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Julio Gomes

12 anos depois da maior das tristezas, Portugal faz o papel de Grécia

Julio Gomes

10/07/2016 06h00

Aquele 4 de julho de 2004 deveria ser o dia da independência de Portugal, no dia mais famoso das independências mundo afora. Festa preparada. Não tinha como perder aquela final. Era contra a Grécia, ora pois…

A Euro 2004 foi a competição mais legal que cobri na vida. E olha que já foram 4 Copas! Mas nada foi como aquela Euro. A sensação de apostar desde o início que seria um torneio especial, com a coisa de Felipão em Portugal. Passar um mês e meio em Lisboa, que foi o centro total do torneio. As coisas deram certo profissionalmente, o ambiente estava espetacular, tudo funcionou, a Europa descobriu Portugal. Um país alegre, de clima e culinária maravilhosos e que recebeu todos de braços abertos. E a cereja no bolo… faltava o título.

Era um timaço, o de Portugal.

Na estreia, perdeu justamente da Grécia. Imaginem o drama. "Não passaremos nem de fase em nossa Euro!", lamuriavam-se os portugas. Mas Felipão foi rápido. Mudou logo quatro pro jogo seguinte. Apostou em Deco e no entrosamento da turma do Porto, campeão da Champions League semanas antes. Depois entraria no time um tal Cristiano Ronaldo.

E aí vieram as grandes vitórias. O 1 a 0 na Espanha, os pênaltis e a mão de Ricardo (sem luvas) contra a Inglaterra. O atropelo sobre a Holanda. Não havia como a Grécia estragar aquela festa!

Mas…

Os gregos haviam feito 1 a 0 na França e na República Tcheca, ambas favoritas no mata-mata. Tinham um técnico da velha guarda, armaram uma retranca que estava funcionando. Era um time que jogava feio. Não encantava ninguém. Não tinham nenhum estrela, nenhum fora-de-série. Portugal tinha Figo, Cristiano, Deco.

Mas…

Como bom torcedor da Lusa, eu saí do estádio da Luz naquele dia com a certeza absoluta que nem meu time nem Portugal ganhariam alguma coisa na vida. Nunca. Nem a estrela de Felipão dava jeito. Tinha alguma zica, não é possível. A Grécia havia feito UMA finalização certa a gol naquela decisão. Foi uma tristeza, um caminhão pipa de água fria no povo português.

cristiano_2004

Neste domingo, no Stade de France, 12 anos depois, Portugal está no papel de Grécia.

Um time limitado, que joga de acordo com o adversário, não tem medo de jogar feio, de dar a bola, de ficar se defendendo em busca de uma chance. A França é um grande time de futebol, com um grande técnico, jogando em casa, tendo superado problemas extra-campo e de convocações, tendo superado a campeã do mundo no caminho e com jogadores de primeiro nível mundial, como Pogba e Griezmann. Exatamente a mesma situação de Portugal 12 anos atrás.

A França teve problemas no início, se saiu com gols no apagar das luzes contra Romênia (!) e Albânia (!!). Empatou sem gols com a Suíça e suou muito para virar contra a Irlanda (!!!). Aí deslanchou contra a Islândia. Por favor, não nos esqueçamos que, por mais bela que tenha sido essa história, a Islândia segue sendo a Islândia.

E aí fez uma semi para lá de honesta, mas contando com muita sorte, contra a Alemanha. Os erros que os alemães cometeram (Schweinsteiger gerando o pênalti e depois a lambança coletiva e em sequência de Kimmich, Mustafi e Neuer no segundo gol) simplesmente não condizem com o histórico germânico. A França se aproveitou, mas jogou de uma forma que não será possível repetir contra Portugal.

Deschamps admitiu a inferioridade e se defendeu contra a Alemanha, como fizera a Itália. Não é fácil se defender. Está no DNA italiano, mas não no francês. Exige perseverança e concentração. O jogo mostrou a maturidade desta seleção francesa, mas o desenho será diferente contra a seleção lusa.

Um Portugal que se sentiu incômodo quando precisou propor futebol nos jogos da primeira fase contra seleções inexpressivas. E que se soltou contra times melhores, podendo recuar e sair, sem o peso do favoritismo.

A França vai ter de jogar como não gostou. Portugal, como se sente cômodo. A história aponta uma freguesia das grandes, tanto em amistosos quanto em jogos oficiais – a França ganhou de Portugal nas semis das Euros de 84 e 2000, ambas de forma dramática na prorrogação, além da Copa de 2006. A responsabilidade está todinha do lado do time da casa.

A história, os times, o fator casa. Tudo aponta para um título da França.

Portugal é a Grécia. Pronto para seu encontro com a história. Para ser o estraga-prazeres de todo um país, contra tudo e contra todos. Mas com uma pequena diferença. No ataque, não tem Charisteas. Tem um certo Cristiano.

 

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.