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Julio Gomes

Quem mais ainda precisa engolir Cristiano Ronaldo?

Julio Gomes

06/07/2016 19h23

Não engoliu ainda, caro amigo, cara amiga? Precisa mais do quê?

As pessoas não precisam amar Cristiano Ronaldo. Não precisam gostar da quantidade de gel que ele bota no cabelo para jogar futebol. Não precisam gostar dos pitis que ele dá quando o lance não se desenrola como gostaria. Não precisam gostar das olhadelas no telão para ver o replay de alguma jogada. Não precisam gostar daquela comemoração de gol esquisita, meio toureiro, sei lá o que é aquilo.

O que não dá é para misturar tudo isso e soltar frases do tipo "não joga tudo isso".

É tudo isso, sim senhor. E mais.

Cristiano Ronaldo não é um fantasista. Não é um jogador de dribles espetaculares, de gols inexplicáveis, enfileirando adversários. Já fez isso TAMBÉM, mas não é essa a marca que vai deixar.

Qual é a marca? Ser um jogador completo. Completo como nenhum outro.

Chuta bem demais com os dois pés, faz gols de falta, de cabeça, de primeira, de dentro da área, de fora da área, tem uma impulsão absurda, ganha de adversários na força, pode jogar de frente para o gol, de costas, como ponta, como centroavante, como segundo atacante, tem uma arrancada escandalosa, tem desmarque, tem inteligência para abrir espaços, para receber passes em condições de gol, não entra em impedimento, é um portento físico, ajuda na marcação pelo alto e por baixo, fecha espaços, pressiona a saída de bola do adversário. E, claro, no topo de tudo isso, se dedica. É um profissional na melhor definição da palavra. Não perde treino, não tem mimimi, respeita treinadores, envolve companheiros, não foge de entrevistas, trata todo mundo bem, doa dinheiro como nenhum outro esportista, tem ambição infinita.

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Sou um apaixonado pelo futebol de Messi. Não sou daqueles que precisa odiar um para adorar o outro. Me sinto felizardo por ter visto os dois jogarem ao mesmo tempo.

Mas, se Messi te faz ficar apaixonado pelo jogo (pra mim, só está atrás de Pelé na história), Cristiano Ronaldo tem algo que ele não tem. Encaixa em qualquer time.

Coloque Cristiano Ronaldo na Portuguesa ou no América de Minas ou no Palmeiras ou no Real Madrid. O time fará mais gols, mais pontos e conseguirá um título ou acesso ou algo que não conseguiria sem ele. É plug and play. Em time bom ou time ruim, pelas características do jogo dele. Messi não se encaixa em qualquer lugar de qualquer forma. Depende de mais fatores.

Mas não ficarei aqui comparando. Melhor ou pior. Esqueçam isso. Estou apenas elencando características de Cristiano Ronaldo que nem um gênio tem. E que eu nunca vi em qualquer jogador de futebol.

Eu nunca vi um atacante tão completo como Cristiano Ronaldo. Pensem em quem quiserem. Escolham um nome. Ronaldo, Romário, Van Basten, Batistuta, quem for, e vejam se encaixa em tudo o que citei acima. Se o cara era espetacular em TUDO, como é Cristiano Ronaldo.

O gol de cabeça na semifinal contra Gales é um escândalo. Vai precisar de um "sports science" da ESPN americana para explicar. Sim, já vimos zagueiros subirem para fazer gol assim. Eles só não fazem todo o resto. Já vimos Lebron James subir assim para dar um toco. Só que ele joga outro esporte.

Enfim.

Esse time de Portugal é bem organizado por um treinador pragmático, de escola antiga. Lembra muito a Grécia de 2004, vejam que ironia. Se defende, fecha espaços e atua de acordo com o rival. De resto, é rezar para Cristiano Ronaldo resolver. Não é lindo de ver, mas é o que tem para hoje. E funciona.

Na primeira fase, o homem não resolveu contra Islândia (!) e Áustria (perdeu pênalti no fim). Resolveu contra a Hungria, para classificar o time quando mais precisava. Daquele jogo horroroso de oitavas contra a Croácia, sai de seus pés a primeira finalização certa no jogo, que acabaria em gol de Quaresma no rebote. Contra a Polônia, jogou mal, mas fez a parte dele nos pênaltis – não só marcando, como puxando o time para cima na hora da verdade. Contra Gales, ganhou sozinho um jogo encardido.

Esse Portugal não é melhor que o de 2004 e nem que os de 2000, 2008 e 2012. Mas está aí na decisão. Tem um encontro marcado com a história.

E quem não engoliu Cristiano Ronaldo ainda… melhor não esperar até domingo. Aceita que dói menos.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.