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Julio Gomes

Torcida de verdade: a grande notícia do início da Olimpíada

Julio Gomes

07/08/2016 17h39

O brasileiro foi perdendo o hábito de torcer nos últimos anos. Quando falamos de "torcida" ultimamente ou é para destacar a violência ou para soltar aquela triste frase: o torcedor paga, então tem direito de vaiar.

Oras, o que é torcer, afinal? Torcer é querer que alguém ganhe. Empurrar, fazer esforço para que alguém ganhe. E ficar triste quando este alguém perde. Se todas as vezes que estivermos tristes ganharmos o direito de vaiar ou xingar… onde vamos parar? Nos habituamos com premissas erradas.

Na Europa e nos Estados Unidos, não se torce como na América Latina. Não há o mesmo fervor. Mas há mais respeito com quem compete. É verdade que muitas vezes os estádios de lá se parecem com teatros. E nós aqui, com o aumento bizarro dos preços dos ingressos e com a disseminação da cultura de "só ganhar importa" acabamos incorporando o pior dos dois mundos aos estádios, ginásios e arenas: comportamento de teatro mesclado com total falta de respeito (xingamentos, violência verbal e física de quem se sente no direito de fazer o que quiser).

Vimos muito bem isso na Copa do Mundo. Para quem a seleção brasileira jogou? Para que tipo de público? Aquele que rarissimamente levanta o bumbum do sofá para qualquer coisa. Mimado. Irritado. Se ganha, beleza, "sou brasileiro com muito orgulho, com muito amor". Se perde, nem chorar mais chora. Vaia, xinga, despreza. O público acompanhou a empáfia, a arrogância que o futebol daqui transborda.

Vimos de camarote argentinos, chilenos e colombianos fazerem uma festa muito mais bacana e contagiante (em tempo, não considero musiquinhas criativas e provocativas uma falta de respeito do nível xingar com sangue nos olhos e saliva pulando da boca).

Eis que começam os Jogos Olímpicos. A maior festa do esporte. Em um país monocultural esportivamente. E o que vimos até agora?

Alta venda de ingressos, setores mais baratos sendo esgotados rapidamente. E uma atmosfera fantástica nos locais de competição, especialmente quando algum atleta brasileiro está em ação.

Não vimos isso nas últimas Olimpíadas. Possivelmente, nunca tenhamos visto isso na história dos Jogos. Tanto que alguns já andam reclamando (clique aqui para ler).

A reportagem da brava equipe do UOL Esporte no Rio de Janeiro mostra também aquela ironia fina para incomodar o "grandão", o apoio ao mais fraco, ao mais simpático, ao que não tem chance de vencer, ao peculiar. Isso não deixa de ser uma celebração à diversidade, ora pois. E ao bom humor, cada vez mais ausente do mundo. Um público interessado e antenado.

O que vimos neste domingo no jogo de basquete masculino entre Brasil e Lituânia foi fenomenal. Um resgate. Uma aula de como se pode e se deve torcer. A torcida que realmente faz a diferença, emociona e empurra.

A seleção não jogava nada. Um atuação lamentável, com 29 pontos abaixo no intervalo. Vaias? Xingamentos? Resignação? Nada disso. O torcedor que foi ao ginásio gritou mais alto, mais forte. Foi maior que o time. Forçou o adversário ao erro, ao descontrole emocional. O barulho foi muito mais eficiente do que o próprio time brasileiro – que melhorou, mas seguiu cometendo erros capitais até na emocionante reta final.

A torcida pegou o time de basquete no colo e levou até a uma diferença de 4 pontos no minuto final. Não deu. Mas há derrotas que pouco importam. Essa é uma delas. A notícia estava fora da quadra.

torcida_basquete_menor

No judô, na esgrima, o ambiente é de MMA. Aquele ruído constante, nada do silêncio que marca esse tipo de competição. Aplausos para os que perdem, participação até em lutas alheias a brasileiros. Na ginástica, foi nítido como o apoio do público empurrou os atletas brasileiros. As meninas estavam focadas, emocionadas, felizes.

Deixar atletas felizes é o primeiro passo para que eles tragam os resultados pelos quais as pessoas torcem.

Somos um país que adora a competição. Somos privados de um leque tremendo de esportes por várias razões: TV monotemática, falta de estímulo, de espaço para as práticas, ausência de políticas públicas.

O povo, representado por quem está indo aos ginásios da Rio-2016, está se manifestando. Queremos mais esporte.

E que bom que tal manifestação está se dando como uma torcida "de verdade". Só de trocar o "com muito orgulho" (chatérrimo) para o velho e bom "le le le ô, Brasil!" já é um avanço tremendo.

Os atletas que souberem canalizar isso estarão em ótima posição nas próximas duas semanas.

Não foi o fim de semana dos sonhos de Nuzman, o dirigente eterno que quer muitas medalhas para provar que ele é o supra sumo do planejamento esportivo. Não vieram tantas medalhas.

Mas foi o fim de semana dos sonhos para quem quer se identificar de novo com algo que temos em comum: sermos brasileiros.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.