Topo

Julio Gomes

Só inveja e conservadorismo explicam birra com a tal geração belga

Julio Gomes

02/07/2016 13h18

Foi o árbitro apitar o final de Gales 3 x 1 Bélgica, na sexta-feira, para as redes sociais bombarem. Deleite total com a eliminação dos belgas, que tinham nas mãos uma chance incrível para chegar à primeira final de Eurocopa, justo na primeira vez que a tal "geração de ouro" jogava o torneio.

"Nunca ganharam nada!" (ó, não me diga…)

"Chupa, Fifa!" (em alusão ao ranking que os belgas chegaram a liderar, para desespero geral da nação, que nunca ligou para tal ranking)

"Especialistas choram!" (como se especialistas, os de verdade, falassem bem da Bélgica por fetiche ou para parecerem inteligentes ou porque sangue belga corre em suas veias)

"No máximo quatro jogadores acima da média!" (bom, me parece um número interessante para ter em uma seleção…)

"Seleção medíocre que falam que é espetacular".

E por aí vai.

Eu fico tentando encontrar uma explicação para tanta má vontade de tanta gente quando se fala da seleção belga de futebol.

Mas, antes, uma palavrinha sobre o jogo em si.

A grande diferença do confronto foi uma defesa belga retalhada. Kompany nem pôde jogar o torneio. Vermaelen estava suspenso. Vertonghen se machucou em um treino às vésperas das quartas de final. Eram três titulares a menos. Jogadores sólidos. O titular que sobrou, Alderweireld, está abaixo. Os reservas, como vimos, muito abaixo. As falhas individuais foram grotescas no gol de empate de Gales (em escanteio) e no gol da virada.

Cada um com seu problemas, logicamente.

A Bélgica começou empurrando, fez um gol e logo achou que o jogo estava resolvido (soberba? pode até ser). Gales teve muito mérito de se manter firme, concentrado, fechando espaços e aproveitando as poucas oportunidades.

Talvez devido às falhas defensivas, talvez por simplesmente ser mau técnico, Marc Wilmots fez uma substituição inexplicável no intervalo. Tirou Carrasco, um jogador ofensivo e que "estica" o campo e a defesa rival para colocar Fellaini. Perdeu muito poderio ofensivo e facilitou a vida de Gales. E não melhorou a defesa, basta ver a atuação de Fellaini no gol da virada galesa.

Wilmots errou feio. No fim, a cereja do bolo, ainda tirou seu centroavante, Lukaku, de campo. É diretamente responsável pela eliminação precoce da Bélgica, dado o caminho que tinha até a decisão. Não é fácil ser treinador da Bélgica, um país dividido, mezzo francês, mezzo holandês. É um problema maior que o futebol, que permeia a sociedade e a política. Creio que um estrangeiro, que estivesse alheio a essas divisões, seria uma ótima opção para o cargo.

Com justiça, pois, Gales venceu o jogo e chegou à inédita semifinal. Tudo é inédito para Gales, que nunca tinha disputado uma fase final de Euro. Sobre este duelo Gales x Portugal falaremos nos próximos dias.

Por enquanto, vamos nos ater à Bélgica e o ódio à geração belga.

A Bélgica é um país de pouca tradição no futebol. Como país encravado entre França e Holanda, lógico que tem no futebol seu principal esporte. Vez ou outra, algum clube belga já fez alguma graça na Europa. A própria seleção já teve algum bom momento nos anos 80.

No início dos anos 2000, a Bélgica decide revolucionar seu futebol de base. Cria um sistema, que seria copiado pela Alemanha (e todos os clubes alemães), em que o método teórico se sobrepõe ao empírico. Uma filosofia de jogo, seja ela qual for, deve ditar as decisões seguintes. A priorização é da técnica e da criatividade, em detrimento até de resultados. A formação do atleta, inserido e integrado à sociedade (lembrando o momento de enorme fluxo imigratório na Europa), é o grande norte.

Na Alemanha, a coisa deu para lá de certo. 14 anos depois, a Alemanha é campeã do mundo e a Bundesliga está alcançando a Premier como a liga mais rica do planeta.

Na Bélgica, a coisa deu certo também. E é criada, forjada, trabalhada, a tal geração de ouro. Em um país menor que a Alemanha, menos rico e dividido. Portanto, guardemos as devidas proporções.

Eu não gosto de falar em "geração belga". Porque o termo carrega junto um fator aleatório. Como se a Bélgica tivesse dado a sorte de ótimos jogadores terem nascido ao mesmo tempo. Não foi isso. Foi trabalho. Método. Formação. O quão duradouro será? Teremos de esperar os próximos 10, 15 anos. Bom ressaltar que hoje, além da Alemanha, outros países copiam o que começou a ser feito na Bélgica 15 anos atrás.

Portanto, quando os que sabemos dessa história toda elogiamos a Bélgica é porque adoraríamos ver o Brasil fazer algo parecido. Trabalhar futebol. Pensar no longo prazo. Pensar em como o esporte pode ser importante para integrar pessoas necessitadas à sociedade, sejam ou virem essas crianças craques ou não. O que a Federação Belga fez está anos-luz à frente do que a CBF faz (faz algo?) para desenvolver o futebol no Brasil.

A tal geração belga jogou apenas uma Copa do Mundo. Foi eliminada nas quartas de final para a Argentina, o que me parece bastante normal e aceitável.

A tal geração belga jogou, na França, sua primeira Euro. Podia ter ido longe. Não foi. Cometeu erros e estes erros devem ser avaliados, inclusive, como eu já disse, a permanência do técnico. Talvez eles sejam tão elogiados que se achem acima do bem e do mal? Pode ser. Sempre há onde melhorar.

geracao_belga

Mas isso, para nada, faz com que essa geração seja de enganadores ou que o trabalho de futebol de base não mereça milhões de elogios.

Por que, então, tanta má vontade aqui no Brasil?

Inveja e conservadorismo.

Inveja, sim senhores. Porque no fundo adoraríamos ter tantos jogadores bons com a camisa da seleção brasileira, que fossem protagonistas em clubes de ponta da Europa. E conservadorismo, o mesmo que fez tanta gente ter antipatia pela Espanha nos anos recentes. Que história é essa de considerar a Bélgica favorita a qualquer coisa? Ganhou o quê? Fizeram o quê?

Parece que somos obrigados a viver para sempre considerando apenas Brasil, Argentina, Itália e Alemanha favoritos a alguma coisa. Geralmente quem odeia essas novas forças (Chile, Bélgica, etc) é quem dedica seu tempo "analisando" futebol em função do peso da camisa.

Quem "analisa" futebol com livro de história na mão. Quem não gosta, na real, de mudança. Quem não aceita que outros países, outras pessoas, tenham algo diferente para falar e mostrar.

Copiar o trabalho de base da Bélgica para quê? Sou pentacampeão do mundo!!! Não preciso aprender nada com quem nunca ganhou nada…

Fala-se da Bélgica como se estivessem bradando a sete ventos que são os novos donos do futebol, coisa que não fazem. Como se estivessem há 10 anos dando papelão m grandes torneios com esses jogadores. Não foram eles que inventaram o ranking da Fifa – que, por sinal, não se dispõe a mostrar um ranking histórico e, sim, uma fotografia do momento.

Courtois, um dos três melhores goleiros do mundo hoje, tem apenas 24 anos. Kompany e Vermaelen têm 30 anos, Vertonghen tem 29. Ainda têm madeira para queimar. E mais: Witsel tem 27, De Bruyne e Hazard têm 25, Carrasco tem 22, Lukaku tem 23, Origi tem 21 anos de idade.

Me parece um pouco precoce decretar o "fim da geração belga".

Não sei se eles vão ganhar uma Copa do Mundo ou uma Euro. Pode ser que sim, pode ser que não. Pode ser que cheguem longe, mas não ganhem. Tudo pode ser. Estamos falando de futebol.

Ganhar e perder é do jogo. Tem um milhão de fatores, incluindo o rival. Mas antes fizessem no Brasil o que fizeram no futebol da Bélgica. Antes aprendêssemos, em vez de nos deliciarmos com derrotas que "comprovam" críticas vazias e rasas.

 

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.