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Julio Gomes

Pênalti defendido e Simeone: as chaves de um Atlético melhor que o de 2014

Julio Gomes

03/05/2016 18h45

Não são raras as ocasiões em que, no esporte, temos um perdedor que não merecia perder. E ao mesmo tempo um vencedor que merecia vencer. É quando os dois merecem. Mas só um pode ganhar. E dá aquela tristeza por nunca terem inventado a solução para isso.

O Bayern não podia ter feito mais do que fez na eliminatória contra o Atlético. Dominou os dois jogos, criou chances, tentou diversas alternativas táticas e trouxe inúmeros problemas para o melhor sistema defensivo do mundo.

O Atlético não tinha muito mais o que fazer do que fez. Se defendeu demais, talvez tenha demorado para encontrar a solução que encontrou no segundo tempo de Munique. Mas foi capaz de aproveitar as poucas chances que teve na eliminatória.

O gol fora de casa (essa discussão fica para outro dia) classificou o Atlético.

Os dois momentos que definiram a eliminatória foram o pênalti perdido por Thomas Mueller no primeiro tempo, com 1 a 0 para o Bayern no placar. E a substituição corajosa de Simeone no intervalo, tirando Augusto, um jogador de marcação, e colocando Carrasco.

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Com 2 a 0 no placar ainda no primeiro tempo, o Bayern teria a eliminatória na mão. Além da vantagem de fato e do golpe moral, obrigaria o Atlético a sair para o jogo e dar espaços que ele não gosta de dar para times como o alemão. Mueller, que costuma ser tão confiável em momentos chave, deixou o Bayern na mão… na mão de Oblak, um monstro nos dois jogos.

Com 1 a 0, Simeone pode fazer a mudança ousada, em vez de rezar para o jogo acabar 1 a 0. A troca fez Koke mudar seu posicionamento, o Atlético ter mais posse de bola e ameaçar o Bayern. Times que não ameaçam acabam sendo empurrados para dentro do próprio gol. A dinâmica da eliminatória mudou no segundo tempo.

Carrasco é titular do Atlético, se machucou logo antes da partida de ida e, talvez por isso, por uma questão física, Simeone só tenha encontrado a "solução" no segundo tempo do jogo de Munique, e não antes. Com Carrasco em campo, o Atlético passa a ter um meio de campo com quatro jogadores capazes de tudo. Gabi, Saúl, Carrasco e, principalmente, Koke, se movimentam de forma perfeita defensivamente e todos eles têm grande qualidade de passe e ataque. Qualquer um pode se aproximar dos atacantes e criar problemas.

Quem continua vendo o Atlético como um time "de retranca", que "só se defende", precisa rever conceitos. Tirar a viseira. O Atlético é muito mais que isso.

Nos últimos 75 jogos que fez, um período que chega a quase a um ano e meio, só tomou três gols em uma mesma partida uma vez. Nos últimos 72, não perdeu por dois gols de diferença de ninguém. Sim, o sistema defensivo é o melhor do mundo. Mas está longe de ser só isso. Senão, como o time faria 85 pontos em 36 jogos no Campeonato Espanhol, os mesmos pontos do super Barcelona e um a mais que o Real Madrid?

A enorme maioria dos jogos do Atlético de Madri passam na TV, mas muita gente não vê. São os jogos contra os Málagas, Rayo Vallecanos, Granadas, Sevillas. E, nesses, é o rival que vai a campo para se defender. E esse Atlético vai lá e ganha o jogo do outro jeito, propondo jogo, enfrentando retrancas e quebrando-as. Porque é um ótimo time quando tem de ganhar de outras maneiras que não contra atacando. O Atlético tem várias armas para machucar seus rivais.

Em uma hipotética final contra o Manchester City, veremos a faceta do Atlético em que ele é o favorito e tem a responsabilidade de fazer o jogo acontecer. Contra o Real Madrid, veríamos o jogo que o Atlético mais gosta de fazer. E que ele costuma fazer melhor contra o Real do que contra o Bayern.

O Atlético hoje é melhor do que o Atlético daquela final de 2014. Se perdeu Courtois no gol, ganhou esse monstro chamado Oblak, o destaque individual da classificação em Munique. É verdade que a troca de Miranda por Gimenez na zaga piorou o time, mas as incorporações de Carrasco e Saúl no meio de campo (no lugar de Tiago e Raúl García) melhoram demais a qualidade ofensiva. Gabi e Koke são jogadores mais experientes e completos. No ataque, o Fernando Torres em final de carreira parece melhor que aquele David Villa em final de carreira. E Griezmann é um atacante que traz mais opções do que Diego Costa.

O de 2016 é um time mais leve e técnico, mas não menos sólido defensivamente.

E Guardiola?

Bem, Guardiola encontrou as soluções que não encontrou quando Real Madrid e Barcelona passaram por cima do Bayern, nas últimas semifinais. Fez o que tinha que ser feito. Fez as substituições corretas na ida e na volta. Teve coragem, que nunca lhe faltou. Não teve sorte desta vez.

As derrotas seguidas para os espanhóis não fazem de Guardiola um pior técnico. Mas é claro que ficou uma conta pendente em Munique.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.