Felipe Massa, um cara legal
"Você tá brincando comigo… você é o irmão bonzinho??"
Foi só lá pela quinta ou sexta corrida daquela temporada 2007 que Felipe Massa ficou sabendo que eu era irmão do Flavio Gomes.
Cobrir uma temporada de F-1 era algo que eu queria riscar da minha lista de sonhos realizados como jornalista esportivo. A oportunidade surgiu graças a um grande amigo, Sergio Patrick. Eu morava na Europa, o grupo Bandeirantes precisava de alguém que cobrisse todas as corridas para as rádios. E lá fui eu.
Ser irmão do maior jornalista de automobilismo que o Brasil já teve, obviamente, poderia me trazer muitos benefícios e alguns malefícios. Caberia a mim aproveitar o bom, me esquivar do ruim. Como meu irmão tinha uma relação de não muitos amores com Rubens Barrichello, e os brasileiros no circuito eram apenas ele e Massa, preferi ficar na minha em relação à minha "identidade" junto aos pilotos.
Quando Dudu, irmão mais novo, contou para Felipe, já tínhamos alguma relação profissional. Era quase meio da temporada. Para ser completamente honesto, Rubens tampouco transferiu qualquer tipo de bronca que nutrisse.
A partir daquele momento, Massa sempre me chamava de "Gomes bonzinho". O que me fazia me sentir um verdadeiro santo, pois nunca achei meu irmão "mauzinho".
Foi apenas um ano de Fórmula 1. Na minha opinião, o mais legal da história. As corridas eram imprevisíveis. Em 2007, tivemos escândalo de espionagem, as estreias de Hamilton e Vettel, duas equipes no mesmo patamar técnico, o que é uma raridade, um fedelho transformando num inferno a vida de um bicampeão (Alonso). Tivemos punições, polêmicas, brigas, ultrapassagens, corridaças. Foi um ano fantástico.
Apenas um ano foi o suficiente para que Felipe Massa ganhasse minha torcida.
Eu nunca estabeleci nacionalidade como critério para receber minha simpatia. Não me sinto obrigado a torcer por alguém só porque nasceu no mesmo país que o meu. Se o cidadão é um boçal, e não faltam por aqui, isso fala mais alto que geografia da natalidade.
Massa não era só um cara legal. Ele era um cara que destoava do tal "circo da F-1". Eu já cobri muita coisa, muitos esportes, e nunca presenciei ambiente tão agressivo como o da F-1. Os pilotos são bem estrelinhas, muito, mas muito mais do que jogadores de futebol (para se ter noção). Cheios de não me toques. Qualquer mecânico é meio marrento. Pessoal da FIA é intragável. Jornalistas então, nem se fala. Até o Galvão Bueno da Eslovênia, que nem piloto tem, era mascarado.
Elite da elite da elite da elite. Um mundinho "exclusivo", digamos. Eu, que chegava de fora, tomei um susto com aquela impressão inicial. Logo, a gente vai se acostumando.
Mas Felipe Massa nunca fez questão de ser ou parecer um daqueles caras. É verdade que perdemos contato. Nos encontramos um par de vezes depois daquela temporada 2007, nada mais. Mas basta ver as entrevistas e a reação da própria Fórmula 1 à sua aposentadoria para saber que ele não mudou na essência.
Felipe olhava todo mundo no olho. Tratava gente graúda e miúda do mesmo jeito. Não tinha vergonha de expor sua admiração por Michael Schumacher. E nem aceitava a babação das transmissões de TV, sempre ávidas por encontrar vilões que antagonizassem com os "heróis" brasileiros.
Aquele 2008 foi uma grande pena. O escândalo de Cingapura, a chuva que traiu a pátria em Interlagos. Um pontinho. Mais pena ainda foi o acidente de 2009. É óbvio que sua carreira teve um antes e um depois daquilo.
Felipe não ficará para a história com contas pendentes. Fez o que seu talento permitiu. Pinçado jovem pela maior das scuderias, muitos anos no cockpit mais importante da categoria, um piloto de equipe, um quase campeão, um vencedor de 11 corridas. Correu de igual para igual com alguns dos maiores da história, como Alonso, Hamilton e Vettel.
Massa não deixa inimigos. E nem se aposenta com fama de bobalhão, de coitadinho. Sai como um cara que nunca deixou a fama, o dinheiro, o ambiente enterrarem suas origens, seu jeito de ser. São poucos os que conseguem isso.
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