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Julio Gomes

Neymar não gosta de ver futebol. E você?

Julio Gomes

06/11/2015 17h51

Nos anos em que morei na Europa, fiz muitas entrevistas para publicações de lá. A enorme maioria delas, com jogadores de futebol brasileiros. Sempre havia a encomenda, por parte dos editores ingleses, de uma pergunta relacionada a assistir aos jogos de futebol. "Qual time você gosta mais de acompanhar? Você vê futebol em casa? Qual campeonato gosta mais?".

Eu não ficava apaixonado por esse tipo de pergunta. Fazia porque havia sido pedida por quem me pagava. Mas eu já sabia da resposta. A esmagadora maioria dos meus entrevistados me respondia algo parecido com isso: "não vejo muito, não. Não gosto. A profissão já toma muito do meu tempo, então no tempo livre prefiro fazer outras coisas".

Eu ficava surpreso também porque alguns jogadores me relatavam que, no domingo à noite na Europa, preferiam ver os jogos do Campeonato Brasileiro (via Globo Internacional) do que os jogos do próprio campeonato em que atuavam, que aconteciam simultaneamente.

Portanto, nenhuma foi minha surpresa ao ler esta reportagem no UOL Esporte: "Neymar diz que não gosta de assistir futebol. Nem para ver Real ou Santos". Na entrevista, o jogador mais importante do nosso futebol diz o seguinte:

"Não vejo jogos de outras equipes, incluindo as do Real Madrid. Quando meus amigos estão vendo, observo por um momento e depois saio. Não fico vendo todo o jogo porque não gosto. Não posso opinar sobre uma coisa que não vejo. Não porque sejam jogos do Real Madrid, não gosto de ver de uma forma geral. Também não vejo as do Santos, a não ser que seja alguma final".

Neymar não está sozinho. Como eu disse, já havia notado esse tipo de alienação em dezenas de entrevistas feitas no passado.

(É claro que estou falando da maioria. Me lembro de uma das várias conversas com Alex, por exemplo, nos tempos de Fenerbahce, e aquele era e é claramente um cara que consumia futebol de todos os jeitos possíveis).

Por essas e outras, fui amadurecendo uma ideia que hoje, para mim, é uma certeza. O brasileiro gosta de jogar bola, não gosta de futebol. Gosta de praticar o esporte, não de conhecê-lo a fundo, entendê-lo de verdade. Daí a expressão "boleiros" ser o fiel retrato da nossa realidade, do nosso tipo de profissional.

Isso não é pouco. Gostar tanto de jogar futebol, seja na praia, no mato ou no asfalto, é o que faz do brasileiro um povo tão ligado ao esporte. Mas infelizmente não se traduz em algo positivo para a evolução do esporte no país.

As audiências da TV aberta indicam queda no interesse pelo futebol. É por isso que praticamente só se passa jogo do Flamengo ou do Corinthians. O que isso indica? Que os torcedores destes clubes, os mais populares do país, estão interessados somente no próprio clube. Se passar jogo de outro time, ele procura outra coisa para ver ou fazer. E isso, claro, se aplica a todos os torcedores.

Na Alemanha, por exemplo, existe uma cota máxima e outra mínima de jogos que um time da Bundesliga tem transmitidos ao vivo em rede nacional. Aqui no Brasil, apesar de o sistema de rádio e TV funcionar via concessão pública, acostumou-se a dizer: "a TV paga e tem direito de passar quem quiser. Se tal time dá mais audiência que os outros, fazer o quê?".

A maneira de pensar é equivocada em dezenas de aspectos. Mas a ação é justificada pela verdade nua e crua: o brasileiro não quer ver futebol, quer ver o time dele.

É por isso, também, que quanto mais rasos os debates sobre futebol, de preferência presos a polêmicas de arbitragem e acertos e erros individuais de jogadores, melhores os níveis de audiência. Debater o futebol "a fundo" é chato. Não atrai.

Desde pequenos, somos acostumados a venerar o craque, o decisivo. Mesmo no campeonato da escola, na aula de educação física. É grosso? Vai pro gol. É craque? Não tem obrigação nenhuma com o time. Dá a bola para ele e reza.

Neymar, assim como Robinho e tantos outros, ama jogar bola. Mas não gosta de ver futebol.

Gosto não se discute. Profissionalismo sim, se discute. E, na minha opinião, um profissional de qualquer área deve estar sempre vendo, melhorando, se informando e estudando aquilo que faz. Mas esse é um problema dos chefes de Neymar, não é meu.

Infelizmente, em nosso país, hoje, nunca houve tanto futebol e tão pouco futebol ao mesmo tempo. Quem quiser, assiste ao campeonato que escolher. Passa de tudo. Mas, ainda mais com o pay-per-view, não é a pluralidade que está ganhando espaço. A maioria das pessoas vê apenas uma coisa: o próprio time.

E o futebol do país, vê o bonde passar.

Sobre o Autor

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa - a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

Sobre o Blog

Este blog fala (muito) de futebol, mas também se aventura em outros esportes e gosta de divagar sobre a vida em nossa e outras sociedades.