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Julio Gomes

Daniel Alves superou até Roberto Carlos no futebol espanhol

Julio Gomes

03/06/2016 14h42

Pergunte para qualquer um no Brasil. Roberto Carlos ou Daniel Alves? A resposta será quase unânime: "Roberto Carlos". Alguns ainda dirão: "Compare com Cafu, não com Daniel Alves, por favor…".

Justo, justo. Roberto Carlos tem muito mais moral por aqui. Porque ganhou uma Copa do Mundo, coisa que Daniel Alves não fez. Porque foi mais dominante por mais tempo em sua posição. E porque construiu carreira aqui no Brasil. Os anos de Palmeiras-Parmalat foram gigantescos, Roberto Carlos já foi à Europa por cima, consagrado como grande jogador que era.

Mas na Espanha, mesmo na Europa, eu garanto que tal pergunta renderia respostas divididas.

Eu me lembro perfeitamente quando vi Daniel Alves em ação pela primeira vez. Não foi nas seleções de base, infelizmente não tive a perspicácia de observá-lo. Foi em um dia 9 de novembro de 2003. Fazia apenas um mês que eu havia desembarcado em Madri para um período de um ano de estudos (acabei ficando cinco anos). Estava em um bar, com os colegas de mestrado que acabara de conhecer, tomando umas cañitas (cervejinhas).

Era assim que víamos futebol. TV à cabo era muito caro, então vivíamos nos bares da cidade para ver as ligas domésticas e Champions. Naquela noite, na tela, Sevilla x Real Madrid. Era apenas a 11a rodada do campeonato, e o Real Madrid era o dos Galácticos, com Beckham, Figo, Zidane, Raúl e Ronaldo. Era o campeão europeu, o Barcelona estava nas vacas magras e todos os olhos do planeta estavam naquele time.

Pois bem. Mal chegamos no bar – estávamos ainda na primeira cerveja – e com 11 minutos de jogo o Sevilla metia 3 a 0 nos galácticos. O terceiro gol, de um tal Alves, que já havia participado dos outros dois e estava matando um lateral esquerdo chamado Rubén (Roberto Carlos não jogou aquela partida). Olhei para a TV e comentei com os amigos. "Esse aí tem pinta de ser brasileiro…".

Pois é. Era.

O jogo acabou 4 a 1 para o Sevilla, com golzinho de honra do Fenômeno no segundo tempo. Foi a primeira humilhação do Real galáctico – outras viriam, a ponto de contratarem Luxemburgo um ano depois e o presidente renunciar um tempo depois.

E saberíamos melhor logo depois quem era o tal Alves. No fim daquele mesmo ano, foi um dos destaques do Brasil campeão mundial sub-20. Vitória por 1 a 0 na final, gol de Fernandinho, contra a Espanha de Iniesta, Gabi, Juanfran.

Entrevistei Daniel Alves pela primeira vez em 2005, já trabalhando na TV Bandeirantes. Fui a Sevilha porque havia um monte de brasileiros por lá. A reportagem principal, se não me engano, era com Júlio Baptista, que saíra do São Paulo como volante para virar centroavante goleador na Espanha. Tinha o Renato por lá também, campioníssimo com o Santos, e o Adriano na outra lateral sevillista. No vizinho Bétis, estavam Marcos Assunção, Ricardo Oliveira, Edu (ex-São Paulo), Denílson.

Na ordem, Daniel Alves não era nem um dos cinco mais importantes para serem entrevistados. Mas olhem a carreira de todos eles e me fale qual foi a mais relevante…

Daniel Alves me chamou a atenção. Ele olhava para baixo, falava baixinho, baixinho. Se bobear foi a primeira entrevista que ele deu para uma TV nacional brasileira. Sentia dificuldades com o idioma, misturava muito o português (mal aprendido) com o espanhol (idem). Era um garotinho de 20 e poucos anos que mal sabia o que estava fazendo por lá. Uma criança tirada do interior da Bahia, sem filtros, direto para a Europa.

Entrevistei Daniel Alves muitas outras vezes. No Sevilla, no Barcelona, na seleção. Foi impressionante a mudança. A criança virou adulto. Me surpreendia a cada vez que batia um papo com ele, e tenho certeza que aconteceria o mesmo hoje (não nos falamos há muitos anos). Passou a falar os dois idiomas perfeitamente, trocando a chavinha quando quisesse. Passou a falar olhando no olho. E a falar com propriedade, sem medo, sem filtros, sem medo de polemizar ou de incomodar. Ganhou gosto pela moda, cultivou imagem, testou óculos e paletós. Buscou protagonismo fora do campo também.

Não, não virou mascarado. No meu caso, sempre me tratou com respeito e profissionalismo. Mas já sabem, aqui no Brasil costuma-se facilmente misturar "personalidade" com "máscara". Se o cara fala o que pensa, na tua cara, é tido como arrogante. Daí pra baixo. Daniel Alves ganhou corpo sem perder a humildade. A impressão que sempre tive. Daí, talvez, muitos contestem sua carreira na seleção. Mas vejam que entra técnico, sai técnico, e ninguém consegue abrir mão dele.

Dentro de campo, Daniel Alves tornou-se importantíssimo no Sevilla. Um time pequeno da Espanha que foi alçado a médio europeu. E tudo começou com as duas primeiras conquistas de Europa League, em 2006 e 2007.

Não à toa, foi contratado pelo Barcelona por mais ou menos 40 milhões de euros. Por um lateral direito! Ele chegou junto com Pep Guardiola, no meio de 2008. E tornou-se uma peça fundamental na revolução que o treinador implementou por lá.

Porque Daniel Alves teve uma raríssima capacidade de associação com outros jogadores e encaixou perfeitamente no jogo de passes e diagonais do Barça. Xavi, Messi, Eto'o, Suárez, Ibra, Neymar, Iniesta, Pedro, Villa, Rakitic. Escolha. Todos receberam assistências dele. Com Xavi, era brincadeira. Se entendiam sobre o que fazer na jogada 5 minutos antes de os adversários perceberem o que estava acontecendo.

Daniel Alves fez 391 jogos e ganhou 23 (VINTE E TRÊS) títulos em oito anos no Barcelona. Não, na lista de títulos não tem os Ramóns de Carranza da vida, não. Vamos lá, acompanhe comigo:

– 3 Champions League
– 6 Ligas espanholas (em 8 anos)
– 4 Copas do Rei
– 3 Mundiais de Clubes
– 3 Supercopas da Europa
– 4 Supercopas da Espanha

Isso para somar às duas Europa Leagues, uma Copa do Rei e uma de cada uma das Supercopas vencidas com a camisa do Sevilla. São 28 títulos no total em 13 temporadas na Espanha. Sendo protagonista na maior parte deles, não coadjuvante que fazia parte do elenco por acaso. É muita coisa.

Vamos comparar com Roberto Carlos? Não gosto muito dessas comparações, porque os caras não jogam sozinhos, mas somente para termos um parâmetro.

Atuou 11 anos pelo Real Madrid e ganhou 13 títulos:

– 3 Champions League
– 4 Ligas espanholas
– 0 Copas do Rei
– 2 Mundiais de Clubes
– 1 Supercopa da Europa
– 3 Supercopas da Espanha

Na seleção, Daniel Alves ganhou uma Copa América e duas Copas das Confederações. Roberto ganhou duas Copas Américas e uma Copa das Confederações – além, claro, do Mundial 2002. O que, junto com os títulos nacionais e regionais pelo Palmeiras em 1993 e 94, além daqueles gols antológicos de falta, o colocam tão acima de Dani Alves no imaginário popular.

Individualmente, acredito que Roberto Carlos tenha sido melhor mesmo do que Daniel Alves. Com mais recursos e, talvez, um pouco melhor defensivamente. No entanto, taticamente o impacto de Daniel Alves no Barcelona foi maior do que o de Roberto Carlos no Real Madrid. Ele fez parte de uma mudança de jeito de jogar.

Vou explicar nas palavras de Martín Ainstein, jornalista argentino baseado em Madri e que fez a análise a pedido do blog:

"Roberto e Dani são, sem dúvidas, os dois melhores laterais da história da Liga. Daniel Alves foi mais um ponta do que um lateral no Barcelona. Ele tinha uma dinâmica, uma rebeldia para ir ao ataque que nenhum outro lateral tinha na liga espanhola. Tinha a capacidade de se associar com todos os meias criativos e atacantes do Barcelona, ele entendia muito bem o que tinha que fazer para facilitar o jogo do time e criar circuitos ofensivos. Bom no passe curto, cumplicidade absoluta com nomes como Xavi e Messi e semelhanças com o nível técnico de outros jogadores que passaram por lá. Era um segundo atacante disfarçado de lateral. A parte defensiva nunca foi seu forte, mas como no Barça manter a posse de bola era a maneira de defender, ele era importante para fazer com que isso funcionasse perfeitamente".

Daniel Alves, portanto, criava dinâmicas de jogo no Barcelona que iam muito além do que costuma fazer um lateral comum.

Foi um jogador que extrapolou as tarefas da posição.

Somado ao alto nível técnico e à quantidade bizarra de conquistas… sim, superou qualquer outro lateral que já tenha atuado na liga espanhola, Roberto Carlos incluído.

E que bom que foi para a Juventus, não se encher de dinheiro na China. Que os bons continuem entre os bons enquanto for possível.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.