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Julio Gomes

Eu vi Michael Jordan. Eu vi Lebron

Julio Gomes

20/06/2016 01h54

Eu acompanho a NBA desde criança. Desde que o negócio apareceu aqui no Brasil. 1990, por aí. Eu tinha uns 11 anos de idade. Amava Double Drible, um joguinho que eu acho que jogava no Phantom System, com um cartucho de "Nintendo japonês" que entrava em um adaptador. Meu pai comprou na Laura Brinquedos, acho. Ainda existe? Sou viciado em Fantasy da NBA. Ganhei um título importante esse ano contra os grandes amigos da ESPN (chupa, mundo). Aprendi a falar inglês vendo TV à cabo quando ela chegou por aqui, assistindo aos Sportscenters para saber de NBA e NFL. Ligava para o meu irmão, então editor da Folha de São Paulo, para saber os resultados da noite anterior. Não existia a Internet. Ele pegava o telex, sei lá como chegava, para me falar. Que paciência, tinha. Reclamava da ausência de tabela de classificação nas páginas do jornal. Acho que o Fábio Sormani foi um dos meus primeiros ídolos jornalísticos, porque escrevia muito sobre NBA. Não perco playoffs, finais, transmissões.

Não sou um especialista, sou um apaixonado. Talvez até seja um especialista em NBA e sua história e geografia, mas não no esporte em si. Nestas décadas acompanhando a liga, vimos quase de tudo. Mas nunca uma temporada foi como esta. Nunca uma final foi tão impactante como a que acabou na noite de domingo.

O Cleveland Cavaliers tornou-se o primeiro time a virar uma final de NBA perdendo a série melhor-de-sete por 3 a 1. O primeiro a ganhar três jogos seguidos e virar para 4 a 3. Cleveland, uma cidade média como tantas outras, tem times de futebol americano e beisebol também. Fazia 52 anos que a cidade não ganhava um título nacional das grandes ligas.

Lebron James é de Ohio, é da região. Foi draftado justamente pelos Cavs, uma franquia insignificante. Levou a uma final. Perdeu. Queria fazer tudo sozinho. Saiu em um patético show na mídia, foi massacrado. Chegou a quatro finais em Miami, ganhou duas. Enquanto isso, Cleveland despencou. E pôde draftar um tal Kyrie Irving. E outros. Lebron voltou. Disse que tinha uma dívida com a cidade. E tinha mesmo. Tinha também colegas melhores. Mais duas finais. Perdeu a primeira, os escudeiros machucaram, teve de jogar sozinho. Perdeu para um dos maiores times da história na NBA. Na segunda final, derrubou um dos maiores times da história da NBA.

Com 3 a 1 abaixo, o homem fez dois jogos seguidos de mais de 40 pontos. No sétimo jogo, um triple double. Só Magic Johnson fez mais que ele em finais. No sétimo jogo, nos segundos decisivos, deu o que talvez tenha sido o maior toco da história da liga. Plástico, decisivo, impressionate. Sobre o carrapato que fez a vida dele impossível na final do ano passado. Emblemático.

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Golden State foi bravíssimo. Só no Brasil falarão em "amarelada" e "pipocada", porque assim que aprendemos a "compreender" o esporte. É fato, trocou o título pelo recorde histórico de 73 vitórias na temporada. Faltaram pernas nos playoffs, isso ficou claríssimo. Operou o milagre de virar a final do Oeste contra o Thunder, mas não conseguiu encerrar a série contra um Lebron inteiro como há muito não se via. Descansou na temporada. Riu por último.

Torci muito contra Michael Jordan nos três primeiros títulos dos Bulls. Meu irmão mais velho enchia o saco. E eu sempre fui do contra. Meu irmão mais velho foi morar nos Estados Unidos em 1994. Torci muito por Michael Jordan nos três títulos seguintes. Amo ver história. Já trabalhava no UOL quando ele fez aquele jogo contra Utah. Com 450 graus de febre. Escrevi a notícia daquele jogo. Me deu vontade de chorar por saber que ele ia parar (aquele outro retorno não vale).

Torci muito contra Lebron. Meu irmão mais velho, aquele mesmo, mora em Miami, é fanático pelo Heat e me enchia o saco à distância. Torci muito por Lebron na noite deste domingo. Me emocionei com a emoção dele (e depois assisti a um episódio de Game of Thrones para "relaxar").

Tenho certeza que há chaves táticas que explicam por que Cleveland virou a série contra Golden State. Para saber que chaves são essas, leia o melhor blog de basquete do Brasil, o blog Vinte e Um, aqui mesmo no UOL, do amigo Giancarlo Giampietro.

Não estou aqui para falar de tática, não sou capaz disso. Estou aqui para falar de história.

E para a história da NBA ficou esta última noite.

Meu amor pelo esporte vai além de ídolos. Não paro de ver Fórmula 1 porque fulano morreu. Não paro de ver futebol porque meu time não existe mais. Não parei de ver basquete porque "faltavam nomes como os de antigamente".

Uma final como essa, o título para Cleveland com redenção de Lebron, a maior virada já vista na NBA, a temporada de recordes dos Warriors, as bolas de 3 de Curry estraçalhando os livros de história, o tour de despedida de Kobe Bryant, com aquele último jogo, meu título no Fantasy… :-)

Sem dúvida, testemunhamos a maior temporada da história da NBA.

Eu tive a felicidade de ver Michael Jordan jogar. Eu tive a felicidade de ver Lebron James jogar. Não, não estou falando que é tão bom quanto. Magic Johnson disse que Lebron é um dos cinco maiores jogadores da história. Não serei eu a contestá-lo. Jordan é Jordan.

Adoro comparar Lebron James com Cristiano Ronaldo. Não é um fantasista, não é um tipo de atleta que te faz suspirar apaixonado. São "apenas" atletas perfeitos. Que fazem tudo excepcionalmente bem, com físico impressionante, caráter, dedicação e inteligência. Gostam e estudam o que fazem. São exemplos a serem seguidos. Críticas sobram. A inveja é esporte mundial.

Eu queria estar em Cleveland na festa que será feita pela cidade inteira. E dar um abraço nesse cara. Ele realmente merece. Obrigado, King James, por ter nos brindado uma noite como essa.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.