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Julio Gomes

O maior título de Simeone: ensinar o Atlético a vencer o Real

Julio Gomes

27/02/2016 13h55

Comecei a escrever este post no intervalo de Real Madrid x Atlético e Madri. O jogo poderia ter acabado 4 a 0 para o Real. Não teria mudado uma linha.

Acabou 1 a 0 para o Atlético, o que dá mais força para as linhas abaixo. Teve susto? Claro que teve. Mas toda a pressão do Real, jogando diante de sua torcida, não foi suficiente para furar o melhor sistema defensivo da Europa. Desde o final da década de 40, o Atlético não ganhava três seguidas no Bernabéu. Só isso.

Eu vivi em Madri entre 2003 e 2009. Foi no meio de um período de 14 anos (14 anos!!) sem o Atlético ganhar um jogo sequer contra o Real. Eles eram chamados de "pupas". Numa tradução livre, seriam os "patos", os "fracos", os "trouxas".

Não poderia haver freguesia maior, humilhação maior. Não era só ver o Real montando times fortes. Era não ganhar uminha sequer. Mesmo quando não valesse muito.

Eu, como torcedor da Portuguesinha, sei bem o sabor de ganhar uminha. Você sabe que seu time não vai ser campeão de nada. Então os "títulos" são jogos isolados aqui e ali. Aqueles 7 a 2 no Pacaembu, aqueles 4 a 0 em Campo Grande… o torcedor do Atlético passou mais de uma década sem ter nem mesmo isso.

simeone

Desde que El Cholo Simeone chegou ao Atlético, em dezembro de 2011, há quatro anos e pouquinho, foram vários títulos conquistados: uma Europa League alguns meses depois, em 2012; a Supercopa da Uefa, também em 2012; a Copa do Rei, em 2013; a Liga da Espanha e a Supercopa, em 2014; e só não ganhou a Champions (a Champions!) naquele mesmo 2014 por um gol sofrido nos minutos derradeiros.

Mas nenhum título, nenhum, foi tão importante quanto a relação virada de cabeça para baixo contra o Real Madrid. O maior título da "era Simeone" foi deixar de entrar em campo derrotado contra o Real Madrid e passar a entrar em campo com a certeza da vitória. Às vezes ela veio, às vezes não, mas a mudança de mentalidade foi uma das coisas mais brutais que já vi no futebol.

Com o resultado de hoje, o Atlético já está há seis jogos sem perder do Real Madrid no Campeonato Espanhol. Três temporadas completas.

Tudo começou com aquele gol de Miranda na prorrogação da final da Copa do Rei, em 2013. Título em pleno Santiago Bernabéu em cima do Real de Mourinho. E aí outras vitórias vieram. Na Liga, na Supercopa, na Copa do Rei… Sim, é verdade que o Real ganhou aquela Champions de Lisboa em 2014, mesmo com jogo perdido, graças ao empate de Sérgio Ramos no finalzinho. É verdade que no ano passado o gol de Chicharito, também no finalzinho, botou o Real nas semis da Champions e eliminou o Atlético.

Mas a mudança da era Simeone faz, e isso é o mais incrível, esses jogos mais terem pinta de pontos fora da curva do que o contrário. Nos últimos 15 jogos entre eles, são 7 vitórias do Atlético.

Pense, cara leitora, caro leitor, na dificuldade que é mudar um apelido. A dificuldade de apagar um rótulo estampado na testa. Muitos jogadores passaram, foram e vieram, e o Atlético continua com a mesma pegada, a mesma mentalidade. "Pupas"? Pupas, nunca mais. Quem tem coragem de chamá-los de pupas hoje em dia?

É um erro enorme menosprezar a qualidade técnica dos jogadores do Atlético de Madri. Ótimo goleiro, muito bons zagueiros, meio campistas "todo terreno", um atacante especial. É um muito bom time. Mas a eficiência tática, a entrega em campo são tão grandes que é impossível fugir daquela análise: o Atlético faz muito mais do que supostamente poderia fazer.

É impossível não comparar com os elencos estrelados de Barcelona, Real Madrid e Bayern de Munique, não considerar o Atlético "abaixo tecnicamente".

Talvez falar em "abismo técnico" já possa ser considerado um erro. Mais preciso falar em "abismo criativo", já que o Atlético não tem jogadores que individualmente pareçam capazes de resolver tudo, como têm Barça, Real e Bayern. Mas o que dizer da parte tática? Da entrega física? Da força anímica? Da fortaleza mental?

Não é um time tosco que só se defende. É um time que se defende como nenhum outro. E que joga bola, propõe jogo, busca as vitórias.

O Atlético deveria servir de inspiração até mesmo para as sociedades mundo afora. Em tempos de mais transparência, em que vemos como somos pequenos perto dos desmandos dos peixes grandes, o Atlético mostra como é possível sobressair mesmo contra todas as probabilidades. Coração, coragem e dedicação ainda fazem diferença neste mundo.

Na Liga espanhola, a diferença está grande demais para o Barcelona. Mas este é um time muito, mas muito perigoso mesmo para a sequência da Champions League.

O Atlético é a personificação do termo "time cascudo". Só que ele é muito mais do que isso. É um time capaz – que acredita nisso, pelo menos – de enfrentar qualquer um. Inclusive o Real Madrid.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.