Zidane e o sucesso do arroz com feijão
Não foi uma grande final de Champions League.
O Atlético de Madri talvez tenha sentido o peso de não ser um "azarão" antes da partida. Não entrou em campo no primeiro tempo. Faltava tudo: linhas compactas, atenção nas bolas aéreas, bons passes e, o principal, a marca do time: intensidade.
O Real Madrid chegou ao gol em uma bola na área, com Sergio Ramos em impedimento. Mas já havia quase marcado com Casemiro e fatalmente marcaria de outro jeito. O Real fez o que costuma fazer. Adiantou linhas, usou Modric e Kroos livres para armar com a segurança de Casemiro atrás dele. Foi empurrando o adversário, conseguindo faltas e escanteios que sempre levavam perigo. O que surpreendeu foi a facilidade com o que o meio de campo do Real conseguiu se mover contra o Atlético.
O segundo tempo começa com um pênalti (mal marcado) de Pepe que poderia ter mudado tudo. Era um achado para o Atlético, tudo o que precisava. E aí Griezmann perde o pênalti, assim como Muller havia perdido para o Bayern, contra o Atlético, em lance que teria mudado a semifinal.
A partir do pênalti perdido, o Atlético desapareceu de vez do campo. E foi o Real Madrid que decepcionou. Não apertou, não empurrou. Sentou no 1 a 0, em vez de dar o golpe fatal a um adversário abatido e perdido em campo. Levou o castigo, o empate a 10 minutos do final. E deu sorte, pois Sergio Ramos deveria ter sido expulso nos minutos finais do tempo normal ao parar um contra ataque de três contra um com uma voadora.
Na prorrogação, ninguém quis nada. Estava na cara desde o primeiro minuto do tempo extra que aquilo acabaria em pênaltis. Faltou ao Atlético, superior fisicamente naquele momento, a vontade de ganhar. E aí como falar em loteria? O Real Madrid foi lá e meteu os cinco para dentro, todos com qualidade. Contribuiu o fato de Oblak não saltar em uma bola sequer – vai entender. Quis cair de pé, talvez.
A final foi o contrário da de 2014.
Dois anos atrás, o Atlético fez um jogo completo, com intensidade e concentração. O Real Madrid apertou, criou muitas chances e recebeu o prêmio com o gol nos acréscimos. Na prorrogação, contra um Atlético destruído fisicamente, goleou. Já em Milão, no sábado, nenhum dos times fez um bom jogo. Foram dois 1 a 1 (no tempo normal) completamente distintos. E o Atlético não fez, na prorrogação, o que o Real fizera em Lisboa.
Foram 10 anos, os últimos, em que o Barcelona foi o clube a ser batido na Europa. Ainda assim, no mesmo período, o Real Madrid conseguiu tirar da cartola duas Champions League (contra quatro do maior rival). É um poder impressionante. São 11 títulos europeus, léguas de distância para o segundo maior vencedor. Mais que o dobro do Barça.
A temporada começou péssima para o Real Madrid.
O presidente Florentino Pérez fez a inexplicável burrada de dispensar o ótimo (e adorado pelo grupo) Carlo Ancelotti para contratar um contestado Rafael Benítez. Após mais uma humilhação caseira diante do Barcelona, corrigiu o erro de forma populista, jogando para a torcida. Colocou no cargo um dos maiores ídolos da história do clube, alguém que não poderia ser massacrado por torcida e imprensa. Colocou um muro entre o erro dele, por ter trazido Benítez, e as críticas.
Zinedine Zidane não tinha histórico como treinador, era um novato. Mas alguém que conhece bem como as coisas funcionam no Real Madrid.
E ele provou, mais uma vez, que o arroz com feijão é a receita infalível nos grandes clubes, com elencos recheados, cheios de egos e estrelas, imprensa em cima, torcida exigente. O melhor é não arriscar mesmo. É fazer o básico.
Por básico, entende-se: tratar os jogadores como eles gostam, misturando autoridade e amizade. Fazer o lógico taticamente, deixando a coisa fluir mais do que tentar inventar moda. Respeitar o estilo de jogo que agrade a torcida. Dar liberdade para seu melhor jogador se sentir útil, importante e prestigiado.
Ancelotti, em 2014, e mesmo Benítez, em seu curto período no clube, perceberam que era necessário ter um homem de corte defensivo no meio de campo para trazer equilíbrio ao time. Modric e Kroos tinham que fazer parte do sistema defensivo, mas também eram fundamentais para a construção de jogo. Precisavam de alguma liberdade para isso. Zidane "inventou moda" no começo. Quis usar Isco, James. Abriu mão de Casemiro.
Mas foi sábio suficiente para fazer o que muitos técnicos não fazem: corrigir o erro. E rapidamente. Deixou o orgulho de lado e, após uma derrota para o Atlético na liga espanhola, em pleno Bernabéu, voltou atrás. Talvez tenha se lembrado de como era importante Makelele naquele time do Real Madrid em que ele foi campeão europeu. Dispensado por Florentino, assim como Vicente del Bosque, outro grande exemplo de técnico que triunfa com o arroz com feijão.
Zidane se lembrou de Del Bosque. De Ancelotti. Do fracasso da era "galáctica", sem carregadores de piano. E fez o básico. Menos é mais, já diria o outro.
Na final contra o Atlético, o Real Madrid jogou um futebol básico. Correu riscos pela falta de "punch" no segundo tempo. Mas saiu com a taça.
O que será de Zidane? Não sabemos. O que será de Simeone e do cholismo? Terá o Atlético desperdiçado, pela segunda vez, a chance de uma vida? Veremos nas próximas semanas.
Com Casemiro segurando as pontas e Cristiano Ronaldo resolvendo na frente (menos na final), o Real Madrid chega à décima primeira Copa da Europa. Deu sorte no caminho rumo à decisão. Foi nos pênaltis. Foi com gol impedido e o melhor em campo não deveria mais estar em campo. Não é a mais inesquecível das 11, enfim.
Mas a taça está no Bernabéu mais uma vez. O resto da Europa que se vire para alcançar. O museu do Real Madrid vai arrumar um espacinho para mais uma. E nas ruas de Madri já se fala da "Duodécima". Porque esse clube vive disso: ser o maior da Europa.
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