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Julio Gomes

Como o Real Madrid mudou desde a final de 2014

Julio Gomes

26/05/2016 07h00

Faz apenas dois anos que Real Madrid e Atlético de Madri disputavam a final da Champions League, em Lisboa. Muitos se lembram. O Atlético vencia até Sergio Ramos empatar, aos 48 do segundo tempo. Na prorrogação, o Real fez mais três gols em cima de um Atlético "morto" em campo.

Ali, o Real conquistava a tão sonhada "Décima" Copa da Europa. O Atlético perdia uma chance que parecia única. Pois não foi. A chance se repete. Muda a cidade. A final de 2014 foi em Lisboa, a deste sábado será em Milão.

O que mais muda?

Neste post, que escrevi assim que a final foi definida, listei cinco razões para apostar no Atlético na final. Uma delas: o Real é um time pior do que o de dois anos atrás.

O Real Madrid já tinha em campo o trio de ataque chamado por aí de BBC (acho ridículas essas denominações com siglas): Benzema, Bale e Cristiano Ronaldo. Bale estava em seu primeiro ano no Real e não havia mostrado tanto. Desde então, evoluiu muito. Tornou-se importante. O trio melhorou. É mais entrosado e maduro do que dois anos atrás.

De resto, só vejo pioras.

No banco em Lisboa, Carlo Ancelotti. Uma instituição. Um treinador campeão por onde passou, ultraexperiente. Zidane é um contraste. Um novato, que ainda não mostrou ser capaz de mudar um jogo, ousar, fazer algo que fuja do óbvio. Claro que ele pode fazê-lo pela primeira vez justo na final. Mas Zidane não é Guardiola, isso está claro. É mais conservador, teve como grande mérito pacificar o clube e o vestiário.

O sistema de Ancelotti tinha Xabi Alonso como o xerife do meio de campo e o arco para as flechas do ataque. Na final, com Xabi suspenso, jogou Khedira.

A grande mudança tática de Zidane, que deu início à reação do Real nesta reta final da temporada, foi recuperar esse primeiro volante e re-introduzir Casemiro no time – Rafael Benítez, contratado e demitido ano passado, já usava o mesmo expediente. Casemiro já estava no clube dois anos atrás e poderia ter jogado a final, mas acabou preterido por um Khedira que voltava de longo período fora dos campos. O brasileiro não tem o passe longo de Xabi Alonso, mas vem mostrando muita solidez defensiva, é o ponto de equilíbrio do time e é uma arma ofensiva em bolas paradas.

A grande diferença, no entanto, é a ausência de Di María, o motor daquele Real Madrid. Um jogador "todo terreno", de muita velocidade e capaz de romper defesas. Em muitos momentos, o Madrid de Ancelotti jogava com Di María e Bale formando uma linha de meio de campo, um 4-4-2. Hoje, com Toni Kroos, não há o mesmo dinamismo. Kroos é muito bom jogador. Mas não é Di María.

Desde aquela final, o Real Madrid, ainda com Ancelotti, tentou por muitas vezes jogar com Kroos e Modric acompanhados de um meia (Isco ou James Rodríguez). Mas a inconsistência defensiva e o sacrifício exagerado de dois jogadores importantes para a armação de jogadas acabou levando Benítez a tentar com Casemiro por trás deles.

Zidane assumiu, e Casemiro perdeu espaço. Retomado a partir de uma derrota para o próprio Atlético.

O fato é que as características de Xabi Alonso e Di María serviam bem demais ao time e o trio de ataque. Casemiro e Kroos representam uma queda em relação a dois anos atrás.

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A linha de defesa em 2014 teve Casillas, Carvajal, Sergio Ramos, Varane e Fábio Coentrão. Marcelo entrou por Coentrão no segundo tempo e deu muito mais ofensividade ao time. Fez até gol da prorrogação.

O time que vai entrar em campo sábado terá Navas, Carvajal, Sergio Ramos, Pepe e Marcelo.

Na opinião deste blog, Varane é melhor zagueiro do que Pepe. É uma opção de Zidane apostar no luso-brasileiro. Navas é melhor goleiro do que aquele Casillas. Marcelo virou indiscutível, mas a característica de jogo dele todos conhecem: ótimo no ataque, um ponto fraco na defesa. Simeone sabe disso, logicamente, e não duvido que o Atlético force o jogo por ali, como fez contra o Barcelona nas costas de Jordi Alba.

No último dérbi, em 27 de fevereiro (vitória do Atlético no Bernabéu), Pepe, Marcelo e Bale estavam machucados. Jogaram Varane, Danilo e estavam no time Isco e James, com Casemiro no banco. Não deu certo. E, a partir dali, Zidane decidiu mudar o sistema.

A chave para o Real Madrid é, sem dúvida, encontrar uma forma de atravessar o melhor sistema defensivo do mundo. É fazer o domínio territorial se transformar em chances.

O Atlético vai dar a bola para o Real. Pressionar lá em cima quando der ou rapidamente se fechar atrás, com linhas compactas. Se o Real sair na frente do placar, muda tudo. Se sair atrás, vai sofrer demais. A chave é ter dinamismo e troca de posições para confundir a defesa atlética. Casemiro será fundamental, assim como a transição defensiva dos meias e atacantes, para não deixar o Atlético deitar e rolar em contra ataques.

As bolas paradas podem ser o fiel da balança. Foi assim, afinal, que Sergio Ramos fez o gol mais importante da final na Luz, dois anos atrás.

Nomes e sistemas à parte, é fundamental lembrar de alguns fatores, digamos, "psicológicos".

Em 2014, o Real Madrid tinha toda a pressão sobre os ombros. Além de estar enfrentando o "primo pobre" da cidade, um Atlético que havia se acostumado a ser freguês por décadas, era a primeira final europeia depois de 12 anos atrás da "Décima".

Desta vez, a pressão é menor. Nem mesmo favorito o Real é. Desde aquela final de Lisboa, foram 10 jogos entre os times, com 5 vitórias do Atlético, 4 empates e apenas 1 do Real. O Atlético aprendeu a jogar os dérbis com Simeone. Desafio esportivo enorme. Mas com menos carga, menos medo da derrota.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.