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Julio Gomes

10 anos atrás aplaudiam Ronaldinho e ignoravam outro gênio

Julio Gomes

19/11/2015 05h45

Era um sábado, dia 19 de novembro de 2005. Dizer que eu estava bravo era subestimar a situação do momento. Após semanas de insistência, eu havia tido recusado o pedido de credenciamento para o superclássico do Bernabéu.

Aquele era meu primeiro ano como correspondente da Band em Madri. Havia feito a cobertura da reta final do título do Barça em 2005. E aquela temporada, a 2005/2006, era, digamos, a primeira para valer. A TV tinha também os direitos da Champions League.

O Real Madrid era um festival de brasileiros. Luxemburgo (e cia limitada), Robinho, Ronaldo, Roberto Carlos, Cicinho, Júlio Baptista. O Barça não ficava muito atrás. Ronaldinho, Edmílson, Deco, Belletti, Sylvinho, Thiago Motta. Ou seja, para um repórter brasileiro, era uma festa. E ao mesmo tempo uma responsabilidade monstra. Os caras eram protagonistas, só eu estava lá cobrindo diariamente, não podia não ter conteúdo bom.

E logo no primeiro clássico… credencial recusada. Como assim eu perderia o jogo? Como faria o meu trabalho? A desculpa era razoável. "São milhares de jornalistas, centenas de televisões, blá, blá, blá".

Dois dias depois, eu me casaria. Só isso. Estávamos na Plaza Mayor, em Madrid, comendo um bocadillo qualquer e pensando em que bar ver o jogo, quando tocou meu celular. "Luxemburgo" no visor. Uau. Trote? Engano? Por que esse cara está me ligando duas horas antes do jogo?

"Alô". "Julio? É o Vanderlei". "Opa, tudo bem?". "Sim, sim. Olha só. Você ainda vai casar mesmo?". "Vou sim, claro". "E não te deram mesmo a credencial?". "Nada. Estou puto. Obrigado pela ajuda com a assessoria de imprensa, mas não deram mesmo". "Então é o seguinte. Passa lá no portão sei-lá-que-número, procure o Paco, tem um envelope com o teu nome e dois ingressos. Um é teu e um para a tua esposa, que merece por casar com você. hehehe". "Não sei nem o que falar. Muito obrigado, Vanderlei. Boa sorte no jogo logo mais". "Tá tudo certo, tudo certo. Tenho que ir. Até".

E assim ganhei meu único presente de casamento. Ingressos para o clássico. Não era pouco. Obrigado eterno a Luxemburgo, que uma semana depois estava sendo demitido. Acho que só nos reencontramos uma vez depois daquilo. Foi uma pena, era justo quando estávamos, os dois, nos assentando em nossas respectivas funções.

No sábado agora tem clássico de novo. E eu faço 10 anos de casado. Me assusta um pouco pensar em como passa rápido.

Naquele sábado, 19 de novembro de 2005, logicamente fui correndo para casa, botei a camisa da Band, levei minha câmera e equipamentos numa mochila. Não fiquei no campo, como costumava. Mas era um ótimo lugar, na terceira ou quarta fileira, pertinho do gramado. Depois do jogo, consegui fazer as entrevistas que precisava. Uma pena que meu arquivo seja uma desgraça, senão colocava aqui o vídeo de Ronaldinho, que não tinha reparado no feito histórico que acabara de acontecer.

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E uma pena que eu não tenha tido a presença de espírito de entrevistar um garotinho que deve ter passado cabisbaixo pela área de entrevistas, sem ter sido notado.

Aquele foi um jogo de várias notícias. Foi uma espécie de passagem total e completa de bastão. Era game over para o Real Madrid galáctico. Zidane era um espectro. Figo tinha se mandado. Ronaldo era uma preguiça só. Beckham nunca foi o que achavam que era. O time da vez era o Barcelona. Com sangue nos olhos, muito futebol, espírito renovado após anos de lamentações.

Em campo, um adolescente argentino, o enésimo "novo Maradona", um tal Lionel Messi. Era apenas o sexto jogo da carreira que ele começava como titular (o dono da posição era o francês Giuly, um baixinho que o técnico Rijkaard amava de paixão). Pela primeira vez na vida, enfrentava o Real Madrid.

Não preciso falar o que virou Messi. São 10 anos de Messi, 10 anos de clássicos. Essa reportagem do Marca mostra o que o argentino fez com o Real Madrid ao longo dos anos e traz vídeos. Ela elenca os quatro clássicos mais importantes de Messi. E eu sou um sortudo, pois estava no estádio nos quatro. Na estreia, no hat trick dos 3-3 do Camp Nou, no 2-6 do Bernabéu e naquela semifinal histórica de Champions em 2011 (o 0-2 da ida).

Mas quem ia falar de Messi depois de uma atuação de gala como aquela de Ronaldinho? O homem meteu dois gols, tinha um sorriso que não cabia na boca. E foi aplaudido de pé pelos madridistas. Digamos que Messi, ignorado naquele sábado apesar do ótimo jogo que fez, era a notícia da década (só que ninguém sabia). A notícia do dia estava na arquibancada, que era onde eu estava! Eu puxei a câmera e mandei ver nas gravações. Aplausos. História.

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Havia um "quê" de ironia naquele aplauso. Florentino Pérez, atual e ex-presidente ao mesmo tempo, havia preferido trazer Beckham, em vez de Ronaldinho, dois anos antes. O Gaúcho era "muito feio" (essa reportagem da época do grande Sid Lowe, no Guardian, resume bem). O marketing falou mais alto que o esportivo. Era um aplauso na linha "vejam a m… que vocês fizeram, dirigentes". E, claro, tinha gente aplaudindo porque era mesmo bonito de ver aquele Barça.

Luxemburgo caiu dias depois. Florentino renunciou antes do final da temporada. O Barça seria campeão europeu, além de bi espanhol. E ali começava uma era que ainda não acabou, a era mais vitoriosa e importante da história do clube catalão. Daquele elenco, restam Messi e Iniesta. Não é pouco.

Tostão uma vez me disse que nenhum jogador dura mais do que 10 anos jogando em altíssimo nível. É razoável pensar que o auge de Messi já tenha passado, ainda que ele continue fantástico.

Ronaldinho. Os baixinhos. Messi.

Agora, é a vez de Neymar. Ele já fez gol no Bernabéu. Mas o superclássico deste sábado é especialmente pesado se Messi não tiver condições físicas de voltar ao time. Neymar deu conta do recado na ausência do argentino. Dará também em Madri? Será que ele conseguirá construir no Barça uma história com o peso da construída por Ronaldinho e, depois, Messi? É pedir demais, eu sei. Comparações são ingratas, eu sei. Começou com o pé direito e vai no bom caminho, eu sei. Mas a pergunta é válida e honesta. Qual será o peso de Neymar quando tudo acabar?

Não sei. Ninguém sabe. Mas não será fácil.

Porque o que Ronaldinho e Messi fizeram pelo Barcelona… jamais tinha sido feito.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.