBA em junho. Será que até os Indians desencantariam?

E o que falar dos Cubs, então? 108 anos. CENTO E OITO. Uma franquia de uma das cidades mais ricas e importantes do país e que sim, se importa com o esporte. Não é um clube minúsculo. É uma das cinco maiores torcidas do país, é time grande.

Quem já foi a Chicago (aliás, vale visita!) verá até bares que têm no nome a tal "maldição do bode". A maldição que supostamente faria com que os Cubs, um dos times de beisebol da cidade, nunca mais ganhasse um título – porque não deixavam, na década de 40, um torcedor entrar com seu bode no estádio, o Wrigley Field. "Nunca mais serão campeões", teria dito o dono do bode.

Por falar em bode, um torcedor virou um dos maiores bodes expiatórios do esporte americano em 2003, quando os Cubs bateram na trave. A história virou até documentário da ESPN ("Catching Hell", imperdível).

A seca dos Cubs é tão famosa e surreal que apareceu em "De Volta para o Futuro", minha trilogia preferida. O segundo filme se passa quase todo no "futuro" (2015) e os Cubs eram os campeões daquele ano. A profecia quase se realizou, os Cubs ficaram a um passo da decisão no ano passado.

E imaginar que os diretores do filme erraram por um ano???

Pensem nisso. É surreal.

Os Cubs perderam três dos quatro primeiros jogos da série contra os Indians. Adivinhem em que ano um time venceu pela última vez a World Series após estar perdendo a melhor-de-sete por 3 a 1? 1985, o ano de "De Volta para o Futuro 1".

Enquanto escrevo, os Cubs vencem o jogo 7 por 6 a 3 na oitava e penúltima entrada do jogo. Cada time tem o direito de atacar nove vezes e pontuações no final são raras, é quando entram em cena os arremessadores especialistas em fechar os jogos. Ou seja, neste momento o jogo estava praticamente encerrado.

Vão os Indians e anotam três corridas, com um home run de um rebatedor que foi simplesmente o pior da série. 6 a 6. Prorrogação, entradas extras. Começa a chover. No beisebol, chuva para o jogo. E aí começam a postar no Twitter algo escrito por alguém há dois anos.

Cubs e Indians farão a final em 2016. Ficarão empatados no jogo 7 e o mundo vai acabar.

Que medo.

Eu posto no mesmo Twitter: "está na cara que a maldição dos Cubs vai continuar". Jogo ganho, jogadas bizarras, vários vilões aparecendo. Era o clássico roteiro. Só que não?

A chuva passa. O jogo recomeça. Os Cubs anotam duas corridas, abrem 8 a 6 no placar, mas perdem a chance de fazer até mais. O mesmo rebatedor péssimo dos Indians impulsiona a sétima corrida do time de Cleveland. Coração na boca. O maior jogo de beisebol da história, possivelmente.

Então o ótimo narrador da ESPN Rômulo Mendonça começa a gritar "adeeeeus maldição! adeeeeus bode malditoooooo".

Acabou. Os Cubs vencem por 8 a 7 na décima entrada. Viram a série de 1-3 para 4-3. Chicago é campeão no beisebol após 108 anos. Acaba a que era a seca mais bizarra do esporte mundial, a maldição mais falada do esporte americano.

O amigo Ubiratan Leal, que ao lado de outro amigo, Paulo Antunes, deu show de comentários na série final, cita na transmissão: centenas de pessoas nas redes sociais falam agora sobre a alegria de ver os Cubs campeões contrastando com a tristeza de não ter o pai ou o avô ao lado para compartilhar da emoção. Foram gerações e gerações que viram apenas… derrotas. Fico arrepiado, dá nó na garganta. Me lembro da Portuguesa, do meu pai, do meu irmão, daquela final de 20 anos atrás e a sensação de nunca mais. Quem sabe meus netos vejam a Portuguesa campeã e se lembrem de mim.

É por isso, amigos, que eu sempre falo. Esporte não é entretenimento. Esporte é esporte. É emoção, é sangue, é família, não é apenas um evento. Um ganha, outro perde. Uns ganham, os Cubs perdem. Ops. Não mais. Os Cubs ganham. O esporte é demais.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.