Topo

Julio Gomes

Barça humilha Real pela 4a vez em 10 anos. Times valem mais que indivíduos

Julio Gomes

21/11/2015 17h16


Muitos insistem em ver futebol como uma coisa de indivíduos. A constante busca por heróis e vilões, a análise de um jogo resumida no erro cometido por este, no acerto daquele. Nada mais falso.

Sim, é verdade que em alguns momentos, raros, indivíduos se sobrepõem a times. Um drible que pode "soltar" um jogo amarrado, esse tipo de coisa. Mas raramente lances únicos são definidores da coisa toda. E, quando o são, o são em um jogo ou outro, não em uma competição.

Me assusto quando vejo pessoas dizerem que não entendem por que Neymar não é na seleção o que é no Barcelona. Oras, basta pensar. Neymar é parte de um todo. E esses "todos" são completamente diferentes. Os times serão sempre mais importantes do que os indivíduos, não consequência deles.

Real Madrid e Barcelona fazem o clássico mais importante do mundo. Nem mesmo duelos entre seleções chamam tanta atenção. Nos quatro cantos do planeta, as pessoas param para ver. E nada melhor do que uma vitrine dessas para nos provar, ano após ano, jogo após jogo, que times são mais importantes do que indivíduos.

Neste sábado, mais uma prova. O Barça foi ao Bernabéu para impor a terceira humilhação na casa do Real Madrid em um período de 10 anos. Os 4 a 0 foram pouco, dada a enorme superioridade do Barça em campo. E tal superioridade tem a ver com os times, não por serem os craques de um mais craques que os do outro.

O Real Madrid era a maior força da Europa quando tinha times. Em um belo dia, Florentino Pérez, que, na real, faz um mal danado para o futebol, resolveu que criar constelações deveria ser o objetivo de seu clube. E foi assim que Vicente del Bosque foi mandado embora, criou-se a cultura de contratar só melhores do mundo e cunhou-se o termo "galácticos".

Enquanto isso, o Barcelona, um clube provinciano, que sempre conviveu com crises políticas, virou a chave de sua história. Certa estabilidade gerencial trouxe estabilidade a treinadores, a falta de dinheiro levou a um investimento necessário nas bases. Passaram a acreditar em uma filosofia. O conceito principal do clube passou a ser o da coletividade, não individualidades. E o Barça virou um clube mundial.

Nos últimos 12, 13 anos o que vimos foram seguidos confrontos entre Barcelona e Real Madrid que nos mostraram que times são muito mais importantes que indivíduos.

Enquanto o Real trocou de treinadores como quem troca de camiseta, o Barcelona deu força à própria escola. Que de tão forte sofreu a transição de holandesa para catalã, explodiu com Guardiola e, agora, com Luis Enrique. Determinou padrões do futebol (como vemos pela Europa e vimos na Copa do Mundo).

Com José Mourinho, o Real Madrid parecia ter um time. Mas não era bem isso. Havia uma organização tática para alguns jogos, outra para os duelos contra o Barça. Mourinho ganhava meio que no automático na Espanha, também porque nunca houve tanto abismo financeiro entre os os dois grandões e os outros times. E criava uma maneira agressiva e que até flertava com o antifutebol para os jogos específicos contra o Barcelona.

Foi somente com Carlo Ancelotti que o Real Madrid conseguiu formar time. Um técnico low profile, que não queria aparecer mais do que os jogadores – e, por isso, era amado por todos eles. Que sabia muito de futebol. E que conseguiu criar uma maneira de jogar que servia para qualquer confronto. Ofensivo, como gosta o madridismo, e equilibrado ao mesmo tempo.

Não à toa, foi com Ancelotti que o Madrid conseguiu, afinal, ganhar a décima Champions League após 12 anos de espera. Foi somente no período de comando do italiano que o Real conseguiu ser um time, assim como o Barcelona. Mas durou pouco.

Logo veio Florentino Pérez de novo. E, assim como fez com Del Bosque, não quis mais Ancelotti. Florentino não gosta de futebol, creio eu. Ou pelo menos não no futebol coletivo, que é o que manda hoje em dia.

Não à toa, o Real Madrid sofreu, em um período de 10 anos, quatro humilhações brutais contra o Barcelona, três delas em casa.

Aqueles 3 a 0 de 2005, com os aplausos a Ronaldinho e a pá de cal no time de galácticos. Aqueles 6 a 2 de 2009, no primeiro pico do time de Guardiola. Depois os 5 a 0 no Camp Nou, o primeiro clássico de Mourinho. E agora, em 2015, um 4 a 0 no Bernabéu.

Um jogo em que claramente o técnico Rafael Benítez sucumbiu à pressão. Abriu mão do que ele entende de futebol para escalar o time que queria o presidente, com todos os meias e atacantes de talento em campo (Modric, Kroos, James, Bale, Benzema, Cristiano).

A enésima prova de que o futebol não funciona assim. Não adianta simplesmente botar os bons para jogar. É preciso ter equilíbrio, estrutura, pressão, marcação, cobertura, aproximação, deslocamento. E, depois de tudo isso, DEPOIS DE TUDO ISSO, as individualidades aparecem.

Enquanto isso, o Barcelona funciona mesmo sem Messi, mesmo sem o melhor jogador que já vi jogar. Por que? Porque funciona como time, como uma engrenagem. Não é um time que se defende com todos e estica bolas para Suárez e Neymar resolverem na frente.

Suárez e Neymar são as pontas do iceberg. São definidores fenomenais, que se deslocam e têm também passe de gol, que se beneficiam e ajudam um meio de campo maravilhoso. É simplista e errado creditar somente ao talento de Neymar e Suárez os feitos deste Barcelona.

Busquets, Iniesta, Rakitic e Sergi Roberto defendem e atacam. Se aproximam, criam maiorias, erram poucos passes também porque estão sempre juntos. Foi de Sergi a investida e a assistência para o primeiro gol, de Suárez. De Iniesta o passe para Neymar fazer o segundo. E Iniesta, novamente, avançou e tabelou com Neymar para fazer o gol mais bonito, o terceiro.

Os aplausos a Iniesta são comuns nos estádios espanhóis desde que ele fez o gol do título mundial, em 2010. Mas os aplausos hoje no Bernabéu têm um componente a mais, parecido com o que eu interpreto que ocorreu com 2005, com os aplausos a Ronaldinho Gaúcho.

São aplausos pela partida maravilhosa e pelo futebol bem jogado. Mas também contêm uma carga de ironia. São aplausos que machucam Florentino e a maneira equivocada de pensar na "casa branca". Em 2005, os aplausos mostravam que era mais importante ter contratado o "feio" Ronaldinho que o "bom de marketing" David Beckham. Em 2015, os aplausos a Iniesta mostram que investir na prata da casa e em um modo de jogar futebol é mais valioso do que ficar gastando dinheiro a torto e direito com "craques" por aí.

Indivíduos ganham alguns jogos. Times ganham muito campeonatos. E já passou da hora de um monte de gente se dar conta disso.

Até para entender por que o Neymar do Barça é tão melhor que o da seleção.

 

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.